A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia decidiu
ir ao Conselho Nacional de Justiça contra a indicação do juiz Sergio Moro para
o superministério da Justiça. "O ativismo do juiz Sérgio Moro não abala
apenas a segurança dos casos por ele julgados e a Lava-jato como um todo, mas
transfere desconfiança a respeito da ética e da independência com que conduzirá
também o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, um ministério ampliado e
com poderes amplos, no momento em que o país passa por grave crise democrática",
diz a nota, que aponta ainda ilegalidades cometidas contra o ex-presidente Lula
247 – A Associação Brasileira
de Juristas pela Democracia decidiu ir ao Conselho Nacional de Justiça contra a
indicação do juiz Sergio Moro para o superministério da Justiça. "O
ativismo do juiz Sérgio Moro não abala apenas a segurança dos casos por ele
julgados e a Lava-jato como um todo, mas transfere desconfiança a respeito da
ética e da independência com que conduzirá também o Ministério da Justiça e da
Segurança Pública, um ministério ampliado e com poderes amplos, no momento em
que o país passa por grave crise democrática", diz a nota, que aponta
ainda ilegalidades cometidas contra o ex-presidente Lula. Leia, abaixo, a
íntegra:
NOTA DA ABJD EM DEFESA DA
IMPARCIALIDADE DO JUDICIÁRIO E CONTRA O PARTIDARISMO DE SÉRGIO MORO
A
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE JURISTAS PELA DEMOCRACIA (ABJD), entidade que congrega
os mais diversos segmentos de formação jurídica em defesa do Estado Democrático
de Direito, VEM A PÚBLICO, diante do aceite do juiz federal Sérgio Moro para
integrar o Ministério da Justiça e da Segurança Pública do governo de Jair
Bolsonaro, MANIFESTAR ESPANTO E GRAVE PREOCUPAÇÃO com este gesto eminentemente
político e consequencial ao comportamento anômalo que o juiz vinha adotando na
condução da Operação Lava-jato.
A
conduta excepcionalmente ativista adotada pelo juiz da 13a Vara Federal de
Curitiba sempre foi objeto de críticas contundentes por parte da comunidade
jurídica nacional e internacional, rendendo manifestações em artigos
especializados e livros compostos por centenas de autores, a denunciar o uso
indevido da lei em detrimento das garantias e liberdades fundamentais. Em
diversos episódios, restou evidente a violação do principio do juiz natural no
critério da imparcialidade que deve reger o justo processo em qualquer tradição
jurídica. Um juiz deixa de ser independente quando cede a pressões decorrentes
de outros Poderes do Estado, das partes ou, mais grave, a interesses alheios à
estrita análise do processo, deixando não apenas as partes, como também toda a
sociedade sem o resguardo dos critérios de justiça e do devido processo legal.
Um
juiz que traz para si a competência central da maior operação anticorrupção da
história do Brasil não pode pretender atuar sozinho, à revelia dos demais
Poderes e declarando extintas ou suspensas determinadas regras jurídicas para
atender a quaisquer fins de apelo popular. Um juiz com tal concentração de
poder deveria ser exemplo de máxima correição no uso de procedimentos jurídicos
e tomada de decisões processuais, tanto pelos riscos às liberdades e direitos
dos acusados como pelos efeitos nocivos de caráter econômico inexoravelmente
provocados pela investigação de agentes e empresas.
No
entanto, o que se viu nos últimos anos foi o oposto. O comportamento do juiz
Sérgio Moro, percebido com clareza até pela imprensa internacional ao noticiar
um julgamento sem provas e a prisão política de Lula, foi a de um
juiz-acusador, perseguindo um réu específico em tempo recorde e sem respeitar o
amplo direito de defesa e a presunção de inocência garantida na Constituição.
Recordem-se
alguns episódios que denotam que o ativismo jurídico foi convertido em
instrumento de violação de direitos civis e políticos, a condicionar o
calendário eleitoral e o futuro democrático do país, culminando com a aceitação
do magistrado ao cargo de Ministro da Justiça:
1.
No início de 2016, momento de grave crise política, o juiz Sérgio Moro utilizou
uma decisão judicial para vazar a setores da imprensa uma conversa telefônica
entre a então Presidenta da República, Dilma Rousseff, e o ex-Presidente Lula
por ocasião do convite para assumir um ministério;
2.
Em março de 2016, o juiz autorizou a condução coercitiva contra o Lula numa
operação espetáculo, eivada de irregularidades e ilegalidades também contra
familiares e amigos do ex-Presidente;
3.
Em 20 de setembro de 2016, às vésperas das eleições municipais, o juiz aceitou
uma denuncia do Ministério Público contra Lula e iniciou a investigação do caso
Triplex. O que se seguiu durante os meses seguintes foi um festival de violações
ao devido processo legal, de provas ilícitas a violação de sigilo profissional
dos advogados. Esses abusos foram denunciados ao Comitê Internacional de
Direitos Humanos da ONU;
4.
A sentença condenatória do caso Triplex, em julho de 2017, provocou revolta na
comunidade jurídica, que reagiu com uma enxurrada de artigos contestando
tecnicamente o veredito nos mais diversos aspectos e chamando a atenção para o
comportamento acusatório e seletivo do magistrado;
5.
A divulgação da sentença condenatória do caso foi feita um dia após a aprovação
da reforma trabalhista no Senado Federal, quando então já se falava em
pré-candidatura de Lula ao pleito de 2018;
6.
O julgamento recursal pelo TRF4 em 27 de março de 2018, como se sabe, foi
realizado em tempo inédito, em sessão transmitida ao vivo em rede nacional.
Vencidos os prazos de embargos declaratórios, o Tribunal autorizou a execução
provisória da pena, dando luz verde à possível prisão a ser decretada pelo juiz
Sérgio Moro, momento em que as ruas se acirraram ainda mais com a passagem das
Caravanas do pré-candidato Lula pelo sul do país;
7.
No dia 05 de abril, o STF julgou o pedido de habeas corpus em favor
de Lula e, por estreita margem de seis votos a cinco, rejeitou o recurso pela
liberdade com base na presunção de inocência. No próprio dia 05, contrariando
todas as expectativas e precedentes, o juiz Sergio Moro determinou a prisão de
Lula e estipulou que este deveria se apresentar à Polícia Federal até às 17h do
dia seguinte. O mandado impetuoso é entendido pela comunidade jurídica, mesmo
por quem não apoia o ex-Presidente, como arbitrário e até mesmo ilegal;
8.
Lula decidiu cumprir a ordem ilegal para evitar maiores arbitrariedades, pois
já ecoava a ameaça de pedido de prisão preventiva por parte de Sérgio Moro. No
dia 07 de abril, Lula conseguiu evitar a difusão de uma prisão humilhante,
saindo do sindicato nos braços do povo, imagem que correu o mundo como símbolo
da injustiça judiciária;
9.
No dia 08 de julho, houve um episódio que escancarou a parcialidade de Sérgio
Moro. O juiz, mesmo gozando de férias e num domingo, telefonou para Curitiba e,
posteriormente, despachou no processo proibindo os agentes da Polícia Federal
de cumprirem uma ordem de liberação em favor de Lula expedida pelo juiz de
plantão no TRF4, o desembargador Rogério Favreto. Frise-se: mesmo sem ter
qualquer competência sobre o processo, já em fase de execução, Sérgio Moro
desautorizou o cumprimento do alvará de soltura já expedido, frustrando a
liberação, descumprindo ordem judicial, ignorando definitivamente a legalidade,
o regime de competência e a hierarquia funcional;
10.
Avançando para o processo na justiça eleitoral, já às vésperas das eleições
presidenciais em primeiro turno e com o franco avanço do candidato Fenando
Haddad, que substituiu Lula após o indeferimento da candidatura, o juiz Sérgio
Moro determinou a juntada aos autos da delação premiada do ex-ministro Antônio
Palocci contra Lula, depoimento que havia sido descartado pelo MPF e que foi
ressuscitado com ampla repercussão da mídia. Sabe-se agora, pelo
vice-Presidente eleito, General Mourão, que nesse tempo as conversas para que
Moro viesse a compor um cargo político central no futuro governo já estavam em
andamento;
11.
Coroando a cronologia de ilegalidades e abusos de poder, frisa-se que Sergio
Moro, ainda na condição de magistrado, atuou como se político fosse, aceitando
o cargo de Ministro da Justiça antes mesmo da posse do Presidente eleito e,
grave, tendo negociado o cargo durante o processo eleitoral, assumindo um dos
lados da disputa, conforme narrado pelo General Hamilton Mourão. Tal
movimentação pública e ostensiva do juiz confirma a ilegalidade de sua atuação
político-partidária em favor de uma candidatura, o que se vincula ao ato de
divulgação do áudio de Antonio Palocci para fins de prejudicar uma das
candidaturas em disputa. O repúdio a essa conduta disfuncional motiva a ABJD a
mover representação junto ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ – com o fim de
exigir do órgão o zelo pela isenção da magistratura, o respeito ao principio da
imparcialidade e a garantia da legalidade dos atos de membros do Poder
Judiciário.
Moro
não poderia, em acordo com as normas democráticas vigentes, praticar qualquer
ato de envolvimento político com o governo eleito ou com qualquer outro
enquanto fosse juiz. Ao fazê-lo viola frontal e acintosamente as normas que
estruturam a atuação da magistratura, tornando tal violação ainda mais
impactante ao anunciar que ainda não pretende se afastar formalmente da
magistratura, em razão de férias vencidas.
O
ativismo do juiz Sérgio Moro não abala apenas a segurança dos casos por ele
julgados e a Lava-jato como um todo, mas transfere desconfiança a respeito da
ética e da independência com que conduzirá também o Ministério da Justiça e da
Segurança Pública, um ministério ampliado e com poderes amplos, no momento em
que o país passa por grave crise democrática, em que prevalecem as ameaças e a
perseguição aos que defendem direitos humanos e uma sociedade mais justa.