"Lamentamos não ter sido capazes de mostrar para muitos
dos nossos leitores os riscos representados por um eventual, e provável,
governo Jair Bolsonaro", aponta editorial histórico do Congresso em Foco.
"Com todos os seus problemas, contudo, o PT jamais trouxe ameaça real à
democracia. Esta a questão central: impossível fazer jornalismo de verdade sem
democracia, algo que Bolsonaro e vários de seus seguidores mais exaltados não
cansam de afrontar. Com Bolsonaro, perdemos o jornalismo e a democracia"
247 – "Lamentamos não ter sido capazes de
mostrar para muitos dos nossos leitores os riscos representados por um
eventual, e provável, governo Jair Bolsonaro", aponta editorial histórico
do Congresso em Foco.
"Com todos os seus problemas, contudo, o PT jamais trouxe ameaça real à
democracia. Esta a questão central: impossível fazer jornalismo de verdade sem
democracia, algo que Bolsonaro e vários de seus seguidores mais exaltados não
cansam de afrontar. Com Bolsonaro, perdemos o jornalismo e a democracia".
Leia, abaixo, a íntegra:
Bolsonaro é o pior que nos pode acontecer
Este site, no ar há quase 15 anos, jamais se
manifestou contra ou a favor de candidatos em nenhuma das sete eleições que
acompanhamos nesse período. A razão de ser deste texto é selar este momento,
absolutamente inaugural, em que tornamos públicas nossas expressas e assumidas
restrições à candidatura de Jair Bolsonaro a presidente da República.
Se fosse aplicado a Bolsonaro o rigor no
cumprimento das leis que ele exige contra os seus adversários e se o sistema
judicial brasileiro funcionasse com critérios ideais de eficiência e justiça,
acreditamos que o capitão estaria hoje na cadeia, por seus atos e por suas
palavras.
Bolsonaro já fez, reiteradas vezes, apologia à
tortura, ao estupro e à violência. Defendeu o assassinato de oponentes, sempre
tratados como desprezíveis inimigos.
Tem longo passivo de declarações que podem sugerir
crimes de preconceito e de racismo. Contra mulheres, negros, indígenas,
quilombolas, lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, pessoas
obesas, baianos... a lista é tão longa que este parágrafo será curto para
descrevê-la integralmente.
Jair Bolsonaro conquistou visibilidade pública pela
primeira vez em 1987, ao liderar movimento para melhorar a remuneração das
Forças Armadas. Capitão do Exército então na ativa, foi acusado pela revista
Veja de planejar a explosão de bombas em quartéis para protestar contra os
baixos soldos. Respondeu a processo disciplinar e foi condenado por um Conselho
de Justificação, formado por três coronéis. Posteriormente, o Superior Tribunal
Militar (STM) o absolveu.
Político desde 1989, quando se tornou vereador no
Rio, está no sétimo mandato de deputado federal. Em Brasília há 27 anos, mudou
de partido oito vezes e aprovou individualmente apenas uma lei. Nunca presidiu
comissões, nem liderou bancada, ou relatou propostas de destaque.
Um fracasso retumbante como legislador, Bolsonaro
saiu-se pior ainda como orador. "Sou a favor, sim, a uma ditadura, a um
regime de exceção", disse em 1999 no plenário da Câmara. "Jamais ia
estuprar você porque você não merece", declarou para a deputada Maria do
Rosário (PT-RS), em 2003. "Ele deveria comer capim ali fora para manter as
suas origens", disparou em 2008 contra um indígena. "Dilma Rousseff,
pare de mentir. Se gosta de homossexual, assume. Se o teu negócio é amor com
homossexual, assuma", sugeriu em 2011.
ustra-wilsondias-abr"Várias vezes Bolsonaro se
declarou a favor de torturar presos e tratou Ustra, primeiro militar brasileiro
condenado por tortura, como herói" Foto: Wilson Dias/ABr
Ao votar pelo impeachment de Dilma, em abril de 2016, homenageou o
militar acusado de torturá-la: "Pela memória do coronel Carlos Alberto
Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff". Várias vezes Bolsonaro se
declarou a favor de torturar presos e tratou Ustra, primeiro militar brasileiro
condenado por tortura, como herói. Mais recentemente, disse que o erro da
ditadura foi torturar e não matar "uns 30 mil". Em 2014, numa
entrevista ao jornal Zero Hora, havia considerado natural a mulher ganhar menos
que o homem: "Sou um liberal. Se eu quero empregar na minha empresa você
ganhando R$ 2 mil por mês e a Dona Maria ganhando R$ 1,5 mil, se a Dona Maria
não quiser ganhar isso, que procure outro emprego!".
Contrariando a fama de quem sempre se apresentou
como a mais insuspeita das criaturas a habitar o poluído mar da política
nacional, Jair Messias Bolsonaro foi acusado por sua segunda esposa (está
casado com a terceira), em ação protocolada em 2007 na 1ª Vara de Família do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, de ter cometido vários graves ilícitos.
Entre eles, possuir patrimônio pessoal muito superior ao informado à Justiça
eleitoral; não declarar à Receita a maior parte dos seus rendimentos reais; e
de ter furtado um cofre numa agência do Banco do Brasil onde a ex-mulher
mantinha valores significativos. Ana Cristina Siqueira Valle o acusaria depois
de ameaçá-la de morte, mas posteriormente retirou todas as acusações.
"Iria dar um escândalo para ele e para mim. Deixei para lá", afirmou
à revista Veja durante a campanha eleitoral de primeiro turno, na qual ela foi
derrotada na tentativa de se eleger deputada federal pelo Rio usando o
sobrenome Bolsonaro. Pode ter ficado tudo certo entre ex-marido e ex-mulher,
mas os fatos relatados deixam evidente que tanto o capitão quanto a Polícia
Civil fluminense – incompetente para investigar e dar seguimento às denúncias –
têm muitas contas a acertar com a história.
Deputado, teve uma chance ímpar de demonstrar na
prática a dor que alega sentir em relação às vítimas da violência. Foi em 7 de
abril de 1999, quando a Câmara aprovou a cassação de Talvane Albuquerque,
condenado por encomendar a morte da deputada eleita Ceci Cunha, da qual era
suplente. Para herdar a vaga, Talvane mandou matar Ceci, o marido dela e mais
duas pessoas da família. Uma chacina, portanto. Bolsonaro foi um dos 29
parlamentares que votaram contra a cassação. "Fico com a minha consciência
pesarosa de votar pela cassação desse parlamentar, porque amanhã qualquer um de
nós pode estar no lugar dele", justificou-se.
Impossível negar a Bolsonaro o mérito de ter
identificado problemas reais que inquietam a nação, como a violência, a
corrupção, os inúmeros erros do PT e a decadência do sistema político. Ele e seus
filhos (um deles, Eduardo, eleito por São Paulo o deputado federal mais votado
do país; outro, Flávio, senador pelo Rio) também entenderam e souberam explorar
com eficiência, para comunicação direta com a população, as revolucionárias
ferramentas trazidas pela era digital. Bolsonaro não conquistou à toa o
favoritismo com que chega à disputa contra Fernando Haddad neste domingo (28).
Mas, como candidato a presidente, Jair Bolsonaro
exibiu o mesmo desapreço de sempre pelas leis, pela democracia e pelos adversários.
Vítima de uma facada desferida por um desequilibrado mental, obteve
solidariedade de todo o mundo político. Mostrou sua gratidão logo na primeira
imagem, registrada quando ainda convalescia no hospital, fazendo o famoso gesto
de convocação às armas com o polegar e o indicador. Depois, ainda no hospital,
esboçou na cara dura uma tese das mais antidemocráticas. Afirmou que sua
eventual derrota eleitoral comprovaria a existência de manipulação das urnas
eletrônicas. Ou seja, se ele ganhar, está tudo bem; se perder, é porque foi
fraude.
Quis proibir a divulgação dos votos que deu como
parlamentar. Um dos mais vexatórios foi o único voto dado por um congressista
contra a ampliação dos direitos dos empregados domésticos. O descabido pedido
de censura, que revela o desejo de impedir a sociedade de ter acesso a
informações de óbvio interesse público, foi negado pela Justiça eleitoral nesta
semana. De modo geral, no entanto, o Judiciário demonstrou incapacidade para
prevenir e punir as ilegalidades ocorridas nestas eleições. Como atesta a
Organização dos Estados Americanos (OEA), a disseminação de mentiras neste
pleito é um "fenômeno sem precedentes". E quem é o seu maior
beneficiário? Bolsonaro, e por larga margem, como indica levantamento do Congresso
em Foco. Estranhamente, a Justiça pouco tem feito para coibir os abusos de um
candidato de perfil notoriamente fascista, ao mesmo tempo em que autoriza a
invasão de universidades para reprimir manifestações contra o fascismo.
Faz um bom tempo que identificamos e, de alguma
maneira, passamos a acompanhar o crescimento do "mito". Um exemplo
foi o minucioso trabalho de apuração da repórter Ana Pompeu que resultou na
reportagem de capa publicada em julho de 2017 pela Revista Congresso em Foco
(íntegra aqui). Em 11 páginas, reconstituímos ali a trajetória de um "mito
de pés de barro".
Reafirmamos os valores democráticos deste veículo,
contra a ameaça do bolsonarismo na entrega do Prêmio Congresso em Foco 2017,
com o brado de "ditadura nunca mais":
Lamentamos não ter sido capazes de mostrar para
muitos dos nossos leitores os riscos representados por um eventual, e provável,
governo Jair Bolsonaro. Vários desses leitores, temos consciência disso,
contribuíram para engrossar a onda em favor do deputado capitão. Lógico que
respeitamos as escolhas deles e de todos que divergem das ideias aqui
apresentadas com franqueza. Sabemos que muitas pessoas sérias e de bem têm
pleno conhecimento dos defeitos do candidato do PSL, mas estão sinceramente
convencidas de que ele é a alternativa possível para evitar o "mal
maior" – na visão delas, a vitória de Haddad. Nunca ignoramos as mazelas
das gestões petistas, que o Congresso em Foco sempre registrou, frequentemente
à frente de outros veículos.
Com todos os seus problemas, contudo, o PT jamais
trouxe ameaça real à democracia. Esta a questão central: impossível fazer
jornalismo de verdade sem democracia, algo que Bolsonaro e vários de seus
seguidores mais exaltados não cansam de afrontar. Com Bolsonaro, perdemos o
jornalismo e a democracia. Falhamos, pela incapacidade de criar antídotos
contra quem usou dos nossos mecanismos democráticos para conquistar a força que
pode levar agora à destruição desses mesmos mecanismos.
Ganhe Bolsonaro ou Haddad, estaremos no mesmo
lugar: empenhados, no limite das nossas possibilidades, em fazer jornalismo
sério, crítico e plural. Um jornalismo voltado para a busca de informações
confiáveis e sempre comprometido com valores democráticos. Por isso, ainda que
tenhamos tardado a publicar este editorial, não podemos ver o país à beira de
embarcar na escuridão autoritária sem gritar, com clareza, nossa voz: #EleNão.