Atuação do relator da Lava Jato no STF contradiz
seu passado de defesa dos direitos humanos
Edson Fachin, relator da
Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal / Foto: Lula Marques
“Apoiamos Dilma
para prosseguirmos juntos na construção de um país capaz de um crescimento
econômico que signifique desenvolvimento para todos, que preserve os bens
naturais. Um país socialmente justo que continue acelerando a inclusão social e
que consolide, soberano, sua nova posição no cenário internacional. Um país que
priorize a educação, a cultura, a sustentabilidade e a erradicação da miséria.
Um país que preserve sua dignidade reconquistada. O governo que queremos é o
governo que preservou as instituições democráticas e jamais transigiu com o
autoritarismo”.
As
palavras são do então professor da Universidade Federal do Paraná, Edson
Fachin, durante um ato de campanha para a primeira eleição de Dilma Rousseff à
presidência da República, em 2010, no Teatro da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP). Fachin havia liderado um grupo de juristas que
apoiaram a candidatura petista.
Na
época, o jurista era autor de importantes defesas na garantia dos direitos
humanos. Em 2008, ele assinou um manifesto de apoio ao Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no qual afirmava que as ocupações de
terras eram "atos legítimos" de caráter reivindicatório, como
lembra Ney Strozake, advogado do movimento.
“Eu o
conheci por força da militância no MST, na área dos direitos humanos, por volta
de 1994, 1995. Ele sempre foi muito amigo do MST, escreveu alguns livros sobre
a questão agrária e a função social da terra, defendendo sempre que a posse em
razão da atividade agrícola deve se sobrepor à propriedade como direito”.
Em
2015, Fachin foi nomeado pela então presidenta Dilma para a vaga no Supremo
Tribunal Federal (STF), aberta depois da aposentadoria voluntária do ministro
Joaquim Barbosa.
“Eu
pessoalmente não o conhecia. Conhecia a reputação que ele tinha, uma pessoa
vinculada aos movimentos sociais, à igreja, e tinha, nesse sentido, muita gente
que gostava muito dele. E ao mesmo tempo, sabíamos que ele tinha um enorme know-how acadêmico,
uma ação de defesa dos movimentos sociais. De modo que quando ele foi indicado,
ele teve muito apoio de pessoas que achavam que ele ia ser uma voz importante
dentro do Supremo”, destaca o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão.
A
relação de Fachin com os movimentos sociais, principalmente aqueles ligados à
disputa pela terra, gerou, na época, forte resistência de setores políticos do
Congresso Nacional. A sabatina que aprovou a indicação de Fachin à posição de
ministro durou mais de 12 horas e foi considerada uma das mais difíceis, devido
à forte oposição dos ruralistas e da bancada evangélica.
Hoje,
Aragão se diz surpreso pela atuação de Fachin à frente da relatoria dos
processos da Operação Lava Jato no STF. “É assustador. Isso ninguém podia
imaginar. A atuação dele me surpreendeu muito. Até hoje eu continuo sem
entender certas posições, que não condizem com o passado dele”, opina.
Para
Strozake, as contradições de Fachin têm origem numa articulação entre
Ministério Público, Poder Judiciário e meios de comunicação para definir, sem
passar pelo voto popular, os rumos da política no país.
“A
partir das mobilizações da direita no mês de junho de 2013, quando os Estados
Unidos e outros países injetaram muito dinheiro para viabilizar as
organizações, especialmente o MBL, e eles conseguiram levar, via Rede Globo,
muita gente para as ruas, se iniciou um processo de convencimento das
autoridades de estado, especialmente do Poder Judiciário. Eles criaram uma
teoria, uma construção de interpretação que vai no sentido de que o Ministério
Público Federal e o Poder Judiciário, aliados aos meios de comunicação, podem
mudar o país”.
Entre a garantia de direitos e
a punição a todo custo
Strozake,
que acompanhou de perto a contundente defesa de Fachin aos direitos
fundamentais, considera "vergonhosa" sua atuação no STF, baseada em
um punitivismo deliberado, sob a máscara do combate à corrupção.
“O
Fachin e todos que votaram pelo fim da presunção da inocência são
carcereiros do STF. Não é o papel do STF mandar prender ou soltar. E o Fachin
se apodera desse papel de forma vergonhosa. Ele é o carcereiro da Lava Jato e
do STF. O que é uma vergonha, maior ainda para uma pessoa que defendia os
direitos humanos”, disse.
Mas há
que se dizer que a posição de Fachin, embora tenha ganhado força na corte
suprema, sofre resistência de alguns ministros. Na última sexta-feira (22), em
entrevista à emissora de TV portuguesa RTP, o ministro Marco Aurélio Mello,
vice-decano da corte, afirmou que a prisão do ex-presidente Lula, após
condenação em segunda instância, "viola a Constituição brasileira".
Mello é
um dos ministros com posições consideradas garantistas dentro do STF, mas ele
pertence à primeira turma, ou seja, só participa dos debates envolvendo a
Operação Lava Jato, caso eles sejam levados ao plenário.
“Eu não
concebo, tendo em conta a minha formação jurídica, tendo em conta a minha
experiência judicante, eu não concebo essa espécie de execução”, reforçou
Mello, durante a entrevista.
Para
Eugênio Aragão, a posição do ministro Marco Aurélio representa uma resistência
ao punitivismo predominante na máxima corte do país.
“Há
duas frentes dentro do STF. Uma que é mais garantista e uma outra mais
punitivista, na linha do que o Ministério Público tem conseguido explorar. E o
ministro Marco Aurélio tem sido, principalmente na primeira turma, um estranho
no ninho lá dentro”.
Ainda
durante a entrevista ao canal português, o ministro Marco Aurélio atribui a
manutenção da ilegalidade à negativa reiterada da presidente da corte, a
ministra Cármen Lúcia, de levar ao plenário duas Ações Diretas de
Constitucionalidade (ADCs), que questionam a antecipação do cumprimento da
pena, em face ao princípio da presunção da inocência, e das quais Mello é
relator.
Fonte: Brasil de
Fato