"O Mecanismo", série
dirigida por José Padilha, está sendo alvo de controvérsia no Brasil por ser
uma ficção "baseada em fatos reais". A série poupa PMDB e PSDB e
culpa só um partido político pelos esquemas de corrupção - em um ano eleitoral
em que seu pré-candidato, Lula, está liderando todas as pesquisas. Por que -
questionou ex-presidente Dilma Rousseff recentemente - a Netflix conta tantas
mentiras sobre o PT?
Durante
a semana passada, entrei em contato com o setor de imprensa da Netflix, sediado
na Califórnia, para perguntar por que eles lançaram uma série de ficção tão
obviamente baseada em uma investigação que ainda está em andamento - durante um
ano eleitoral, em que o vilão principal é baseado no candidato mais popular.
A
Netflix, conhecida por seu silêncio notório, optou por não responder. Não sou o
único jornalista que não recebeu resposta de Netflix sobre este assunto. A
Bloomberg, agência de notícias da elite americana, também não recebeu qualquer
resposta da Netflix sobre perguntas semelhantes.
Quando
uma empresa toma a decisão de não responder aos jornalistas, ela abre espaço
para especulações. Vou especular sobre três possíveis causas para "O
Mecanismo" tentar influenciar as eleições presidenciais brasileiras.
1)
A Netflix dá a seus diretores liberdade criativa total. Padilha tomou o decisão
de distorcer a realidade, propagar mentiras e atacar Lula durante um ano
eleitoral por sua livre e espontânea vontade.
Todo
mundo que tem conhecimento das obras de José Padilha sabe que ele tem uma queda
para homens fardados. Quando Tropa do Elite estrelou no Festival de Cinema de
Berlim em 2008, ele foi acusado - por um critico judeu que teve familiares
assassinados pelos nazistas - de apologia ao fascismo.
Sua
série Narcos foi duramente criticada na Colômbia pelo tratamento heroico dado
aos americanos - o que é irônico, pois os EUA são o maior mercado de consumo de
drogas do mundo, estimado em R$320 bilhões por ano, e fomenta o crime
organizado na Colômbia.
Será
que a razão pela qual Padilha trata policiais como heróis é simplesmente uma
questão de gosto pessoal? Será que, quando criança, ele queria ser policial?
Será que ele decidiu mentir sobre Lula porque está apoiando um outro candidato
nas eleições? Por exemplo, Alckmin ou Bolsonaro?
Isto
é uma possibilidade baseada na hipótese de que ele está agindo de maneira
autônoma, sem qualquer ingerência da empresa que paga seu alto salário.
2)
A Netflix é controlada por seus acionistas. Os mais importantes são três das
maiores companhias de gestão de ativos no mundo: The Capital Group, Vanguard e
BlackRock. Juntos, eles controlam pelo menos R$67 bilhões em ações da Netflix,
R$96 bilhões em ações de ExxonMobil, R$65 bilhões em ações de Chevron e R$45
bilhões em ações da Boeing.
Temer
ajudou a ExxonMobil e a Chevron através dos leilões do pré-sal. Com a MP 795,
deu R$1 trilhão em isenções fiscais a empresas estrangeiras que possam vir a
ter interesse na exploração do petróleo brasileiro.
Temer
está ajudando a Boeing a comprar a Embraer, patrimônio tecnológico dos
brasileiros. A Embraer foi investigada pelo Departamento da Justiça dos Estados
Unidos por 4 anos antes que eles compartilhassem os dados de investigação para
o equipe de Sérgio Moro em 2014, atividade que certamente rebaixou o valor da
sua venda.
Nas
vésperas do golpe em 2016, em um comunicado para seus acionistas, a BlackRock
falou que o impeachment seria um importante "passo à frente".
"Nós acreditamos que o Governo de Michel Temer, comprometido com mudanças
políticas, pode ajudar muito para recuperar confiança de consumidores e
investidores."
Em
maio de 2016, Will Landers, gestor dos fundos latino-americanos da BlackRock,
falou com a CNN sobre o governo provisório de Temer. "Estamos empolgados.
A equipe econômica parece sensacional. Tem todas as pessoas certas nos cargos
certos."
É
óbvio que estes gestores de ativos internacionais que juntos controlam um
patrimônio de R$40 trilhões (30 vezes maior que o PIB brasileiro), querem que
as privatizações e os incentivos fiscais promovidos pelos golpistas continuem
e, exatamente por isso, não querem Lula de volta.
Será
que a Netflix, através dos seus maiores acionistas, contratou Padilha para
influenciar os eleições brasileiras em benefício próprio? Isto é uma
possibilidade baseada na hipótese de que o conteúdo de stream é influenciado
pelos interesses econômicos de quem o controla.
3)
A mídia funciona como um sistema que distribui mensagens e símbolos para o
população em geral. É sua função informar, fornecer entretenimento e viabilizar
indivíduos com valores, crenças e códigos de comportamento que permitam
integrá-los dentro das estruturas institucionais da sociedade como um todo.
Em
um mundo de concentração de renda e grandes conflitos de interesses de classe,
a propaganda sistemática é necessária para cumprir este papel - Noam Chomsky
& Edward Herman.
Em
28 de Março de 2018, a Netflix anunciou a chegada de Susan Rice no seu conselho
de diretores. Por que uma companhia de entretenimento iria convidar uma das
mais conhecidas e inteligentes analistas de geopolítica neoliberal dos Estados
Unidos, ex-assessora de segurança do presidente Obama e diretora do Atlantic
Council, para gerenciar uma empresa de televisão stream?
Rice,
que foi uma dos responsáveis pela destruição da petro-nação Líbia, não tem
qualquer experiência em televisão. Posto isso, há de se perguntar: a Netflix
teria algo a ver com mudanças de regime em países ricos em petróleo?
Rice
é conhecida no Brasil como a representante do governo estadunidense que pediu
desculpas a Dilma Rousseff pela espionagem na Petrobras feita pelo Agencia
Nacional de Segurança (NSA) dos Estados Unidos, informação vazada pelo Edward
Snowden em 2013.
Será
que os dados recolhidos por esta espionagem foram compartilhados com Sérgio
Moro e a equipe de Lava Jato? De qualquer maneira, o resultado final é o
desmantelamento da empresa estatal - patrimônio tecnológico e econômico
brasileiro - e a abertura de exploração do pré-sal para as petrolíferas norte
americanas, doadoras tradicionais de campanha para os partidos democrata e
republicano.
Em
uma entrevista recente com David Letterman, Barack Obama reclamou sobre o poder
manipulador da mídia. "Se eu assistisse as notícias da Fox News todo dia,
eu também não iria votar em mim," ele falou.
Obama
está fazendo um negociação millionária com a Netflix para produzir programas de
televisão de natureza "inspiracional". Quando a Netflix anunciou a
nomeação de Rice para seu conselho deliberativo, os comentaristas americanos
vincularam este gesto como medida para fortalecer as negociações com o
ex-presidente.
Por
que Obama e Rice têm tanto interesse em trabalhar nessa mídia? Será que eles
querem "viabilizar" indivíduos com valores e crenças ideologicamente
alinhadas àqueles que fortalecem os interesses geopolíticos dos setores
empresariais e políticos dos Estados Unidos?
Com
apoio do Departamento da Justiça Americano, a chamada "guerra contra
corrupção" está sendo usada seletivamente para assassinar agentes
políticos que lutaram para soberania da América Latina, como Lula, Dilma,
Cristina Kirchner, Maduro e Michelle Bachelet - enquanto escândalos muito maiores
com políticos entreguistas como Aécio Neves, Michel Temer e Maurício Macri são
simplesmente ignorados.
O
resultado desta campanha política "em modo stream" está beneficiando
o setor empresarial estadunidense que, ademais, está conectado ao governo daquele
país. A série "O Mecanismo" avança nesta estratégia geopolítica
através de mentiras e simplificações que põem o PT dentro um mar de corrupção,
poupando o governo golpista atual que, por sua vez, é apoiado pelos
investidores de Netflix, pelas multinacionais petrolíferas, pelo governo dos
Estados Unidos e pelo Partido Democrata.
Será
que, além de beneficiar seus investidores, a Netflix está cumprindo seu papel
como braço midiático do estado expandido dos Estados Unidos? Isto é uma
hipótese baseada na teoria da fabricação do consenso de Noam Chomksy.
O
objetivo desta reflexão é levantar possíveis explicações para os manipulações e
mentiras dentro de uma nova série da Netflix. Cenários complexos nunca têm uma
única causa como explicação. Deve haver muitas razões para que a Netflix tenha
decidido financiar esta produção. Algumas poderão ser reveladas no futuro e
outras, podem continuar escondidas por esta empresa que gosta manter suas
motivações empresariais em segredo.
Corrupção
é um problema complexo que se manifesta de várias formas. Há a corrupção ilegal
e há questões de "corrupção legal", que são morais e éticas. Se a
Netflix e Padilha estão tentando influenciar as eleições brasileiras para
beneficiar o sistema capitalista financeiro, eles estão engajados em uma forma
de corrupção legal.
O
que está por trás desta corrupção? Pode-se dizer que por trás de "O
Mecanismo" existe outro "mecanismo". Entre as peças deste
mecanismo estão: os grandes grupos de gestores de ativos, os interesses
geopolíticos norte-americanos e um cidadão brasileiro que já partiu para Los
Angeles.
* Brian Mier é jornalista e
co-editor do site Brazil Wire.