Jornalista Luciana Barcellos lembra que o que está em jogo é
a democracia e que votar em Fernando Haddad "não é assinar cheque em
branco para o PT, não é isentar o PT da responsabilidade de não ter feito a
autocrítica. É defender o nosso direito de seguir em frente. E pra nós,
jornalistas, votar no Haddad é também defender o direito de exercer livremente
a profissão"; ela se desligou essa semana da emissora do bispo Edir
Macedo, que apoia Jair Bolsonaro e tem sido acusada de pressionar os
jornalistas a fazerem matérias positivas sobre o candidato
247 - Em meio a
informações de que a Rede Record tem pressionado seus jornalistas a fazerem
reportagens positivas do candidato Jair Bolsonaro (PSL), apoiado pelo bispo
Edir Macedo, dono da emissora, a jornalista Luciana Barcellos pediu demissão de
seu cargo de chefe de redação do Jornal da Record essa semana e, nesta
sexta-feira 26, declarou seu voto em Fernando Haddad em uma postagem nas redes
sociais.
No
texto, ela não esclarece o motivo da saída, mas afirma que Haddad não foi sua
opção no primeiro turno e que votar no candidato neste domingo "não é
assinar cheque em branco para o PT, não é isentar o PT da responsabilidade de
não ter feito a autocrítica. É defender o nosso direito de seguir em frente. E
pra nós, jornalistas, votar no Haddad é também defender o direito de exercer
livremente a profissão".
"Ninguém
é racista ou homofóbico só da boca pra fora. Ninguém defende tortura só porque
é "meio doido". Não existe fascismo "light"", critica
ainda Luciana. Em outro post, do dia 20 de outubro, ela fala sobre o pedido de
demissão, agradecendo aos colegas de trabalho. "A decisão de pedir
desligamento não foi das mais fáceis. Mas a vida às vezes exige que a gente
assuma riscos", escreve.
Nessa
mesma data, o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo denunciou pressões abusivas
que os jornalistas da Record vêm sofrendo para privilegiar a candidatura de
Bolsonaro. A entidade diz ter recebido "denúncias de vários jornalistas da
Rede Record – televisão, rádio e portal de notícias R7" e "torna
público, como exige seu dever de representação da categoria, o inconformismo
desses profissionais com as pressões inaceitáveis e descabidas em uma empresa
de comunicação".
Leia
abaixo os dois posts da jornalista e a nota do Sindicato:
Postagem de Luciana Barcellos do dia 20/10:
Me
despeço da RecordTV com um agradecimento às equipes com as quais dividi esses
últimos oito anos. A equipe guerreira do Record Notícias lá no início. Os
madrugadores dos jornais matutinos - o horário era dificil mas o time e o
trabalho, incríveis. A equipe do Cidade Alerta que é mestre em trabalhar ao
mesmo tempo com seriedade e alegria. A redação do Rio com quem vivi a
experiência profissional mais vibrante da minha vida - vou pra sempre sentir
saudade de vocês. Nesse último ano e meio, a equipe talentosa e apaixonada do
Jornal da Record com quem errei, acertei e aprendi. No meio dessa caminhada,
duas coberturas inesquecíveis com o pessoal do esporte em Guadalajara e
Londres. E diariamente, em São Paulo e no Rio, os momentos mais eletrizantes do
dia com os companheiros de switcher. A decisão de pedir desligamento não foi
das mais fáceis. Mas a vida às vezes exige que a gente assuma riscos.
Obrigada por todos os muitos e carinhosos telefonemas e mensagens dos últimos
dias. Os tempos são duros mas agradeço - mesmo - por terem me ajudado a
construir o respeito que tenho pela nossa profissão. Uma profissão da qual me
orgulho e na qual acredito. Beijos
Postagem de Luciana Barcellos desta sexta-feira 26:
O
Haddad não foi o meu candidato no primeiro turno. Mas agora o que está em jogo
aqui é maior do que nossas primeiras escolhas. É a democracia, é o que queremos
para nossos filhos, sobrinhos, netos, amigos, para todos os nossos afetos . É o
que queremos de bom também para quem a gente nem conhece pessoalmente. Ninguém
é racista ou homofóbico só da boca pra fora. Ninguém defende tortura só porque
é "meio doido". Não existe fascismo "light". Algumas
pessoas próximas e muito queridas não querem o obscurantismo mas também não se
sentem à vontade para votar no PT. Peço respeitosamente que reflitam, que
reconsiderem. Não anulem, não votem em branco, não ajudem a eleger o Bolsonaro.
Votar no Haddad não é assinar cheque em branco para o PT, não é isentar o PT da
responsabilidade de não ter feito a autocrítica. É defender o nosso direito de
seguir em frente. E pra nós, jornalistas, votar no Haddad é também defender o
direito de exercer livremente a profissão. #viravoto#haddad13
Sindicato denuncia
pressões abusivas sobre os jornalistas da Rede Record
Emissora
assedia profissionais para privilegiar candidatura de Bolsonaro
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) recebeu
denúncias de vários jornalistas da Rede Record – televisão, rádio e portal de
notícias R7 – de que estão sofrendo pressão permanente da direção da emissora
para que o noticiário beneficie o candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL)
e prejudique o candidato Fernando Haddad (PT). A entidade torna público, como
exige seu dever de representação da categoria, o inconformismo desses
profissionais com as pressões inaceitáveis e descabidas em uma empresa de
comunicação.
A
pressão interna para favorecimento do candidato do PSL tem origem no anúncio
feito em 29 de setembro passado, pelo bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do
Reino de Deus, proprietário da emissora, de que passava a apoiar Bolsonaro à
Presidência. A partir daí, o noticiário começou a dar uma guinada, ainda antes
do primeiro turno eleitoral. Um momento importante foi a entrevista com Jair
Bolsonaro levada ao ar em 4 de outubro, no mesmo momento em que sete outros
candidatos à Presidência realizavam um debate na TV Globo, com a ausência do
líder nas pesquisas.
Outras
expressões dessa virada são decisões de não colocar em rede reportagens
relevantes – exibidas em afiliadas – barradas na grade de noticiário nacional
da emissora, por avaliações de que poderiam prejudicar Bolsonaro ou ajudar
Haddad. O portal R7 também passou a ser dirigido a favor do candidato do PSL de
forma explícita: por vários dias seguidos, os destaques da rubrica
"Eleições 2018" na home se dividiam entre reportagens favoráveis a
Bolsonaro e reportagens negativas a Haddad.
As
pressões internas pela distorção do noticiário tomaram a forma de assédio a
diversos jornalistas. A tensão na redação tornou-se insuportável para alguns
profissionais. O fato já foi divulgado por sites jornalísticos.
Concessão
pública
Nesta
situação, deve-se lembrar em primeiro lugar que um canal aberto de televisão é
uma concessão pública outorgada pelo governo federal, o que se subordina às
disposições do artigo 5º da Constituição brasileira, inciso XIV, que assegura a
toda a população o acesso à informação. No contexto de uma eleição, e no âmbito
do jornalismo, isso significa o direito da sociedade a receber uma informação
precisa, bem apurada, equilibrada, que contribua para qualificar a compreensão
das propostas em jogo e dos compromissos e interesses envolvidos em cada
candidatura. Em outras palavras, o cidadão deve ter acesso a uma cobertura
eleitoral que valorize o bom jornalismo, reportando os fatos de forma correta,
independentemente do candidato envolvido. Isso vale mesmo se o veículo tiver
posicionamento político explícito, a favor de quaisquer dos candidatos, o que
não deveria interferir em sua função jornalística.
Para
balizar a atuação dos profissionais, existe o ferramental próprio da profissão,
que inclui o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, no qual o jornalista
é orientado a "divulgar os fatos e informações de interesse público"
e a não se "submeter a diretrizes contrárias à precisa apuração dos
acontecimentos e à correta divulgação da informação".
É
preciso considerar que a Rede Record é uma empresa privada, para a qual a
legislação prevê o "poder diretivo" do empregador sobre os funcionários.
Isso funciona para o conjunto das relações de trabalho, mas o jornalismo está
entre as profissões que exigem relativa autonomia por sua própria natureza
(como acontece, por exemplo, com os professores). O compromisso do profissional
com o "acesso à informação", cláusula pétrea da Constituição, deve
ser preponderante quando existe um conflito.
O
Sindicato dos Jornalistas atua para garantir as prerrogativas profissionais nas
relações de trabalho, e busca inserir nas Convenções Coletivas uma
"cláusula de consciência", que diz, resumidamente, que, em
"respeito à ética jornalística, à consciência do profissional e à
liberdade de expressão e de imprensa", o jornalista tem o direito de
"recusar a realização de reportagens que firam o Código de Ética, violem
sua consciência e contrariem a sua apuração dos fatos". Pela cláusula, o
profissional poderia ainda se opor ao uso de material produzido por ele em
reportagem coletiva (inclusive para preservar sua relação com fontes) e recusar
a associação de seu nome ou imagem a trabalho jornalístico com o qual não
queira se associar. As empresas de rádio e televisão recusam-se a aceitar esta
cláusula essencialmente democrática, deixando o terreno livre para exercer
sobre os jornalistas pressões abusivas, decorrentes de interesses privados que
contrariam o direito público à informação.
Repúdio
Em
defesa do direito à informação correta e equilibrada na cobertura das eleições,
o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo repudia as
pressões feitas pela direção da Record e exige o respeito à autonomia de
apuração e edição dos jornalistas da empresa. Em função da situação, adota
ainda as seguintes providências:
a)
respeitando a autonomia da Comissão de Ética do SJSP, reforça o pedido para que
a direção da Record endosse o "Protocolo Ético para o Segundo Turno das
Eleições 2018", enviado pela Comissão de Ética para a chefia do jornalismo
de todas as empresas de comunicação do Estado;
b)
solicita uma reunião imediata com a empresa para expressar diretamente sua posição
e reivindicar garantias de que as pressões sobre os jornalistas serão
interrompidas o quanto antes;
c)
insiste desde já com as empresas de rádio e televisão do Estado para que, nas
negociações da campanha salarial deste ano (data-base em 1º de dezembro), seja
incluída a cláusula de consciência, integrante da pauta de reivindicações;
d)
decide inserir as denúncias relativas à Rede Record no dossiê que prepara para
entregar ao Ministério Público dos Direitos Humanos sobre a violação de
garantias profissionais dos jornalistas no atual período eleitoral; e
e)
coloca-se à disposição de todos os jornalistas da emissora para fazer debates,
reuniões e adotar todas as medidas necessárias para garantir o respeito à
autonomia profissional a que todos os jornalistas, e cada um, têm direito.
São
Paulo, 19 de outubro de 2018
Direção
- Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo