Rafael Ribeiro |
Sem vínculos com o golpe
de 2016, que começou com o impeachment fraudulento da presidente Dilma
Rousseff, e se concluiu ontem, com a prisão sem provas do ex-presidente Lula, a
mídia internacional dedicou amplo espaço à tragédia brasileira e, de forma predominante,
tratou Lula – o maior popular vivo no mundo – como um perseguido político que
está sendo caçado pelo sistema judiciário brasileiro apenas porque lidera as
pesquisas sobre as eleições presidenciais de 2018; mídia global ficou
estupefata com o "condenado carregado nos braços do povo" – ou seja:
ao menos no mundo civilizado, Lula venceu a disputa narrativa
247 – A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, na noite de sábado, e seu discurso no ato político realizado em São
Bernardo do Campo, onde anunciou que se renderia à Polícia Federal, receberam
grande destaque na imprensa estrangeira. O assunto está nas primeiras páginas
de diversas publicações em todo o mundo e é um dos principais temas das
agências internacionais de notícias. A foto de Lula, cercado por uma multidão
em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, tirada por Francisco Proner,
foi distribuída pela Reuters para
todo o mundo e reproduzida em jornais influentes, como o inglês The
Guardian e o canadense The Globe and Mail.
As palavras-chave são a rendição do maior líder da
esquerda brasileira, que está à frente na corrida presidencial, a transformação
de Lula em preso político e a desconfiança sobre o sistema judiciário do país.
O material produzido pelas principais agências de notícia – AP, Reuters, Bloomberg, AFP, EFE, DW e Prensa
Latina – ganhou o mundo. Vários despachos foram sendo atualizados ao
longo do dia.
O americano The New York Times traz
longa reportagem assinada pelos correspondentes Manuel Androni, Ernesto Landoño
e Shasta Darlington, com foto de Lalo de Almeida, destacando que Lula se rendeu
para cumprir pena de 12 anos de prisão. “Sua prisão é uma reviravolta
ignominiosa na notável carreira política de Lula, filho de trabalhadores rurais
analfabetos que enfrentou os ditadores militares do Brasil como líder sindical
e ajudou a construir um partido reformista de esquerda que governou o Brasil
por mais de 13 anos”, diz a reportagem.
Os correspondentes do NYT relatam
que antes de se render às autoridades policiais federais, Lula, 72 anos, acusou
promotores e juízes de intencionalmente persegui-lo com um caso infundado. “Eu
não os perdoo por criar a impressão de que sou um ladrão”, disse um indignado
Lula, rouco, diante de uma multidão reunida do lado de fora do sindicato de
metalúrgicos. A reportagem destaca que, durante horas no sábado, em um
impasse tenso, seus fervorosos defensores haviam bloqueado fisicamente sua
rendição, antes de finalmente permitir que ele partisse.
O americano Washington Post informa
que Lula se entregou à Polícia Federal, mas disse que, mesmo encarcerado, vai
fazer campanha política. Segundo o jornal, que destaca em foto Lula sendo
levado nos braços do povo no berço do sindicalismo brasileiro, que a prisão
“intensificou o drama político na maior nação da América Latina”. De acordo com
o texto dos correspondentes Marina Lopes e Anthony Faiola, a cadeia transformou
um homem que o presidente Barack Obama chamou de “o político mais popular da
Terra” no prisioneiro mais famoso da região.
O inglês The Guardian reproduz
a foto distribuída pela Reuters com Lula cercado pela multidão e destaca em
manchete: “Lula inicia sentença de prisão no Brasil depois de se entregar à
polícia”. Segundo o diário, o ex-presidente promete provar sua inocência da
corrupção depois de encerrar um impasse de dois dias com as autoridades. “Faça
o que quiser, o poderoso pode matar uma, duas ou 100 rosas. Mas eles nunca
conseguirão impedir a chegada da primavera”, discursou o líder político.
O jornal canadense The Globe and Mail destaca
em primeira página que Lula foi para a cadeia, “mas aqueles que ele defendeu
lamentam o fim de uma era”, publicando também a foto de Francisco Proner,
distribuída pela Reuters. O texto é da correspondente Stephanie
Nolen, que abre a reportagem falando que Lula se entregou à Polícia Federal no
sábado de noite, tendo feito antes um inflamado discurso de 55 minutos a apoiadores
reunidos na frente do sindicato. “Foi o fim de uma dramática jornada de 48
horas que uniu o Brasil e forneceu suporte a uma extraordinária história
política”, relata.
“Muitos brasileiros anunciaram a visão de um líder
supremamente poderoso em custódia da polícia como um ponto de virada para o
país, um golpe contra a impunidade dos poderosos”, escreve a correspondente.
Mas para outros, a prisão de Lula é um fim devastador para uma era de um tipo
diferente de política. “Lula trouxe um poder para os pobres brasileiros -
as pessoas foram viver acima da linha da pobreza, pessoas que nunca tinham
estudado começaram a estudar, trabalhadores domésticos tiveram direitos quando
antes eram todos escravizados", disse Elisa Lucinda, uma proeminente atriz,
poeta e cantora. “Era um Brasil que nunca havia sido visto antes e agora
vai desaparecer novamente”.
O site russo Sputnik reporta
que Lula se entregou à polícia. Os muitos despachos ao longo do dia foram
reproduzidos em outras línguas, inclusive nos serviços em espanhol e
português. Em um dos destaques no site, reportagem relata que embora tenha sido
condenado por subornos, a Justiça não apresentou provas e que o ex-presidente é
líder inconteste nas pesquisas de opinião para voltar ao poder nas eleições
previstas para este ano. “A direita brasileira joga com
fogo”, destaca.
A emissora de TV Russia Today destacou
no final da noite que Lula acabou com o impasse e se entregou à polícia. A
reportagem aponta que, antes de se entregar, Lula se dirigiu a uma audiência de
milhares de pessoas que estavam nas ruas de São Bernardo do Campo e discursou:
“Quanto mais dias eles me deixarem (na cadeia), mais Lulas nascerão neste
país”. A multidão gritou: “Libertem Lula!”.
Na Argentina, o jornal Clarín destacou
em manchete de primeira página, que Lula já está preso em Curitiba para cumprir
sua pena por corrupção. Outro jornal argentino, o Página 12, aponta que a detenção de
Lula é um segundo golpe que o país vive, e que, durante todo o dia, o líder do
PT recebeu o apoio e solidariedade de milhares de militantes e
simpatizantes. Ele falou à multidão, onde disse que o único crime que
cometeu “foi tirar milhões da pobreza” e que o golpe que começou com a
deposição de Dilma Rousseff terminou com a decisão de impedi-lo de ser
candidato à Presidência. Também o La Nación destacou em primeira
página que Lula já está na sede da PF em Curitiba, onde cumprirá sua
pena.
AGÊNCIAS INTERNACIONAIS
Matéria da AP,
reproduzida em 10,6 mil sites noticiosos, relatou que Lula foi levado no início
da noite sob custódia policial, depois de um confronto tenso com seus próprios
partidários e três intensos dias que de fortes emoções por causa do seu
encarceramento. “Apenas algumas horas antes, Lula disse a milhares de
partidários que se entregaria à polícia, mas alegou inocência e disse que sua
condenação por corrupção era simplesmente uma maneira de os inimigos garantirem
que ele não fugisse – e possivelmente vencesse – as eleições presidenciais de
outubro”, diz o texto assinado por Maurício Savarese e Peter Prengaman.
Reportagem da AFP relata
a tensão no final de sábado da saída de Lula da sede do sindicato dos
metalúrgicos de São Bernardo do Campo, apontando-o como favorito da eleição
presidencial de outubro. O despacho destaca que “Lula se considera vítima de
uma trama da elite para impedir que concorra a um terceiro mandato”. O
jornal traz declaração forte do ex-presidente: “A obsessão deles é ter uma foto
do Lula prisioneiro”, disse. O material foi replicado por 3,7 mil veículos
de imprensa no mundo.
A agência espanhola EFE, em
despacho divulgado no final de sábado, relatou que Lula pôs fim à sua
resistência e já estava nas mãos da Polícia Federal, destacando trecho do seu
discurso em que confessou ter cometido um delito. “Eu cometi um crime: trazer
os pobres para a faculdade, o que lhes permite comprar carros, eles têm
alimentos”. “Serei um criminoso pelo resto da minha vida”. Texto, vídeo e fotos
foram reproduzidos em 2.590 sites e veículos noticiosos em todo o mundo.
Texto da Reuters, com a
foto de Lula cercado pela multidão de simpatizantes e militantes de esquerda no
pátio do sindicato onde começou sua vida política, foi reproduzido em dezenas
de sites de notícias. A reportagem aponta que Lula se entregou à polícia,
acabando com o impasse, no início da noite de sábado. Segundo a agência, “a
prisão de Lula remove a figura política mais influente do Brasil, líder da
campanha presidencial deste ano”. O texto especula que isso poderia aumentar as
chances de um candidato centrista prevalecer. O despacho da agência foi
reproduzido por 2.480 sites e jornais, inclusive o The New York Times.
A Deutsche Welle deu
em manchete que “o ex-presidente brasileiro Lula está na prisão”, que o
primeiro prazo ele havia deixado passar, no sábado os seus seguidores impediram
a sua detenção, mas o líder condenado por corrupção foi levado afinal por
policiais. “Vários pedidos para permanecer em liberdade até o final do apelo
foram negados”, relata a agência alemã. “Lula também pediu ao Comitê de
Direitos Humanos da ONU em Genebra uma liminar para evitar a detenção”.
EUROPA
O diário espanhol El País deu
manchete de primeira página para a prisão de Lula, destacando no título trecho
do discurso do ex-presidente: “A morte de um combatente não para a revolução”.
Segundo o jornal, o líder petista foi para a prisão no final da noite de
sábado, condenado a 12 anos de prisão, mas que falou antes a uma multidão: “Não
sou um ser humano mais. Eu sou uma ideia. E as ideias não se encerram”.
O jornal francês Le Monde, por exemplo,
em editorial na
edição de sábado avalia que, mesmo Lula tendo caída em “desgraça” a Justiça
brasileira terá que provar ao mundo que sua mobilização contra a corrupção é
capaz de atingir também a outros grupos políticos. “A Operação Lava Jato deve
demonstrar ao país que a prisão de Lula não é um ato político”, aponta o
editorial.
“A prisão daquele que continuará sendo um dos
dirigentes mais marcantes da história do país não significa o fim dos
processos. (...) A Lava Jato precisa ter a mesma severidade com outros caciques
de partidos do centro e da direita”. E cita o ex-presidenciável tucano Aécio
Neves, “suspeito de corrupção passiva e obstrução da justiça”, estranhando que
“seu caso ainda não foi examinado pela Suprema Corte”.
Em reportagem da correspondente Claire Gatinois,
o Le Monde destacou
que Lula se rendeu à polícia, abrindo a notícia com a declaração do ex-presidente
para “uma multidão em lágrimas” de que “podem matar um combatente, mas a
revolução continua". “Ofegante e animado”, descreve a
jornalista, “o velho confirmou a sua rendição”.
O tradicional jornal Liberation questionou
em sua edição de domingo se a ida de Lula para prisão poderia ser interpretado
como “um golpe de misericórdia na esquerda latina”. Ouvindo especialistas, o
jornal relata que Lula é o candidato da esquerda reformista – “não
revolucionária” – a mais amigável em relação aos mercados.
“O resultado é que ele vai tornar-se radical”,
analisa Patricio Navia, orientador acadêmico do Centro de abertura e desenvolvimento
da América Latina (Cadal). Fontes ouvidas pelo jornal avaliam que a esquerda
terá grandes dificuldades em voltar, mas que “enquanto as sociedades da região
da América Latina forem marcadas pela pobreza, desigualdade e exclusão social,
sempre haverá um desafio para mudar o status quo”.
O jornal L’Humanité aponta
um “golpe judicial e militar contra Lula”, reforçando o argumento da esquerda
brasileira de que o ex-presidente está sendo perseguido. “O Supremo Tribunal do
Brasil rejeitou na quarta-feira a libertação do ex-presidente Lula, que é o
candidato presidencial em outubro. Contra o pano de fundo das ameaças do
exército”, resume. O também francês Le Fígaro destacou
que Lula anunciou que aceitava a sua prisão, mas a matéria ressalta que ele
contestou as acusações que pesam contra si e disse que vai provar que seu
julgamento é um “crime político”.
Em outro despacho no mesmo jornal, o destaque foi a
reportagem da agência France Press,
também reproduzida no diário Le Progress, noticiando
que, no final da tarde de sábado, Lula foi impedido de se entregar pelos
simpatizantes que cercavam o sindicato dos metalúrgicos, onde ele despontou sua
liderança, na região de São Bernardo do Campo. O material também foi
reproduzido no canal France24, nos
jornais La Provence eLa Croix, no
canadense Le Journal de Montreal,
as emissoras de rádio DH, da
Bélgica, e Radio Canada.
O português Diário de Notícias,
em reportagem do correspondente João Almeida Moreira, destacou que o último dia
de liberdade de Lula, poderia ser de tristeza, com sua despedida e a missa em
memória da sua falecida mulher como panos de fundo. Mas se tornou uma festa,
com direito a set list escolhida pelo ex-presidente: “Asa Branca” e “O que é, o
que é”, de Gonzaguinha, “Apesar de Você”, de Chico Buarque, e o samba “Deixa a
Vida me Levar”, de Zeca Pagodinho. A matéria reproduz trechos do discurso de
Lula – “Eu não sou um ser humano, eu sou uma ideia, todos vocês agora vão
virar Lula, eles acham que tudo o que acontece nesse país é responsabilidade do
Lula, agora eu responsabilizo vocês” – e diz que o petista também citou Martin
Luther King.
Na Bélgica, a RTBF manteve flashes sobre
Lula e a sua iminente prisão, durante a programação de sábado. Foram
quatro destaques sobre o líder brasileiro, a última reportagem apontando que o
petista foi impedido de se entregar à polícia pelos simpatizantes.