Ex-ministro da Justiça e advogado da presidente deposta Dilma
Rousseff, José Eduardo Cardozo criticou o comportamento da mídia brasileira,
que tem ignorado o depoimento em que o doleiro Lúcio Funaro como o
ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha comprou votos de deputados no impeachment
de Dilma; "É como se quisessem esconder essa podridão debaixo do tapete,
vamos só registrar que ela existe. Estamos diante de um impeachment
presidencial em que alguém disse que houve compra de votos. Isso era para
manchetes principais dos telejornais", disse; Cardozo confirmou a juntada
da delação de Funaro aos autos do mandado de segurança que será julgado pelo
STF, pedindo a anulação do impeachment
Rede Brasil Atual - O ex-ministro
da Justiça e advogado da ex-presidenta Dilma Rousseff, José Eduardo Cardozo,
confirmou a juntada da delação do doleiro Lúcio Funaro aos autos do mandado de
segurança que será julgado pelo STF, pedindo a anulação do impeachment.
"Se nós tivermos
um julgamento justo, dentro daquilo que manda a Constituição, dentro daquilo
que mandam as nossas leis, não tenho a mínima dúvida de que esse processo de
impeachment é nulo, absolutamente nulo", disse Cardozo, em entrevista a
Marilu Cabañas e Glauco Faria na Rádio Brasil Atual. "Agora tudo se
comprova mais ainda com essa delação do doleiro Lúcio Funaro de que Eduardo
Cunha, um dos grandes – senão o grande – mentores do processo de impeachment,
comprou votos. É a comprovação do desvio de poder, daquilo que nós falamos
desde o início da defesa de Dilma Rousseff e depois levamos ao
noticiário."
O
ex-ministro criticou o comportamento da mídia em geral, que tem ignorado o
depoimento do doleiro em relação à denúncia de compra de votos para se aprovar
o impedimento da ex-presidenta. "Dá impressão que alguns jornais só
publicaram para dizer que publicaram. Estamos diante de um impeachment
presidencial em que alguém disse que houve compra de votos. Isso era para
manchetes principais dos telejornais."
Cardozo
também comentou o fato de ter feito a defesa de Dilma Rousseff no Senado, no
final de agosto de 2016, quando na prática os parlamentares já tinham se
decidido a derrubar a presidenta, a despeito de argumentações
técnico-jurídicas. "Quando o juiz não está disposto a ouvir as razões do
advogado, quando está surdo, fale mais alto para que seus gritos sejam ouvidos
fora da sala de audiência e aqueles que estão lá fora percebam o que está
acontecendo, percebam a injustiça. No fundo, foi essa linha que nós seguimos."
Confira abaixo os principais trechos da
entrevista.
Anulação do impeachment de Dilma
Se nós
tivermos um julgamento justo, dentro daquilo que manda a Constituição, dentro
daquilo que mandam as nossas leis, não tenho a mínima dúvida de que esse
processo de impeachment é nulo, absolutamente nulo. As provas são evidentes,
não havia crime de responsabilidade cometido por Dilma Rousseff, foram
pretextos utilizados para que ela fosse substituída do cargo.
Há um
claro vício que costumamos chamar no Direito de desvio de poder, que é quando
você utiliza uma competência que a Constituição e a lei lhe dão para atingir
uma finalidade que não é aquela que a lei determina. Isso aconteceu com o
Parlamento brasileiro, ou seja, promoveram um processo de impeachment não para
punir uma presidenta da República porque tinha praticado crime de
responsabilidade, mas para afastá-la do cargo porque ela incomodava setores da
elite brasileira, incomodava setores da classe política brasileira.
Agora
tudo se comprova mais ainda com essa delação do doleiro Lúcio Funaro de que
Eduardo Cunha, um dos grandes – senão o grande – mentores do processo de
impeachment, comprou votos. É a comprovação do desvio de poder, daquilo que nós
falamos desde o início da defesa de Dilma Rousseff e depois levamos ao
noticiário. Estamos juntando isso e se alguém duvidava que a situação era
desgarrada da moralidade, da democracia, do estado de Direito, agora se
comprova e se espera que o Judiciário decida a respeito.
As provas da nulidade do impeachment
Em
condições normais, com as provas que juntamos era para anular o processo de
impeachment, não tenho dúvidas disso. Quando falo em condições normais, digo
que, para haver uma decisão judicial, é preciso ter prova. E prova tem. A
nulidade do impeachment é escancarada.
Os
governos anteriores, Lula, Fernando Henrique Cardoso, tinham praticado os
mesmos atos e nem o Tribunal de Contas nem ninguém disse que havia alguma
ilegalidade, não havia nenhum jurista que dissesse que aquilo era ilegal. De
repente se criou uma tese de que era ilegal e Dilma disse: "tá bom, já que
a tese é essa que o Tribunal está decidindo, então vamos manter". Mudou e
"não, não, (Dilma) vai ser punida pelo passado". Uma vergonha.
O
desvio de poder ficou escancarado, notório, Eduardo Cunha disse que se o PT não
desse os votos para tirá-lo da Comissão de Ética da Câmara iniciaria o
impeachment, e quando o PT disse "não vamos apoiar Eduardo Cunha, vamos
abrir o processo de cassação", uma hora depois ele deu uma coletiva
dizendo que estava aberto o processo. E não escondeu de ninguém, estou abrindo
o processo em represália mesmo, porque Dilma Rousseff não conseguiu os votos do
PT pra me ajudar.
Depois
disso, tiveram vários episódios, como o áudio do senador Romero Jucá dizendo
que era preciso tirar Dilma e fazer um pacto para acabar com a sangria da
classe política brasileira. E agora se afirma textualmente que houve pagamento
– boato que existia há muito tempo – no depoimento do Funaro. É um conjunto de
provas evidente, aberto, de que o impeachment foi nulo. E se estamos em um
Estado de Direito, tem que voltar.
Mídia minimiza compra de votos
Se você
observar, o espaço dado pelos jornais a esse fato é mínimo. Dá impressão que
alguns jornais só publicaram para dizer que publicaram. Estamos diante de um impeachment
presidencial em que alguém disse que houve compra de votos. Isso era para ser
manchete dos principais telejornais.
Chega a
ser assustador o que acontece no Brasil. Parece que para alguns fatos se faz um
registro apenas para constar, "olha, publiquei". Em relação a outros,
quando atinge certas pessoas, inclusive em situações muito menos graves, às
vezes construídas, acaba tendo grande repercussão. É como se houvesse fatos que
não interessam e outros que interessam muito, mesmo que não existam.
Nos
jornais, essa declaração do Funaro foi minimizada ao máximo, era uma notinha no
jornal, uma tripinha. É como se quisessem esconder essa podridão debaixo do
tapete, vamos só registrar que ela existe. Muito triste.
Estado de exceção
O que é
um Estado de exceção? É a negação do Estado de direito, que é aquele que tem
certas regras e se cumprem as regras, as pessoas são governadas pelas leis.
Hoje não temos isso, a lei diz uma coisa e o Estado faz outra; a lei diz uma
coisa e tem abuso, desrespeito a prerrogativas.
Efetivamente
estamos vivendo dias de Estado de exceção, e o que mais me preocupa é que tem
gente que aplaude isso e não percebe que quando a exceção está na sala de estar
do vizinho, amanhã ou depois vai chegar na sua cozinha, no seu dormitório.
Quando você abre mão de regra, direito, princípio, garantia, você está abrindo
mão para o outro e também no futuro para você. Se você não tem a dimensão
humana da solidariedade, pelo menos seja pragmático, perceba que a exceção vai
te aniquilar.
A defesa no Senado e a certeza da derrota
Tínhamos
muito claro naquele momento (época da apresentação da defesa da presidenta no
Senado, em 30 de agosto de 2016) que o processo de impeachment estava
consumado. Não tinha nenhuma dúvida sobre isso. Eu pessoalmente não tinha
nenhuma dúvida, desde que a coisa chegou no plenário da Câmara era muito claro.
E ali havia duas alternativas para a defesa de Dilma Rousseff. Ou se partia
para a situação dizendo "vou me ausentar, não vou fazer a defesa, vou
denunciar que isso é uma farsa e vou embora", nomeando um advogado dativo
e o impeachment sendo consumado, ou se aproveitava o processo para desmascará-lo,
para desnudá-lo aos olhos do povo e mostrar que aquilo era uma farsa.
Naquele
momento, me lembrei muito de uma situação que vivi na ditadura militar. Era
estudante à época, peguei o finalzinho da ditadura e me lembro de uma palestra
em que um professor foi arguido sobre como se sentiam os advogados na ditadura
sabendo que as cartas eram marcadas e que a condenação era inexorável, não
adiantava fazer nada porque a condenação era irremediável. Como se sentia o
advogado naquele momento?
E veio
uma resposta que me marcou e esteve presenta na minha cabeça durante o
impeachment de Dilma. Quando o juiz não está disposto a ouvir as razões do
advogado, quando está surdo, fale mais alto para que seus gritos sejam ouvidos
fora da sala de audiência e aqueles que estão lá fora percebam o que está
acontecendo, percebam a injustiça. No fundo, foi essa linha que nós seguimos.
A vida e a história
Há
momentos que a gente fala para a vida, e há momento que a gente fala para a
história. A gente fala para a vida quando acha que pode reverter os fatos
daquele momento, e para a história quando acha que não pode reverter, vai ser
engolido pela vida, mas precisa deixar marcado o que aconteceu, até como
exemplo para que no futuro não ocorra mais.
A
defesa foi muito isso, inclusive para mim era uma defesa em que tinha que me
controlar muito emocionalmente, foi muito difícil. Eu tinha que ter a
serenidade para dar o argumento técnico e mostrar que aquilo era uma verdadeira
palhaçada, ao mesmo tempo que não podia usar a palavra "palhaçada" e
passar do tom. Mas foi realmente um exercício de contenção interna para que
pudesse cumprir meu papel.
A determinação de Dilma
Claro
que sou amigo de Dilma, mas tenho uma admiração profunda pela força que essa
mulher tem. E naquele dia (30 de agosto de 2016, em sua defesa no Senado) que
ela ficou horas no depoimento, estava em um nível de exaustão que era
impressionante, e em alguns momentos percebi ela exausta e falava: a senhora
quer que peça que pare? O próprio presidente Ricardo Levandowski consultava:
"tá tudo bem, continuamos?". E ela dizia: "eu vou até o
fim". Uma determinação, uma força interior para vencer adversidades que
fica como exemplo para a história da combatividade de uma mulher que foi
atingida, discriminada, injustiçada, e que perdeu seu cargo de pé, lutando até
o final.
Convivi
com Dilma desde 2010, participei da coordenação da sua campanha e minha função
era acompanhar as viagens, cuidar da agenda e do jurídico. Nunca vi nada que a
desabonasse. E quando ela percebia que tinha alguma coisa errada, ela ia
violentamente para cima disso. Não foram poucas as vezes em que ela me chamou
como ministro da Justiça e dizia: "Veja o que está acontecendo lá e tome
as medidas necessárias". Não importava se fosse companheiro, amigo, inimigo.
Ela é intransigente nessa questão ética. Tenho absoluta convicção de que quem
falar alguma coisa está inventando, nunca vi absolutamente nada que pudesse
desabonar Dilma Rousseff nesse aspecto.