Brasil é o país que mais acredita em informações
falsas e 89,77% dos eleitores de Bolsonaro caíram nelas nessas eleições
98,21% dos
eleitores de Bolsonaro entrevistados foram expostos a uma ou mais notícias
falsas nas eleições / MiguelSchincariol/AFP
O papel das fake news (notícias
falsas, em inglês) na disputa que elegeu Jair Bolsonaro (PSL) presidente
no último dia 28 de outubro foi amplamente denunciado ao redor do mundo.
Apesar
da preocupação com o combate às fake
news ter rondado organizações e especialistas desde o começo
do ano, motivando a criação de uma comissão especial no Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), uma rede profissional de disseminação massiva de
conteúdo mentiroso contra o Partido dos Trabalhadores (PT)
foi descoberta nas últimas semanas e colocou o assunto no centro das eleições.
Com o
fim do pleito, especialistas alertam: o processo de viralização de boatos
continuará atrapalhando a democracia brasileira.
O
Brasil é o país mais propenso do mundo a acreditar em uma informação falsa, de
acordo com a pesquisa Global Advisor: Fake News,
Filter Bubbles, Post Truth and Trust (Consultor Global:
notícias falsas, bolhas de filtros, pós-verdade e confiança), do Instituto Ipsos,
realizada com entrevistados de 27 países. Segundo o estudo, 62% dos brasileiros
afirma já ter acreditado em uma notícia falsa.
O
principal método de disseminação de fake
news nessas eleições foi o aplicativo Whatsapp. Os grupos
pró-Bolsonaro continuam ativos, veiculando boatos, além de outras campanhas,
como o estímulo ao "Escola Sem
Partido". Uma reportagem veiculada na sexta-feira (2) pela Revista
Época alerta que os grupos pretendem continuar fortes para as eleições
municipais de 2020.
Segundo
Sérgio Amadeu, sociólogo e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), há
um risco grande de a desinformação ter continuidade após o processo eleitoral,
como aconteceu nos Estados Unidos após a eleição de Donald Trump.
O professor afirma que, para além de meios jurídicos e tecnológicos para
combater as fake news, a
sociedade brasileira precisa de uma mudança estrutural em sua postura
democrática.
"A
estratégia de alguns grupos que participaram dessa campanha de desinformação é
continuar com o trabalho de desorientação, de transformação de opiniões em
fatos, acentuando desinformação. Me parece que se isso for útil para grupos
poderosos isso será aplicado. Como transformar isso em algo não socialmente
aceitável? Com uma sociedade que vai reagir a isso. Se aqueles que
distribuem essa desinformação em massa passarem a ser criticados, considerados
pessoas de comportamento inconveniente, antiético, reduziremos seu peso como
estratégia política válida", afirmou.
Dados levantados
a pedido da plataforma Avaaz e divulgados no final de outubro mostram que
98,21% dos eleitores de Bolsonaro entrevistados foram expostos a uma ou mais notícias falsas,
e 89,77% acreditaram que eram embasadas em verdade. Desses, 84% acreditaram no
boato do "kit gay",
e outros 74% acreditaram na ideia de que as urnas eletrônicas são fraudadas.
Para
Márcio Moretto, professor da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do
Monitor do Debate Político no Meio Digital, a disseminação em massa de notícias
falsas no Brasil teve início após 2013, com a "formação de um grande campo antipetista",
que fez uso, principalmente, do Facebook para compartilhar boatos e hoje
está "marcada como a direita".
"Nos
períodos eleitorais isso fica mais intenso, e, principalmente, ganha mais
capilaridade. Com ele [Bolsonaro] assumindo a presidência, é uma incógnita. De
alguma forma, ele pode tentar usar desses canais alternativos como forma de
disputar os discursos da esfera pública. Não sabemos se isso vai acontecer, mas
seria bem nocivo, porque a disputa política na rede social é muito polarizada,
divide a esfera pública em dois grandes grupos com pouca intersecção entre si.
Então, um governo que use um desses polos como interlocutor privilegiado,
falará só com uma parte da sociedade, desprezando um pedaço importante do
debate político", afirmou.
Na
opinião de Marcos, o hiper-engajamento e polarização da sociedade tem como
consequência a desinformação e não o contrário, como geralmente se pensa.
Ele destaca que as redes sociais vem tomando algumas medidas para barrar as fake news, mas
ainda são insuficientes. Ele explica que o Whatsapp, apesar de ter
incorporado a chamada "criptografia de ponta-a-ponta", protegendo
usuários, também implementou funcionalidades que
permitem a transmissão em massa de
conteúdo.
"Essas
funcionalidades facilitam a disseminação de desinformação ao mesmo tempo em que
não tem nenhum tipo de possibilidade de auditoria, porque a comunicação é
criptografada. Então, é um lugar delicado. A gente deveria ter meios de
pressionar que as ferramentas ou sejam de comunicação pública, como de certas
formas são outras redes em que há uma arena pública para receber o
contraditório, ou uma rede privada, em que não há funcionalidades para
comunicação em massa. Essa mistura em que o Whatsapp ficou é muito nociva para
o debate público", completou.
Na
semana passada, a Organização dos Estados
Americanos (OEA) afirmou que o fenômeno de uso massivo de
Fake News para manipular o voto dos brasileiros "talvez não tenha
precedentes". O Whatsapp é usado por 120 milhões de brasileiros, mais de
50% da população.
Fonte: Brasil de Fato