Publicado na CartaCapital
POR ANDRÉ BARROCAL
No fim de 2017, o
presidenciável da extrema-direita Jair Bolsonaro (PSL-RJ) anunciou
que seu ministro da Fazenda seria o economista liberal Paulo Guedes. O
escolhido até já preparou um programa econômico para o deputado. Agora o
casamento corre o risco de terminar ainda nas núpcias, caso Bolsonaro queira
mesmo pregar na eleição que é o concorrente mais honesto.
A recente operação contra uma enorme
rede de doleiros, um desdobramento da Lava Jato, atingiu uma empresa da qual
Guedes é sócio, o grupo Bozano, do mercado financeiro. Um dos alvos das mais de
40 prisões preventivas decretadas pelo juiz Marcelo Bretas em 2 de maio foi um
diretor do Bozano, Oswaldo Prado Sanches, que tentou e não conseguiu um habeas corpus contra a prisão.
O principal papel de Sanches no esquema seria arrumar dólares, via
Bozano. De 2011 a 2016, o grupo teria providenciado 15,5 milhões para a rede de
doleiros, principalmente através de uma conta mantida em Nova York no banco
Morgan Stanley.
O pagamento em reais
seria recebido pelo Bozano, em dinheiro vivo, em alguns endereços no Rio de
Janeiro. Por exemplo: na rua Visconde de Ouro Preto, número 5, 10o andar, no bairro de Botafogo. Este
é o endereço indicado à Receita Federal pela Companhia Bozano, aberta em 1972 e
tida como ativa pelo “leão” desde 2005.
O modus operandi com Sanches e o grupo
Bozano foi descrito por dois doleiros convertidos em delatores, Vinicius
Claret, o Juca Bala, e Claudio Barboza, conhecido por Tony. Foram as delações
da dupla que desencadearam a operação “Câmbio, Desligo”, a da prisão de uma
penca de doleiros.
Juca e Tony contaram
que faziam negócios com o grupo Bozano desde os anos 1990. Juca descreveu a
empresa como “grande cliente”. Nas 423 páginas apresentadas a Bretas pelo
Ministério Público Federal (MPF) com o pedido de prisões, a expressão “grande
cliente” aparece duas vezes apenas: uma para se referir ao Bozano, outra para
descrever dois doleiros parceiros dos delatores.
Uma pessoa que
trabalhava para Juca e Tony na função de “carregador de mala” de grana e também
virou delator, Carlos José Alves Rigaud, confirma parte da história sobre as
relações com o Bozano e Sanches. Rigaud disse ter entregue dinheiro vivo na
Avenida Rio Branco, no centro do Rio, onde fica o edifício Banco Bozano
Simonsen.
Para reforçar a
acusação, os dois doleiros delatores entregaram também ao MPF os sistemas que
usavam para gerenciar os negócios. Nesse sistema, Sanches era apelidado de
“barbeador”, um trocadilho com o fato de Bozano também ser nome de marca de
espuma de barbear.
No pedido de prisão
preventiva contra Sanches apresentado pelo MPF ao juiz Bretas, há dois exemplos
de negócios feitos com “barbeador”. Um no valor de 250.380,06 dólares, com data
de 30 de junho de 2015. Outro de 226.550 dólares, de 30 de setembro do mesmo
ano.
Outro elemento a
reforçar as acusações são informações da junta comercial do Rio. O endereço
“Rua Visconde de Ouro Preto, número 5, 10o andar”
é o de uma empresa aberta em nome de Sanches, a Kadon Empreendimentos, e foi
também, até julho de 2006, sede das empresas Bozano Shoppings e Bozano Centers.
Diante das
descobertas sobre o grupo Bozano no esquema, o MPF diz que “a investigação dos
crimes de lavagem de ativos; evasão de divisas (em
um possível movimento de remessa prévio) e pertinência à organização
criminosa é medida que se impõe uma vez que há fortes elementos demonstrando as
condutas típicas de ocultação do real proprietário e da movimentação de ativos,
além da remessa de valores para o exterior sem o registro nos órgãos competentes”.
E Paulo Guedes?
Em 2013, ele se
tornou sócio do bilionário Julio Bozano. Julio tinha vendido seu banco, o
Bozano Simonsen, para o Santander, em 2000. Mas voltou à ativa no mercado
financeiro em 2013, em sociedade com alguns outros gestores de recursos
alheios. Entres estes, Guedes, que deixou uma empresa que tinha criado, a BR
Investimentos, ser incorporada pelo grupo Bozano.
Desse novo arranjo
societário no grupo, nasceu a Bozano Partners. Sanchez, o “barbeador”, foi um
dos três participantes da Assembleia Geral constituidora da Partners. Esta é
uma espécie de guarda-chuva formal da Bozano Investimentos, empresa da qual
Guedes é sócio, membro do comitê executivo e do comitê estratégico.
Como a relação de
Guedes com o grupo Bozano começou em 2013 e como as informações do MPF apontam
“barbeador” a operar com a rede de doleiros até 2016, é possível que as
investigações do esquema de doleiros chegue perto do guru econômico de
Bolsonaro. De 29 de janeiro de 2008 a 19 de maio de 2016, o MPF contabiliza
29,847 milhões de dólares em movimentação de dólar no exterior na parceria
entre “barbeador” e os dois doleiros delatores.
Mas Bolsonaro e
Guedes só terão de se preocupar se as investigações andarem. E se não foram
seletivas.
A propósito: o grupo
Bozano tenta se desvincular das investigações. Em nota à Folha de S. Paulo, jornal que tratou da
empresa nesta terça-feira 8 sem citar o vínculo de Paulo Guedes com ela, chamou
Sanches de “ex-diretor” e disse que não atua no mercado de câmbio.
Fonte: DCM