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Pedro de Oliveira/ALEP |
Boa parte das páginas de apoio ao juiz Sergio Moro se
sustentam por meio do compartilhamento de fake news; "Juiz Sérgio Moro – O
Brasil está com você" é do mesmo grupo que administra a página "Folha
Política", uma dos principais propagadores de fake news das redes
brasileiras; de acordo com muitos juristas, o juiz utiliza desse apoio
virtual para sua promoção pessoal, e, mais grave, para a formação da opinião
pública sobre o principal e maior caso sob responsabilidade do juiz: a Operação
Lava Jato
Há
dezenas de páginas nas redes sociais homenageando o juiz de primeira instância
da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, Sérgio Moro. Ao pesquisá-las, a
primeira que aparece, com 1,6 milhão de curtidas e postagens constantes contra
o Partido dos Trabalhadores (PT), leva apenas o nome do juiz, podendo ser
confundida com uma página oficial. A segunda é "Juiz Sérgio Moro – O
Brasil está com você", com 1,5 milhão de seguidores, que se define como
uma página de "causa". A terceira é sobre um psicólogo canino que
também se chama Sérgio Moro.
A
repercussão das páginas de apoio a Moro é maior do que a de alguns
presidenciáveis. Geraldo Alckmin (PSDB), por exemplo, não chega a 1 milhão de
seguidores. É, talvez, a segunda vez na história brasileira em que um juiz
ganha tanta fama. Antes de Moro, apenas Joaquim Barbosa havia adquirido um
acervo de fãs, ainda que muito menor, e ambos foram cogitados como candidatos à
Presidência.
Vale
apontar que boa parte dessas páginas de apoio se sustentam por meio do
compartilhamento de fake news. "Juiz Sérgio Moro – O Brasil está com
você" é do mesmo grupo que administra a página "Folha Política",
uma dos principais propagadores de fake news das redes brasileiras, de acordo
com o "Projeto M", do portal Manchetômetro, que analisa a veracidade
dos conteúdos jornalísticos sobre política no país.
De
acordo com a análise de muitos juristas, o juiz utiliza desse apoio virtual
para sua promoção pessoal, e, mais grave, para a formação da opinião pública
sobre o principal e maior caso sob responsabilidade do juiz: a Operação Lava
Jato. Inclusive, sua própria esposa, a advogada Rosângela Wolff Moro, chegou a
criar uma página pessoal do casal, que teve como nome o trocadilho "Eu
Moro com ele". A página foi amplamente repercutida, chegando a ter quase 1
milhão de seguidores e, de acordo com o casal, tinha como objetivo
"retribuir o carinho e apoio do povo brasileiro" ao juiz.
No dia
30 de novembro de 2017, logo após a explosão das declarações do ex-advogado da
Odebrecht Tacla Duran, que denunciou diversos crimes nas investigações da
Operação Lava Jato, a página foi apagada, sob a justificativa de que já tinha
"cumprido seu papel". Para além da página de Rosângela, Moro não
possui outras contas próprias nas redes sociais.
Personalidade do ano
A Lava
Jato não apenas teve grande parte de seus julgamentos em primeira instância sob
a comarca do juiz, mas praticamente ganhou seu rosto como marca. Para o
advogado da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap), Patrick
Mariano Gomes, esse processo serviu para legitimar uma série de ilegalidades
jurídicas cometidas durante a Operação.
"O
que justificava e sustentava a figura do juiz Sérgio Moro era a mídia, um se
retroalimentava do outro. Funcionava assim: o juiz praticava ilegalidades, mas
a mídia o exaltava, não só como uma grande personalidade jurídica, mas também
como um grande personagem nacional. Então ele era incitado a falar sobre
cultura, sobre shows, virou uma personalidade, porque interessava ao sistema
político um personagem como esse", afirmou.
Mesmo
sob os holofotes da grande mídia e das redes sociais, Moro construiu uma imagem
supostamente discreta. Poucas informações sobre ele foram mapeadas em perfis
jornalísticos nos últimos anos, e a vida pessoal do juiz, que nasceu em Maringá
(PR) em 1972, e estudou Direito na Universidade Estadual de Maringá (UEM) e na
Universidade Federal do Paraná (UFPR) – onde hoje leciona direito processual
penal – é blindada.
Para
especialistas, no entanto, não há nada de recatado em relação a Moro. O juiz já
recebeu diversos prêmios e homenagens, inéditos para um magistrado brasileiro.
Foi citado como uma das pessoas mais influentes e uma das maiores lideranças do
mundo pelas revistas internacionais Fortunee Time. Esta última o caracterizou
como "Super-Moro" logo na primeira linha do texto. O juiz também
recebeu o prêmio Brasileiros do Ano pela Revista Istoé em dezembro de 2017 –
ocasião em que foi definido como "herói brasileiro" em um discurso do
prefeito de São Paulo João Doria (PSDB).
De acordo com
Ricardo Costa de Oliveira, professor do Departamento de Sociologia da
Universidade Federal do Paraná (UFPR), que produziu um artigo acadêmico sobre o
perfil social dos personagens da Lava Jato e suas relações com as estruturas de
poder no país, a construção da imagem de Moro está relacionada às conexões que
o juiz possui com a elite.
"Todas
as conexões de Moro são com o campo político da direita no Brasil, com meios
empresariais e da grande mídia. Há a tentativa de construção ideológica do juiz
como um símbolo da luta contra a corrupção, quando ele sempre representou
setores da elite, um homem branco, de família inserida na elite estatal, casado
com uma mulher de uma das principais famílias do poder no Paraná. Além do mais,
há essa produção ideológica na grande mídia, que também é oligárquica familiar,
já que ele recebe prêmios e tem sua imagem projetada na Rede Globo e outras
emissoras", explicou.
Super-Moro
O juiz
não costuma negar o título de herói, e a página "Eu Moro com ele"
frequentemente compartilhava fotos de crianças segurando cartazes que
relacionavam o juiz aos super-heróis dos quadrinhos, dos quais ele próprio
também é fã. Em um discurso realizado em 2015, durante um Congresso da
Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Moro chegou a
mencionar uma famosa citação da Marvel, uma das maiores editoras de histórias
em quadrinhos de super-heróis, relacionando seu poder ao do personagem
Homem-Aranha. "Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades",
afirmou, arrancando risos da plateia.
No
mesmo ano, durante uma palestra do evento Exame Fórum, Moro utilizou outra
conhecida citação do universo dos quadrinhos, dessa vez do Batman, para definir
a importância da Operação Lava Jato. "A noite é sempre mais escura antes
do amanhecer", afirmou.
Coincidência
ou não, a imagem do juiz é frequentemente atrelada à de Batman, em montagens
online e cartazes de manifestações. O interesse no personagem, conhecido por
fazer justiça com as próprias mãos, pode ser considerado um sintoma da visão do
Direito compartilhada por Moro e colocada em prática pela Lava Jato. De acordo
com Patrick Gomes, a Operação, considerada a maior da história brasileira, é
baseada em uma série de arbitrariedades e ilegalidades, mas continua sendo
defendida pela mídia como uma cruzada contra a corrupção.
"Não é tarefa
dele condenar alguém, mas você pode ver que não é raro o discurso de que o
Judiciário tem que combater a corrupção, quando, na verdade, ele não tem que
combater nada, tem que julgar, porque a polícia investiga, o MP denuncia, e, se
o juiz for combater, quem vai julgar? Então o papel do juiz foi completamente
transfigurado", denunciou o advogado.
Juiz condenador
Além
dos personagens dos quadrinhos, Moro tem outras referências polêmicas de
entendimento de Justiça. Uma de suas principais inspirações é a mega-operação
italiana "Mãos Limpas", que nos anos 1990 desvendou um enorme esquema
de corrupção no país, emitindo quase 3 mil mandados de prisão contra
parlamentares e empresários.
Moro já
escreveu uma tese acadêmica sobre a operação e praticamente transpôs sua
estrutura jurídica para a Lava Jato. Na sentença que condenou o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no chamado processo do triplex, Moro defendeu o
uso das delações premiadas fazendo referências ao juiz italiano Piercamillo
Davigo, que participou da "Mãos Limpas". A operação italiana é
amplamente criticada por juristas do mundo todo pelos seus excessos e também
utilizou da ferramenta das Delações Premiadas e dependeu do espetáculo
midiático para "condenar" suspeitos antes do julgamento.
Para
Patrick Gomes, desde que começaram a ser utilizados no país, os institutos de
negociação que estão por trás da ferramenta da delação premiada estão sendo
usados sem nenhuma forma de regulamentação.
"A
delação, por ser negocial, dá margem a muita arbitrariedade. Você vê que os
procuradores da Lava Jato negociam coisas que não poderiam negociar. Hoje, o
empresariado que fez delação está em Nova York ou cumprindo prisão domiciliar.
Esse é o problema dos institutos negociais, porque, no capitalismo, eles acabam
reproduzindo o modo de atuação do capital: quem tem mais dinheiro escapa, quem
não tem fica para trás", explicou.
De
acordo com o advogado, a utilização indiscriminada de delações é prática comum
do direito estadunidense, no qual Moro também se inspira. O juiz cursou o
programa para instrução de advogados na Universidade de Harvard, nos EUA, e, em
2009, como foi vazado pelo site Wikileaks, chegou a participar de treinamentos
do Departamento de Estado Norte-Americano para juristas brasileiros, um dos
pontos mais polêmicos e questionáveis de seu currículo.
"Moro
faz parte de uma geração de juízes, de uma faixa de idade de 40 anos, que meio
que se encantou com uma visão do direito norte-americano. Talvez influenciado
por séries de TV norte-americanas, acabou bebendo dessa fonte. O problema é o
transplante de institutos norte-americanos no direito brasileiro sem nenhuma
adaptação e crítica em relação ao nosso sistema. Nos EUA, se você divulgar a
conversa de um presidente da república [como Moro fez com a ex-presidenta Dilma
Rousseff], você é preso, por exemplo", critica.
Jurisdição universal
Um dos
principais excessos praticados por Moro é a forma como grande parte dos
julgamentos das mais de 40 fases da Operação Lava Jato caem na sua comarca,
mesmo que os casos não tenham sido cometidos em Curitiba. O fenômeno, conhecido
como "jurisdição universal", fere a Constituição Federal brasileira e
é uma das principais linhas da defesa de Lula, uma vez que o caso do triplex
aconteceu no Guarujá, litoral de São Paulo. Além do uso da jurisdição
universal, o papel do juiz se torna difuso, se misturando às atribuições de
investigadores de polícia e dos promotores do Ministério Público (MP), tornando
Moro um "líder" supremo de uma investigação de proporções
gigantescas.
Além
dos prêmios recebidos nestes quatro anos de Operação, o juiz Sérgio Moro, agora
ultra-especializado em crimes de "colarinho branco", já percorreu
mais de 13 cidades de nove estados brasileiros, e outras seis no exterior, para
realizar mais de 50 palestras sobre sua atuação. Na cidade de Coimbra, em
Portugal, uma palestra com o juiz chegou a ter ingressos vendidos por R$ 8,5
mil.
Por
fim, é irônico ressaltar que qualquer uma dessas manifestações do juiz -
palestras, prêmios, páginas virtuais de apoio a ele -, não é, tampouco,
constitucional. O artigo 36 da Lei Orgânica da Magistratura (Loman) proíbe os
juízes brasileiros de manifestarem, por meio de qualquer meio de comunicação,
sua opinião sobre processos pendentes de julgamento. Em seu artigo sobre a
operação "Mãos Limpas", entretanto, Moro prova que pouco se importa
com isso ou com o princípio de imparcialidade que rege a magistratura. No
texto, ele destaca que "a opinião pública, como ilustra o exemplo
italiano, é essencial para o êxito da ação judicial".