Audiência no gabinete de Cármen Lúcia durou cerca de uma hora. Grevistas querem ser recebidos Foto: Comunicação da Greve de Fome |
Hylda Cavalcanti
Da RBA
Irredutível desde o início na decisão de
não pautar as ações para avaliar a constitucionalidade de prisão após
condenação em segunda instância, a presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF), ministra Cármen Lúcia, teve de passar por um
constrangimento na tarde desta terça-feira (14). A
magistrada recebeu em audiência pública um
grupo que pediu, entre outras coisas, para adiantar a tramitação dessas ações e
disse textualmente que considera o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
“preso político” e que “as eleições 2018 estarão ameaçadas, caso Lula não possa
ser candidato”.
O grupo foi
formado pelo prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel; por um dos integrantes
da greve de fome realizada desde o início do mês pela liberdade de Lula, Frei
Sérgio Görgen; pelo ator Osmar Prado; o representante do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) João Pedro Stédile; além de juristas,
intelectuais e representantes da sociedade civil.
O recado repassado
para Cármen Lúcia poderia até parecer “lugar comum” desde que foi decretada a
prisão de Lula, em abril passado. Mas as frases destacadas na audiência de hoje
nunca foram ditas de forma solene, oficialmente, durante uma audiência pública
para a magistrada que preside a mais alta Corte do país.
Ela tentou ser
diplomática mas, segundo alguns assessores do STF presentes, não conseguiu
esconder em certos momentos, o ar de desconforto.
Ao lado do ator Osmar Prado e da advogada Carol Proner, Esquivel fala sobre reunião no STF | Foto: MPA |
“Não tivemos a
intenção de constranger a ministra, mas precisávamos deixar claro nosso
entendimento de que é preciso
que o Judiciário reconheça Lula como preso político e que as eleições de 2018
estarão ameaçadas caso ele não possa ser candidato, já que está
na frente em todas as pesquisas”, afirmou Esquivel.“Viemos mostrar, também, que
esta é a visão que o mundo inteiro está tendo do Brasil, principalmente a
América Latina: a de país que vive um momento delicado desde o golpe que tirou
a então presidenta Dilma Rousseff do poder, num processo de impeachment sem
provas concretas até hoje”, acrescentou.
Horas antes, foi realizado em frente ao
STF, bem próximo do gabinete da ministra – que foi noviça na juventude e é
católica fervorosa, do tipo de não faltar à missa aos domingos – um ato
religioso “em defesa da democracia e pelo combate à fome”. Os
organizadores foram manifestantes que desde segunda-feira (13) estão chegando a
Brasília para apoiar, nesta quarta (15), o registro da candidatura de Lula no
Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Embora sem destacar sua opinião, Cármen
Lúcia – que deixa o comando do tribunal no início de setembro – tentou dar um
tom amável ao encontro, procurou mais ouvir do que se manifestar e disse, ao
final, que tinha ficado “comovida” com a audiência.
Mas, bem ao seu estilo de protelar o que
não tem interesse em julgar, tudo o que prometeu foi relatar o pedido feito
pelo grupo aos demais magistrados que integram o tribunal para que decidam
sobre a votação das ações.
Com saúde bastante frágil, o frei Sérgio
Görgen, que completa hoje 14 dias de greve de fome, não aguentou caminhar da
frente do Supremo até o local onde seria realizada a coletiva com os
jornalistas. Ele foi encaminhado, num carro, para a frente do Centro Cultural
Banco do Brasil onde descansou.
Além disso, ao contrário de reuniões com
governadores e outras autoridades, em que muitas vezes câmeras e repórteres
podem entrar para acompanhar a conversa, a audiência teve a presença de
jornalistas vetada.
Nobel para Lula
Os participantes do encontro lembraram
também do pedido para que Lula seja indicado ao prêmio Nobel da Paz. “Ele foi
um presidente que teve altos índices de popularidade e levou 36
milhões de pessoas a ter uma vida mais digna. Esperamos que isso alimente o
coração da ministra”, afirmou Esquivel.
“Viemos até aqui para destacar que é
preciso muita coragem de um homem como o Lula, denunciar a situação vivida por
ele e o fato de estar onde está. Ele poderia ter pedido para se refugiar em
algum outro país, mas preferiu ficar e ser preso para deixar clara sua
inocência e o caráter ilegal da sua condenação”, disse o ator Osmar Prado.
“No fundo, eu acho que há um grande medo
desse pessoal que trabalhou por tudo isso com o alvoroço que a população tem
feito em torno do Lula, porque todos sabem que se ele for candidato, ganhará a
eleição. Não podemos nos calar. Nosso papel é exigir que a Constituição seja
cumprida, que essa prisão seja encerrada e que amanhã a candidatura seja
registrada”, destacou Prado.
Os integrantes do grupo lembraram à
ministra que foi levada uma mensagem sobre toda esta situação ao Papa
Francisco, recentemente, e este manifestou preocupação com o Brasil.
Ressaltaram, em sequência, que além do caso de Lula, a ação do PCdoB que
questiona a constitucionalidade
da prisão de condenados em 2ª instância, prejudica mais de 150 mil presos no
país.
Advogados presentes pediram, ainda, para
ser respeitado o direito de liberdade de expressão do ex-presidente, que não
tem obtido autorização para conceder entrevistas. E afirmaram para a magistrada
que a interpretação feita por eles é de que, se existia alguma dúvida sobre o
caráter político da prisão, essa dúvida deixou de existir no início de julho.
Na ocasião, um desembargador plantonista
do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região concedeu liminar de soltura
para o ex-presidente, mas a ordem foi sobreposta por outros desembargadores e
depois pelo presidente do tribunal, por interferência do juiz federal Sergio
Moro.
O grupo entregou a Cármen Lúcia manifesto
intitulado “Eleição Sem Lula é Fraude”, com mais de 330 mil assinaturas, que
tem a adesão de personalidades brasileiras e estrangeiras e denuncia ações do
Poder Judiciário para impedir que o ex-presidente seja candidato.
Manifestantes em Brasília
Em vários lugares do Plano Piloto, da
frente da rodoviária, passando pela Esplanada dos Ministérios ao trecho em
frente ao estádio Nilson Nelson, onde muitos estão acampados, camponeses, agricultores,
integrantes do MST e manifestantes do PT estão se encontrando, vindos de
diversos estados brasileiros para o ato
de apoio, amanhã (15), ao registro da candidatura de Lula.
Distribuídos por toda a capital do país,
os grupos têm agregado estudantes e trabalhadores para as passeatas, provocado
confusão no trânsito e até situações inusitadas, dando uma prova do ambiente de
estímulo à candidatura do petista.
“Tão
bonita e tão burra”, gritou para a veterinária Ana Albuquerque um motorista,
provavelmente irritado com o tumulto provocado pelas passeatas e contrário à
caravana. “Melhor que você que é feio e golpista”, gritou de volta ela,
provocando uma reação de solidariedade das pessoas presentes, risadas e vaias
ao motorista.
Conforme
informações dos organizadores, já estão em Brasília perto de oito mil pessoas,
mas o grupo tende a ser ampliado até amanhã.
Durante
a madrugada, o líder do PT na Câmara, deputado Paulo Pimenta (RS) se reuniu à
marcha numa das rodovias, ao lado de deputados como Benedita da Silva
(RJ), Valmir Assunção (BA), Marcon (RS), João Daniel
(SE) e Leonardo Monteiro (MG). Segundo Pimenta, o movimento é uma
prova de que “nada pode parar o povo que toma as rédeas do seu destino”. “Lula
é muito mais que um líder popular”, afirmou.
Ao todo, estão em marcha, desde a última
sexta-feira, no entorno do Distrito Federal, integrantes da Coluna Tereza de
Benguela, formada por pessoas da Amazônia e do Centro-Oeste; das Ligas
Camponesas, formada por nordestinos; e da Coluna Prestes, formada por moradores
do Sul e Sudeste brasileiros.
De acordo com um dos coordenadores da
coluna Ligas Camponesas, Antonio Rodrigues, a ação, que se concentrará amanhã
na Esplanada dos Ministérios, representa
a retomada dos movimentos populares por maior democracia e pela realização de
eleições que contem com todos os representantes da população, numa
referência a Lula.
Fonte:
Sul21