Enquanto
promotores se mobilizam pelas redes sociais e alguns, como Deltan Dallagnol,
fazem até greve de fome para que o ex-presidente Lula seja preso sem provas,
juristas levam 3.262 assinaturas aos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal
nesta tarde para que a presunção de inocência, cláusula pétrea da Constituição
brasileira, seja mantida; participam do movimento diversas entidades
representativas de advogados, magistrados, defensores públicos, promotores de
Justiça, professores e demais operadores do Direito; ao 247, a jurista e
professora da UFRJ Carol Proner defende a inclusão do julgamento das ADCs sobre
o tema na decisão sobre o mérito do HC de Lula; "Isso está afetando a
vida de milhares de pessoas que podem vir a ser consideradas inocentes",
destaca
247 - Diversas entidades representativas de
advogados, magistrados, defensores públicos, promotores de Justiça, professores
e demais operadores do Direito estão mobilizadas na reunião de assinaturas para
um manifesto em defesa da Constituição e contra a prisão após condenação em
segunda instância.
O documento já conta com cerca de 3 mil assinaturas
e mais de 6 mil adesões por entidades e será entregue aos 11 ministros do
Supremo Tribunal Federal. As entidades pedem aos onze Ministros do Supremo
Tribunal Federal que analisem imediatamente as Ações Declaratórias de
Constitucionalidade no 43 e 44, relativas à aplicação do art. 283 do CPP, que
repete o disposto no art. 5o, inciso LVII da Constituição Federal que veda a
prisão antes do trânsito em julgado da sentença penal
condenatória. As ADCs estão à disposição da presidência do STF desde dezembro
de 2017, sem previsão de entrar em pauta para análise.
"As decisões posteriores dessa mesma Casa mostram
a fragilidade da decisão, gerando insegurança jurídica e ausência de isonomia
entre os pacientes, a depender de qual dos 11 juízes analise seu caso
concreto", diz o documento que acompanha agora o abaixo-assinado.
Em entrevista ao 247, a jurista e professora de
Direito da UFRJ Carol Proner destacou que o movimento defende a inclusão do
julgamento das ADCs 43 e 44 na decisão sobre o mérito do habeas corpus de Lula,
que atinge a todos os brasileiros presos após condenação em segunda instância.
"A gente trabalha uma previsão chamada
presunção de inocência que atinge a todos, um efeito sobre todos os casos, não
meramente sobre o caso do presidente Lula", diz a professora, lembrando
que o entendimento do Supremo de 2017 sobre o tema é provisório e que as ADCs
são anteriores ao julgamento de Lula.
Ela ressalta ainda que o caso não diz
especificamente sobre o caso do ex-presidente, mas da vida de milhares de
brasileiros. "Isso está afetando a vida de milhares de pessoas que podem
vir a ser consideradas inocentes", diz. "Por um lado as pessoas podem
ser declaradas inocentes e por outro pode ser que o conjunto probatório não
seja suficiente para a restrição de liberdade", explica.
"Só no Tribunal de Justiça de São Paulo esse
número é bastante grande, demonstrando que a possibilidade de revisão da sentença
e de absolvição justifica um cuidado com o princípio da inocência",
exemplifica.
"Estamos vivendo a possibilidade de um
retrocesso normativo constitucional e convencional que é inexplicável. Menos
ainda comparado num caso de grande repercussão política. Sem entrar no mérito
de achar a sentença justa ou injusta. Porque qualquer caso político não poderia
gerar uma comoção desta grandeza e de si guardar uma situação constitucional
tão grave para tantas pessoas, isso é no mínimo inadequado", acrescenta
Carol Proner.
O movimento é encabeçado por entidades como a
Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM), Instituto de
Garantias Penais (IGP), Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Instituto de
Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Associação Brasileira dos Juristas pela
Democracia (ABJD), Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo, Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Associação Nacional dos Defensores
Públicos (ANADEP), Defensoria Pública do Estado Rio de Janeiro, Defensoria
Pública do Estado de São Paulo, Núcleo de Defesa Criminal da Defensoria Pública
do Rio Grande do Sul (NUDECRIM/DPERS), Associação dos Advogados Criminalistas
do Rio Grande do Sul (ACRIERGS), Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia
(CAAD), Advogados e Advogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania (ADJC),
dentre outros.
O documento encaminhado à Corte Suprema é firmado
pelos presidentes das entidades e por nomes como Juarez Tavares, Marcelo Neves,
Geraldo Prado, Antônio Carlos de Almeida Castro
(Kakay), Técio Lins e Silva, Lenio Streck, Alberto Zacharias Toron, Cezar
Bittencourt, José Eduardo Cardoso, Pedro Carrielo, Kenarik Boujukian, Maíra
Fernandes, Leonardo Isaac Yarochewsky, Roberto Tardelli, Elias Mattar Assad,
Ticiano Figueiredo, Fábio Tofic Simantob, Bruno de Almeida Sales, Cristiano
Avila Maronna, Fábio Mariz, Luís Carlos Moro, Cezar Britto, Caroline Proner,
Valeska Teixeira Zanin Martins, Gisele Cittadino, Marcelo Nobre, Michel Saliba,
Amilton Bueno de Carvalho, Miguel Pereira Neto, Cristiano Zanin Martins,
Aldimar Assis, e Juliano Breda, entre outros.
Para entender o caso
Em 2009, o STF havia decidido, por ampla maioria,
que as eventuais prisões só poderiam ocorrer após o trânsito em julgado. No
entanto, em 2016, por seis votos contra cinco, os ministros decidiram pela
possibilidade de prisão em segunda instância. A partir daí, diversas entidades
se uniram para subscrever as ADCs 43 e 44, sublinhando a previsão
constitucional da presunção da inocência.
Leia, abaixo, a nota na íntegra:
Nota em Defesa da Constituição
Advogados/as, defensores/as público/as, juízes/as,
membros do Ministério Público, professores de Direito, e demais profissionais
da área jurídica que abaixo subscrevem vêm, através da presente nota, em defesa
da Constituição, bradar pelo respeito aos direitos e garantias fundamentais,
notadamente da presunção de inocência, corolário do Estado Democrático de
Direito.
A Constituição da República Federativa do Brasil de
1988 consagra, em seu texto, o direito à liberdade (artigo 5°, caput, da
CR/88). Direito esse que transcende a própria realidade humana. O respeito à
dignidade humana é um dos fundamentos do Estado Constitucional.
No título que trata dos direitos e garantias
fundamentais – cláusula pétrea – a Constituição da República proclama que
"ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença
penal condenatória" (art. 5o, LVII CRFB).
Ninguém, absolutamente ninguém, será considerado
culpado enquanto não houver esgotado todos os recursos. Daí decorre que, exceto
nos casos de prisão em flagrante ou prisão provisória (temporária ou
preventiva), uma pessoa só poderá ser presa depois de uma sentença condenatória definitiva (quando não houver mais
possiblidade de julgamento). Gostemos ou não, a Constituição da República consagrou o princípio da presunção de inocência. De qualquer modo, qualquer outra interpretação que se possa pretender, equivale a rasgar a
Constituição. No dizer de Ulysses
Guimarães, "o documento da liberdade, da democracia e da justiça social do Brasil".
O STF (Supremo Tribunal Federal) já decidiu que a
prisão cautelar, que tem função
exclusivamente instrumental, jamais pode converter-se em forma antecipada de
punição penal.
Assim, à luz do princípio constitucional, é
inconcebível qualquer formas de encarceramento decretado como antecipação da tutela penal, como ocorre na hipótese de
decretação da prisão em decorrência da condenação em segunda instância –
hipótese odiosa de execução
provisória da pena – em que a prisão é imposta independente da verificação concreta do periculum libertatis. É importante
salientar que, em nosso sistema processual, o status libertatis (estado de
liberdade) é a regra, e a prisão provisória a exceção.
Na concepção do processo penal democrático e constitucional, a liberdade do
acusado, o respeito à sua dignidade, aos direitos e garantias fundamentais
são valores que se colocam acima de qualquer interesse ou pretensão punitiva
estatal. Em hipótese alguma pode o acusado ser tratado como "coisa",
"instrumento" ou "meio", de tal modo que não se pode
perder de vista a formulação
kantiana de que o homem é um fim em si mesmo.
É imperioso salientar que quando defendemos a
efetivação do princípio da presunção de inocência, não o fazemos em nome deste ou daquele, desta ou daquela pessoa,
mas em nome de todas e todos e, especialmente, em nome da Constituição da República.
A par do que já vem sendo dito, cumpre destacar
que o não julgamento imediato das ADCs 43 e 44, com a declaração de constitucionalidade do art. 283 do Código
de Processo Penal e, consequentemente, com a proclamação definitiva do princípio constitucional da presunção de inocência, tem levado – conforme dados estatísticos apresentados pela
Defensoria Pública – milhares de homens e mulheres a iniciarem o cumprimento
provisório da pena antes de esgotado todos os recursos, com incomensurável
prejuízo a liberdade e a dignidade humana.
Assim, em defesa da Constituição da República, esperamos que o Supremo Tribunal
Federal cumpra com o seu dever de proteção dos direitos e garantias fundamentais, sob pena de frustrações de conquistas inerentes ao próprio Estado
Democrático de Direito.