Moreira Mariz |
Em um longo estudo, "Elementos de Macroeconomia para
Análise da Crise Brasileira", o senador Roberto Requião (MDB-PR) expõe e
estraçalha, um por um, os argumentos dos condutores da política econômica do
atual governo e acrescenta: "A propósito, o Brasil estava em situação de
virtual pleno-emprego em 2014, antes do golpe. E em 2014 estava em vigor toda a
formalidade do trabalho e da Previdência que veio posteriormente a ser atacada
em nome do restabelecimento da confiança"
Paraná 247 - Em um longo estudo, intitulado "Elementos de
Macroeconomia para Análise da Crise Brasileira" , o senador Roberto
Requião (MDB-PR) expõe e estraçalha, um por um, os argumentos dos condutores da
política econômica do atual governo e, de resto, as orientações do FMI, do
Banco Mundial e do Banco Central Europeu.
Segundo o
parlamentar, o abandono de uma visão keynesiana da crise, hoje, no Brasil e no
mundo, leva a humanidade a sacrifícios absolutamente desnecessários, tudo em
nome do deus dinheiro.
Requião
chama a sociedade brasileira para debater as saídas da nossa grave crise.
"A propósito, o Brasil estava em situação de virtual pleno-emprego em
2014, antes do golpe. E em 2014 estava em vigor toda a formalidade do trabalho
e da Previdência que veio posteriormente a ser atacada em nome do
restabelecimento da confiança", continuou.
"Para
encerrar com um conceito keynesiano, convém considerar que nenhum empresário
investe sem perspectiva de que vai vender seus produtos. Para isso, tem que ter
demanda. Para isso, numa recessão, o único ente capaz de investir antes de ter
demanda é o setor público. O resto é pura mistificação", acrescentou.
Confira o discurso:
Houve
um momento a partir dos anos 70 e 80 em que os acadêmicos da corrente principal
dos economistas, assim como os políticos que eram orientados por eles, passaram
a considerar a macroeconomia uma abordagem ultrapassada das questões
econômicas.
Não
eram mais os grandes fluxos agregados da atividade econômica humana o foco de
interesse, mas a ação ou omissão do indivíduo. A partir da psicologia e da
racionalidade do consumidor e do investidor individual tudo poderia ser
inferido em termos macro, o que abriu as portas para a retomada do
individualismo do início do século XX na forma, agora, de neoliberalismo.
Pretendeu-se
sepultar a teoria macroeconômica keynesiana. Esta insistia em permanecer no
centro das atenções porque a contabilidade pública em praticamente todos os
países civilizados baseia-se nas categorias fundamentais de Keynes (1).
Mais
importante que isso.
São as
categorias fundamentais de Keynes os instrumentos que governam os processos de
intervenção econômica quando se instaura uma situação de recessão prolongada ou
de depressão. Não só isso.
É a
economia keynesiana que pode reverter, no curto prazo, o inexorável ciclo
depressivo na economia capitalista, reconhecido desde Marx (2).
Pode-se
considerar que Marx, numa perspectiva revolucionária, identificou com rigor
científico a natureza dos ciclos econômicos, prevendo com isso a autodestruição
do capitalismo, enquanto Keynes, numa perspectiva socialista não radical, se
propôs a regularizar o ciclo mediante os recursos da macroeconomia.
Isso se
deu, nos anos 30 do século passado, seja pela teoria keynesiana, seja sobretudo
na prática do presidente Franklin Roosevelt, com o New Deal – replicado na
Alemanha com o Novo Plano de Hjalmar Schacht- e significou a salvação do
capitalismo americano e alemão.
Abriu-se,
assim, um longo período de prosperidade imediatamente antes e especialmente no
após a segunda guerra.
De
fato, políticas keynesianas de estímulo do crescimento econômico dominaram o
ocidente ao longo de todo quarto de século do pós-guerra, conhecido como os
anos de ouro do capitalismo.
O
Brasil se beneficiou dessa onda especialmente com as políticas progressistas de
Getúlio Vargas e sua notável equipe de assessores desenvolvimentistas;
políticas, registre-se, que antecederam a Keynes, como a defesa do preço do
café.
Jogando
com extrema sabedoria no xadrez geopolítico mundial, ele arrancou dos Estados
Unidos, em troca da cessão da base aérea do Rio Grande do Norte durante a
guerra, apoio para construção da Cia Siderúrgica Nacional. Criou também a
Eletrobrás e a Petrobrás e, para dar suporte ao investimento em infraestrutura,
o BNDES.
Foram
todas iniciativas vitais, estruturantes da economia. Só mesmo um alienado da
política real como Fernando Henrique Cardoso poderia falar em enterrar a Era
Vargas, assim como também quer o governo Temer, a não ser que isso signifique
também enterrar toda a economia.
Duas
décadas de governos militares no Brasil possibilitaram a continuidade de
avanços na infraestrutura, na indústria básica, na indústria bélica e no
conceito de desenvolvimento de empresas tripartites – estatal, nacional privada
e estrangeira privada -, porém a partir sobretudo de financiamento externo.
Em
consequência, além de dois choques do petróleo (3), o país teve que suportar o
choque da dívida externa no início dos anos 80. Quase a totalidade do
investimento da infraestrutura, de ferrovias a hidrelétricas, inclusive Itaipu,
havia sido feito com financiamento norte-americano e europeu a taxas de juros
flutuantes.
Nessa
situação financeira altamente vulnerável o banco central norte-americano fez
explodirem as taxas de juros internacionais para níveis impagáveis, criando um
imenso joelho de juros a serem pagos pelos devedores, inclusive o Brasil (4).
A crise
não era só brasileira, mas de toda a América Latina endividada. E todos fomos
colocados sob o tacão do FMI que passou a ditar a política econômica do
continente.
A crise
só seria amainada mais de dez anos depois de sua eclosão, no marco do chamado
Plano Brady, um esquema que possibilitou seu deságio parcial sob estímulo do
governo norte-americano e com a concordância dos próprios bancos credores.
A
drenagem de recursos para o exterior continuou, porém sem acesso a dinheiro
novo. Bloqueado pelo lado externo, e incapaz de formular uma política
fiscal-monetária autônoma pelo lado interno, o país não conseguiu, e certamente
não queria no governo Fernando Henrique viabilizar um programa keynesiano que
viesse a se contrapor às regras draconianas do Fundo.
Ao
contrário, FHC aderiu firmemente ao neoliberalismo, com o efeito de uma
performance econômica medíocre. E tornamo-nos sócios da recessão, e do baixo
crescimento.
É verdade
que a inflação foi parcialmente domada a partir de 1994.
Mas,
volta ameaçadora no fim da década, depois que foi abandonada a política de
âncora cambial adotada para controlá-la na primeira fase do governo
fernandista.
Paralelamente
o tucano empreendeu um programa de privatizações altamente controverso que
consistiu em vender empresas como Telebrás, Embratel e a mais simbólica delas,
a Vale do Rio Doce.
De
forma similar ao Governo Collor, o país desfazia-se de patrimônio público sem
contrapartida de construção de ativos novos. Era um negócio para bancos e
financistas, e não para empresários.
Depois
que o país pagou sua dívida junto ao FMI no Governo Lula, não havia mais motivo
para resistirmos a adotar uma política de matriz keynesiana de desenvolvimento.
A
resistência anterior resultava primordialmente da pressão por parte da banca e
dos interesses financeiros externos e internos, racionalizada pelo Consenso de
Washington e, mais amplamente, pela doutrina neoliberal.
O
Governo Lula escapou parcialmente dessas restrições, no primeiro mandato, tendo
em vista uma performance espetacular do lado externo em consequência da
explosão de quantidades e preços de commodities minerais e agrícolas vendidas
para a China.
É
preciso reconhecer, contudo, que nem todo o espaço aberto para a retomada de
uma taxa alta de crescimento econômico foi preenchido logo no início do Governo
Lula. As restrições neoliberais foram mantidas na forma de decisões de política
fiscal e monetária de Antônio Palocci, como ministro da Fazenda, e de Henrique
Meirelles, na presidência do Banco Central.
Critiquei
pessoalmente essas políticas em seu próprio tempo.
De
qualquer modo, sabiamente, o presidente Lula, cujo foco bem-sucedido e
mundialmente aplaudido era a campanha contra a fome, vetou a adesão ao acordo
da ALCA, a despeito de fortes pressões americanas e do seu próprio Ministro da
Fazenda.
Recorri
a esse breve histórico sobre a economia política brasileira para tentar
responder a uma única questão que está explícita no título da palestra que me
foi proposta: o que deve se entender por neoliberalismo e o que se entende por
uma política keynesiana progressista, nos marcos da macroeconomia (5).
Afinal,
se tivemos, ao longo do pós-guerra, os chamados 25 anos de ouro do capitalismo,
sintetizado num longo consenso entre economistas e políticos em torno de
políticas econômicas de grande sucesso, o que aconteceu para que esse consenso
fosse rompido, transformando-se em dissenso responsável pela longa estagnação
ou recessão dos anos 80 para cá?
Vou focar
numa situação concreta: a crise internacional de 2008 no ocidente e suas
consequências ideológicas e práticas. Com a quebra do banco de investimento
Lehman Brothers, nos Estados Unidos, a crise eclodiu como um rastilho de
pólvora nos mercados financeiros americanos e europeus.
Diante
do colapso sem precedentes das economias ocidentais, fomentado pela
globalização financeira, foi convocada uma reunião do G-20 em Washington para
discutir nada menos do que a salvação do sistema capitalista. Recomendação comum
foi acertada: todos deveriam recorrer a políticas de expansão fiscal e
monetária como forma de reforçar a demanda global e a atividade econômica.
Isso é
macroeconomia keynesiana pura!
O então
presidente francês, Sarkozy, um neoliberal, saiu do encontro proclamando que
todos agora eram keynesianos.
No
início de 2009 realizou-se outra reunião do G-20, com o mesmo objetivo, dessa
vez em Londres. O mesmo consenso se reproduziu: recomendação de fortes
políticas fiscais e monetárias expansionistas para sustentar a retomada de
economias ainda frágeis.
Entretanto,
em 2010, a reunião se realizaria em Toronto no Canadá. De forma surpreendente,
os dirigentes da França e da Inglaterra se submeteram aos neoliberais ortodoxos
da Alemanha.
E
ditaram para toda a Europa, em especial para os países do euro, uma política
fiscal-monetária de cunho surpreendentemente restritivo, dado que a recuperação
parecia longe de estar firme.
Os
Estados Unidos, menos ideológicos, ficaram firmes em seu compromisso
expansionista: mantiveram déficits fiscais anuais de mais de um trilhão de
dólares até 2013.
Com
isso forçaram a redução do desemprego no mercado de trabalho, que começou a
cair no país.
O
Brasil acompanhou o consenso expansionista inicial. O Tesouro liberou 200
bilhões de reais para o BNDES, em dois anos, como forte estímulo à tomada de
investimentos pelo setor privado.
Foram
reduzidos impostos e aumentado o salário mínimo, tudo no sentido de favorecer o
aumento da demanda agregada. Foi uma política keynesiana sem ser dita.
E o
resultado foi simplesmente espetacular: em 2010 a economia cresceu nada menos
que 7,5%, isso em plena recessão internacional, a qual seguia seu curso
principalmente na Europa.
Mas, em
seguida, por pressão da banca, o país abandonou a política expansionista, e o
PIB começou a cair.
O
programa neoliberal alemão imposto ao resto da Europa pela troika – FMI, Banco
Central Europeu e Comissão Europeia - tem em vista principalmente proteger a
saúde financeira dos seus bancos e não a retomada do crescimento.
E ela
ignora ainda fatores como desemprego e desenvolvimento.
Essa
política é acompanhada pela França, com preocupação similar, e, com menos
fervor, pela Inglaterra.
As
razões são compreensíveis: no caso da França, porque seus bancos são também
grandes credores da área do euro.
Já a
Inglaterra, fora da área do euro, tem maior liberdade de escolha de suas
políticas econômicas tanto pelo lado monetário quanto fiscal.
Para
ser eleito François Hollande prometeu enfrentar a crise econômica francesa
mediante a retomada dos investimentos públicos. No Governo, ele foi um
fracasso, pois submeteu-se à política alemã.
Hollande
não teve condições ou coragem de acompanhar a política norte-americana de
financiar o investimento deficitariamente.
É
importante assinalar, no caso alemão, as razões de seu espetacular sucesso na
saída da crise e na continuidade de seu desempenho a despeito de políticas
fiscal e monetárias restritivas.
Num
certo sentido, a Alemanha vampiriza a Europa desde a criação do euro. Tendo
sido o marco, sua moeda nacional, a mais forte do continente até o acordo da
moeda única, ao fundir-se com as demais moedas da região ganhou o prêmio de uma
desvalorização monetária efetiva.
É que,
em comparação com as moedas antigas, o euro veio a situar-se no ponto médio.
Com
isso, o país ganhou imensas vantagens competitivas comerciais no mercado
internacional e nacional, de sorte que mais de 40% das exportações alemãs se
destinam para a área do euro, e em proporção ainda maior quando se considera o
resto da Europa.
Há uma
lenda que atribui o sucesso alemão à qualificação da mão de obra, à alta
tecnologia e à disciplina do trabalhador.
Pode
ser verdade, em parte, mas a razão fundamental no contexto da atual crise
mundial é o mencionado fator de desvalorização monetária. Gerando imenso
superávit comercial, segundo ou terceiro do mundo, esse processo tem
consequências macroeconômicas expansivas de forma alguma irrelevantes. Trata-se
do efeito monetário interno do superávit comercial.
Ao ser
internalizado o superávit torna-se uma força expansiva de caráter monetário.
Esse é um fator crucial no desenvolvimento dos países. Só tem um problema: por
uma fatalidade aritmética, nem todos os países podem fazer superávit comercial
ao mesmo tempo.
Em
termos ideológicos, a crise de 2008, que ainda se arrasta em muitos países,
inclusive o Brasil, curiosamente reforçou a doutrina neoliberal e fez mergulhar
a maior parte da Europa continental em estagnação, justamente num momento em
que mais se precisava de Keynes.
Países
como Grécia, Espanha e Itália se deixaram estrangular pelas doutrinas
neoliberais a despeito, em alguns casos, do posicionamento oposto de seu
eleitorado. Isso mostra como é impressionante a força das ideias quando vem
ancorada em interesses pesados, sobretudo do capital financeiro especulativo.
De
fato, a essência do Consenso de Washington, direcionado inicialmente para
países em desenvolvimento, passou a aplicar-se também aos desenvolvidos
afetados pela crise financeira. Portugal foi o único país da área do euro que
rompeu abertamente com o Consenso arbitrado pela troika: está se recuperando!
A
avalanche neoliberal chegou ao Brasil num momento em que tínhamos todas as
condições para a retomada do desenvolvimento a altas taxas por nossos próprios
meios.
Temos
uma altíssima posição em reservas internacionais do tipo que se construiu nos
países asiáticos depois da crise financeira de 1997, que os atingiu
frontalmente.
Essas
reservas nos garantiriam, caso o quiséssemos, financiar a parte dos
investimentos em tecnologia e equipamentos que fossem necessários para uma
arrancada de crescimento, dessa vez sem dependência da banca internacional.
Desgraçadamente, nossas reservas tornaram-se inúteis do ponto de vista do
desenvolvimento. Estão na vitrina. Ninguém usa.
Temos
superávit comercial em commodities agrícolas e minerais. Num certo sentido é
bom que seja assim pois o atual Governo pode desbaratá-las sem maiores
propósitos desenvolvimentistas. Perdemos no governo Collor uma das âncoras do
desenvolvimento, a siderurgia estatal; agora estamos vendendo a âncora da
energia.
É o
desenvolvimento sendo feito às avessas! (6)
Aquilo
a que se deu o nome de "Ponte paras o Futuro" é o compromisso mais
radical com o retrocesso econômico jamais feito no país.
Em
essência, trata-se de reduzir ao máximo o espaço público na economia e na
sociedade para expandir o espaço de exploração privada.
A esse
objetivo se sujeitam todos os principais objetivos do Governo Temer,
notadamente o da destruição da Consolidação das Leis do Trabalho, liquidando
direitos civilizatórios que recuam a mais de 60 anos.
Empresas
estratégicas da área de energia estão sendo listadas para venda - a Petrobrás,
já privatizada de forma fatiada, e a Eletrobrás, que se pretende alienar em
bloco.
O
Governo autorizou a venda de terras de forma ilimitada, vendeu blocos do
pré-sal a preço vil, perdoou por antecipação um trilhão de dólares em impostos
das petrolíferas, abriu mão da soberania sobre Alcântara e chegou à audácia de
afrouxar as restrições paras o trabalho escravo.
Entretanto,
esses assaltos patrimoniais em favor da banca privada poderão ser reversíveis
na perspectiva de um governo nacionalista, através da convocação de um
referendo revogatório.
O que
se revela assustador, porém, para o curto prazo, é a política macroeconômica em
curso.
O
Governo fez aprovar por um Congresso alienado ou mesmo desonesto meios de
política econômica que, se não forem revertidos, cristalizam na estrutura do
poder governamental instrumentos perenes de contração fiscal, incompatíveis com
qualquer política de retomada do crescimento.
O caso
paradigmático é a emenda constitucional 95.
Essa
excrescência pretende congelar por 20 anos o orçamento primário. Trata-se do
recurso mais extremo a que chega o neoliberalismo.
É importante
notar que esse artifício legal possibilita o engessamento financeiro de todo o
setor público para investimentos. Incluindo estados e municípios, tendo em
vista o papel de centralização de recursos orçamentários pelo Governo federal
na Federação.
Como
consequência, estamos diante da eliminação efetiva da macroeconomia como
instrumento de desenvolvimento econômico. É o domínio absoluto do
neoliberalismo, numa escala jamais vista em qualquer país do mundo.
E só
está sendo possível no Brasil por causa do golpe de Estado contra Dilma
Rousseff.
Em
qualquer outra hipótese, o Governo pensaria duas vezes antes de editar medidas
tão contrárias ao interesse público.
O mais
extravagante nessa política é que ela se dá num momento de extrema contração da
economia brasileira.
A
exemplo do que aconteceu nos Estados Unidos e na Alemanha do início dos anos 30
do século passado, a radicalização de políticas ortodoxas, de direita, ou
simplesmente liberais, foi implementada com total descaso em relação a suas
consequências econômicas e sociais.
As
taxas de desemprego, nesses dois países, chegaram a um quarto da população
ativa.
Nos
Estados Unidos generalizaram-se as chamadas "Hoover Villes", favelas
feitas de papelão em torno das grandes metrópoles, espalhando-se por várias
partes do país, já o primeiro do mundo, as filas de sopas para desempregados
famintos.
Na
Alemanha, o recém-indicado chanceler Brunning enfrentou a crise de um modo não
muito diferente de Meirelles.
Brunning
cortou pela metade o orçamento primário em 1930, e, novamente pela metade, o de
1931, despedindo grandes massas de funcionários públicos. Quando entrou, havia
12 deputados nazistas no Parlamento; no ano seguinte, 107; no outro ano, mais
de 200, dando a maioria relativa que viabilizou o poder de Hitler. Este era um
demagogo facínora, mas politicamente sábio.
Hitler
entregou a economia ao mago Hjalmar Schacht, que montou um esquema que se pode
dizer keynesiano antes de Keynes, mobilizando grandes investimentos
deficitários, tirando a Alemanha do chão e lançando-a como grande potência
econômica e militar, ao ponto de desafiar o mundo.
Roosevelt,
sem necessariamente ter lido carta que Keynes enviou para ele, sugerindo uma
política antirrecessão, também partiu para uma vigorosa política de
relançamento da economia em 1933 a fim de enfrentar sobretudo o alto
desemprego. Seguiu o conselho intuitivo de Henry Ford: chamado a receber uma
homenagem na Casa Branca, Ford a recusou.
Surpreso
o presidente quis saber por quê. Ford explicou que na base de corte de salários
e de investimentos a economia continuaria capotando.
O
presidente então lhe pediu um conselho, e Ford completou: Reduza a jornada de
trabalho e aumente o salário mínimo que as pessoas poderão voltar a comprar,
estimulando os investimentos. Foi o que aconteceu.
Que
grande pesar não termos um Ford! Os nossos empresários, ao contrário, querem
escravizar o trabalhador, tirar-lhe o sangue, torná-lo indigente. Vi muitos
deles e seus assessores nos corredores do Congresso para cabalar votos para a
chamada reforma trabalhista do Temer. Tiveram sucesso porque convenceram pela
demagogia abstrata.
Voltarão
lá, certamente, em algum momento, para promover a reforma previdenciária,
embora neste caso é provável que enfrentem maiores resistências: ainda somos
uma democracia formal, pelo que congressistas precisam dos votos dos
beneficiários concretos da Previdência para se reelegerem.
Temer
pode comprar muitos, mas não todos.
Não
estamos diante de erros de política econômica. Pensar que Temer e seus acólitos
do Planalto estão errados na condução do país é um grande equívoco. Eles sabem
muito bem o que querem.
Grande
parte das reformas neoliberais no mundo ficou empacada a meio caminho devido a
oposição dos cidadãos.
O
Brasil é o primeiro grande país no mundo em que as estruturas neoliberais podem
ser implantadas sem resistência institucional efetiva, já que o Congresso
comprado para o impeachment se tornou o Congresso automaticamente comprado
também para as reformas – a despeito da possível exceção da Previdência.
A
importância do experimento neoliberal brasileiro é funcional do capitalismo.
Todos os analistas independentes têm identificado uma queda tendencial da taxa
de lucro produtivo nas economias avançadas. Em parte, isso se deve à parcela
gigantesca da mais-valia apropriada pelo capital financeiro.
Outra
parte são os impostos aplicados no financiamento das sociedades de bem-estar
social.
Em
consequência, países como o Brasil onde as políticas sociais são ainda frágeis,
e as instituições em defesa do trabalho e da Previdência são vulneráveis,
tornam-se alvos preferenciais dos ataques neoliberais.
Ingênuos
os que pensam que o Governo Temer, ou qualquer neoliberal que o suceder, tem
uma política de desenvolvimento. Não falo em projeto nacional, em defesa de
soberania. Falo simplesmente em crescimento econômico. Esse termo só é
mencionado por este Governo quando saem as estatísticas do IBGE sobre a
evolução do PIB.
Então,
o Governo manipula os dados. Se for um índice negativo, projeta automaticamente
uma melhora para frente. Se for um ponto positivo, como agora, é interpretado
como retomada. Esquece-se de dizer, nesse caso, que a economia se contraiu em
7,6 pontos em 2015 e 2016, e o pífio crescimento de 2017 não significa nada,
pois está longe de recolocar a economia nível de 2014.
De
fato, a economia já encolheu 0.56 por cento, em janeiro último.
O
Governo não pode falar em retomada do crescimento porque isso contraria os seus
objetivos de fazer uma política de terra arrasada, facilitando privatizações e
as políticas impopulares.
É capaz
de fazer um déficit público de 159 bilhões de reais, como no ano passado,
exclusivamente para doar esse dinheiro à banca. Sem destinar absolutamente nada
ao gasto público produtivo ou de bem-estar social.
Na
política macroeconômica de Keynes, em situação de grande contração da economia,
o investimento deficitário do Governo é o principal instrumento de retomada. Na
economia de Meirelles, o déficit serve exclusivamente à banca, que apenas
acumula dinheiro, sem investir.
O que
pretendem os neoliberais? Se abrimos os códigos, podemos concluir que seu
objetivo é esmagar completamente as classes não proprietárias e escravizá-las
num ambiente mundial sem solidariedade, desigual, de renda concentrada, sem
amor ao próximo.
Um
ambiente dominado por Mamon, o dinheiro, como condena o Papa Francisco.
Um
ambiente em que os mais fracos podem ser dominados facilmente pelas polícias e
pelos exércitos tendo em vista a alta tecnologia de matar disponível para essas
forças, sem contrapartida no plano popular.
É um
ambiente de estímulo à luta revolucionária, como a do início do século XX, sem
grande preocupação por suas consequências. Porque os ricos pagam quem luta por
eles.
A
alternativa óbvia é a política keynesiana. Investimento deficitário do governo
(7), aumento dos salários, redução da jornada de trabalho, gastos públicos nas
áreas de infraestrutura e de bem-estar social. Não há segredo nisso.
Alguns
críticos ideológicos dizem que as políticas de expansão de demanda no início
dos anos 30 foram pouco eficazes. É falso. No caso da Alemanha, com o título
MEFO criado por Scharcht, o resultado positivo foi indiscutível, embora para
desgraça mundial.
Nos
Estados Unidos, basta observar o desempenho da economia para tirar uma
conclusão. De uma contração de 12,9% em 1932, a economia passou, no ano do New
Deal, 1933, a menos 1,3%; depois, a um aumento de 10,8% em 1934; depois, a 8,9%
e 12,9% em 1935 e 1936.
Não vou
dar outros números para não cansar ninguém com estatísticas, mas foram
positivos até a guerra, e sobretudo durante e depois dela.
Agora,
compare isso ao falso crescimento do ano passado do Governo Temer: estamos na
rabeira do mundo, sem perspectiva a não ser vencer as eleições deste ano!
A banca
e seus fâmulos, grandes beneficiários dos déficits públicos não produtivos,
sustentam que o investimento deficitário gera inflação. É absolutamente falso.
E a prova disso é o comportamento da economia brasileira no ano passado.
A
despeito de um déficit gigantesco para o montante da economia, tivemos deflação
ao longo de todo o ano passado.
O
argumento deles vai além: se o déficit for resultado de gastos reais, isto é,
em bem-estar coletivo e em infraestrutura, aí, sim, provoca inflação.
De
novo, é falso.
Inflação
só raramente é um fenômeno monetário.
Inflação
corresponde a uma alta média de preços quando há uma pressão forte da demanda.
Ora, estamos numa recessão prolongada. Com o alto desemprego e a queda da renda
generalizada, a inflação tende inexoravelmente a cair. E cairia mais se não
mantivéssemos, sem justificativa, uma economia em parte ainda indexada.
Há um
aspecto final a considerar. Como os neoliberais e seus fâmulos na imprensa
"vendem" à população as perspectivas futuras da economia?
Sim,
porque a realidade vai se impor cedo ou tarde, e terão que dar alguma
explicação para o fracasso óbvio no terreno principalmente do emprego que não
diz respeito apenas ao emprego formal, mas também ao informal.
Para
isso, existe uma saída cínica, e de uso generalizado não só pelo Governo, mas
também pela grande mídia: foi criado um ente de razão chamado
"confiança" que explica tudo. Se a economia vai mal, é porque o
empresariado não tem confiança nas reformas estruturais, sendo que, no momento,
a reforma estrutural-chave é a reforma da Previdência.
Com
isso, o fracasso passa a ser do "outro", o produtor de confiança, não
do Governo.
Claro
que é um embuste, a essência do cinismo.
Não
conheço um único empresário que deixaria de investir por causa da reforma
previdenciária, a não serem os abutres que querem simplesmente privatizar o
sistema previdenciário.
A
propósito, o Brasil estava em situação de virtual pleno-emprego em 2014, antes
do golpe.
E em
2014 estava em vigor toda a formalidade do trabalho e da Previdência que veio
posteriormente a ser atacada em nome do restabelecimento da confiança.
Para
encerrar com um conceito keynesiano, convém considerar que nenhum empresário
investe sem perspectiva de que vai vender seus produtos. Para isso, tem que ter
demanda. Para isso, numa recessão, o único ente capaz de investir antes de ter
demanda é o setor público. O resto é pura mistificação.
Notas:
(1) De
acordo com as categorias keynesianas, adotadas pela ONU, o PIB(Produto Interno
Bruto) é igual a C(Consumo) + I (Investimento) + G (Gasto Governamental) + X (Exportação)
– M (Importação).
É o
conceito do produto sob a ótica do gasto.
(2)
Ciclos é o processo recorrente de expansão e retração característico do
capitalismo.
(3)
Triplicação dos preços do petróleo em 1973 pela OPEP e alta expressiva também
em 1979
(4) A
taxa de juros de empréstimos internacionais beirou 30% no início dos anos 80 do
século passado.
(5) O
neoliberalismo se caracteriza por políticas monetárias e fiscais restritivas
com foco principal na proteção ao lucro do sistema bancário, privatização de
patrimônios públicos, restrição ao estado de bem-estar social e liberação
cambial. Em termos brasileiros, seria o tripé macroeconômico tão valorizado por
alguns políticos mal informados sobre desenvolvimento.
Uma
política progressista consiste principalmente na ampliação do investimento
público, mesmo deficitário, nas recessões, e estabilização orçamentária na
expansão.
(6) O
Acordo do Carvão e do Aço foi a base do desenvolvimento europeu a partir dos
anos 50 do século passado.
(7) O
déficit público é virtuoso quando resulta de investimento público em
infraestrutura e bem-estar social em períodos de recessão, induzindo a retomada
do PIB e da receita tributária. Na verdade, se o déficit fosse sempre mau não
deveria existir dívida pública em países "responsáveis" como Estados
Unidos, Japão, Itália e Alemanha, com dívidas superiores a 80%.
E, no
caso japonês, de mais de 200% do PIB.