Enquanto salário mínimo é abaixo do ideal no país,
diretores de empresas ganharam milhões em 2017
Santander,
Kroton, Bradesco e Vale são algumas das empresas que tiveram os
valores dos
salários de seus diretores divulgados / Agência Brasil
Enquanto o salário
mínimo brasileiro é de R$ 954, há quem receba um salário maior do que R$ 3
milhões mensalmente. É o que mostram dados da Comissão de Valores Mobiliários
(CVM) acerca dos valores estratosféricos dos salários de executivos
do alto escalão de algumas companhias brasileiras.
O
presidente do Itaú Unibanco Holding S.A, por exemplo, encabeça a lista e teve
uma remuneração anual de R$ 40,9 milhões. Em contrapartida, segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2017, metade dos trabalhadores
brasileiros teve uma renda mensal 19,5% abaixo do salário mínimo, de R$ 937,
com remuneração anual menor que R$ 12 mil.
O cargo
desses executivos podem variar conforme a empresa. A agência de viagem CVC
Brasil, ocupa o segundo lugar entre as companhias que pagam seus dirigentes com
altos salários, com remuneração anual maior que R$ 32 milhões. O Banco
Santander, a Kroton, o Bradesco, a Vale, a Oi e a Ambev são algumas outras que
estão entre as dezenas de empresas que tiveram seus valores revelados.
A
divulgação só aconteceu após uma decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da
2ª Região que derrubou liminar obtida, em 2010, pelo Instituto Brasileiro de
Executivos de Finanças (Ibef), que dava permissão para que essas empresas
omitissem os valores dos salários.
O
Instituto alegava que a divulgação dos dados permitiria a identificação dos
executivos, e, consequentemente ameaçaria a segurança e privacidade desses
profissionais. Os números correspondem à soma de todos os salários do ano,
incluindo bônus, benefícios e participação nos lucros.
Em comparação com
o salário de muitas outras categorias, por exemplo, como a dos professores, a
diferença é abissal. De acordo com a Lei 11738/08, que regulamentou o piso
salarial nacional para os profissionais da educação básica, o salário é de R$
2.455,35, para jornada de 40 horas semanais.
Na
avaliação de Rosilene Corrêa, da coordenação da Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação (CNTE), a disparidade evidencia que a educação não
está nas prioridades da sociedade.
“Vivemos
no país da injustiça, das desigualdades, é essa é uma prova concreta. Estampa
pra sociedade que modelo de país nós temos, como as profissões são vistas e em
que nível de prioridade se encontra a educação, principalmente a educação
pública”, afirma Rosilene.
Ela complementa que mesmo na rede privada, a situação está longe da
ideal."Mesmo em escolas particulares, tem uma boa parte que exploram seus
profissionais e inclusive pagam salário mínimo, dependendo do atendimento, da
localidade geográfica. Também temos uma realidade dura para as
particulares", diz Rosilene.
Apesar
do piso previsto em lei e reajustado em 2018 pelo Ministério da Educação (MEC),
Rosilene alerta que muitos estados e municípios fazem arranjos para cumprir com
o valor determinado, a partir do acúmulo de gratificações ou vencimentos.
Injustiça
social
Clemente
Ganz Lúcio, sociólogo e diretor técnico do Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), comenta que a disparidade
salarial apresentada pelos dados caracteriza uma desigualdade monumental que
acontece em diversos países.
“É uma
forma de enriquecimento que domina o mundo. Dados mostram, por exemplo, que as
maiores remunerações de executivos no mundo, que não são necessariamente os
proprietários da empresa e sim funcionários que recebem uma remuneração, giram
em torno de U$ 3 milhões, aproximadamente R$400 milhões. Esse valor que é dez
vezes a remuneração desse executivo do Itaú”, destaca Lúcio.
“Essa
desigualdade não é só perversa como é tributariamente injusta e o que nós
deveríamos ter era o contrário. Essas remunerações deveriam ser pesadamente
tributadas para que haja um desincentivo estrutural desse tipo de remuneração”,
continua o diretor do Dieese, que ressalta a urgência de uma reforma tributária
que não isente grandes fortunas via declaração de lucros e dividendos.
Clemente
define como hipócrita o discurso dos próprios executivos e de comentaristas
econômicos que se posicionam a favor da reforma da previdência, defendem o
estado mínimo e criticam o programa Bolsa Família, por exemplo, mas que
não enxergam problemas em receber salários tão exorbitantes enquanto grande
parte da população enfrenta grandes dificuldades.
Informações
da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad Contínua), divulgada pelo
IBGE em abril deste ano, reforçam a afirmação do sociólogo e mostram que o
número de pessoas em situação de extrema pobreza no país passou de 13,34
milhões em 2016 para 14,83 milhões em 2017, um aumento de 11,2%.
Ideal
Periodicamente,
o Dieese divulga o valor do salário mínimo ideal para a população brasileira,
indicado para cobrir, suficientemente, gastos de uma família de quatro pessoas,
sendo 2 adultos e 2 crianças. A última estimativa, publicada no mês de maio, é
a de que o salário mínimo deveria ser de R$ 3.747,10, número quase quatro vezes
maior do que o salário mínimo atual, de R$ 954.
Se
entre o salário real e ideal a diferença já é considerável, entre o salário de
um trabalhador comum e de um executivo é brutal.
"A
remuneração mensal do diretor do Itaú equivale, aproximadamente, a 3.500
salários mínimos. Quantos
anos um trabalhador que ganha um salário mínimo precisaria trabalhar para
conseguir acumular o trabalho mensal desse dirigente? Ele precisaria trabalhar
290 anos para poder ter a remuneração acumulada equivalente ao que o executivo
do banco ganha em um mês”, calcula Clemente.
"É
humanamente impossível um trabalhador que ganha um salário mínimo durante toda
a sua vida, conseguir receber esse montante. No
máximo, ele vai conseguir receber 10% do que ganha, no mês, o dirigente no
Itaú”, conta.
O diretor
técnico do Dieese enfatiza que se um diretor está recebendo esse tipo de
remuneração, significa que os trabalhadores sofrem com arrocho salarial. Ele
ainda reforça que a concentração de renda é “um poço impossível de ser superado
sem uma incidência do Estado do ponto de vista tributário e uma mapeação
rigorosa da sociedade”.
O
sociólogo também indica uma atuação sindical rigorosa para denunciar a
disparidade profunda entre os salários.
Artes: Wilcker Morais
Edição:
Juca Guimarães
Fonte: Brasil de Fato