A senadora Gleisi Hoffmann, presidenta nacional do PT, e a
consultora jurídica da bancada do partido no Senado, em artigo especial,
derrubam a casa do procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa
lava jato.
Segundo as
articulistas, Dallagnol vende ilegalmente palestras ao contrariar o artigo 1º,
da Resolução nº 73/2011 do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) que
“não reconhece palestras como atividade docente, como determina expressamente
que o magistério somente pode ser considerado como tal se prestado em sala de
aula”.
Gleisi e Tânia historiam a escabrosa do
procurador Deltan Dallagnol, que, de acordo com elas, amealhou R$ 219 mil
apenas no ano de 2016, em 12 palestras feitas para falar da corrupção e da
operação. “Os valores percebidos neste ano de 2017 não foram informados”,
ressalvam.
“Quando a história
foi parar nos jornais, o procurador afirmou que doou ‘quase tudo’ para um
hospital no Paraná”, destacam as articulistas do PT frisando “quase tudo” – o
que significa dizer que “tudo” não foi doado a entidades filantrópicas.
Elas lembram ainda que Lula teve o sigilo
fiscal quebrado pela lava jato, acerca das palestras, mesmo o ex-presidente
tendo declarado os valores no imposto de renda.
“No caso trata-se de pessoa física, não
ocupante de cargo público, pra quem não há qualquer óbice de atividades privadas,
com ou sem remuneração”, diferenciam.
“As [palestras] de Dallagnol, exercidas
fora das normas recebem respostas vazias de sentido jurídico”.
Leia
a íntegra do artigo especial:
Sobre
Dallagnol e as palestras – os pesos e as medidas do MPF no debate da moralidade
Gleisi
Hoffmann* e Tânia Oliveira**
Em uma das investigações contra o
ex-presidente Lula, o Ministério Público Federal o acusa de fazer palestras
como forma de lavar dinheiro. A operação Lava Jato quebrou sigilo da LILS –
Palestras, Eventos e Publicações, para constatar o que já havia sido divulgado
pelo próprio ex-presidente, e que consta em suas declarações de imposto de
renda. No caso trata-se de pessoa física, não ocupante de cargo público, pra
quem não há qualquer óbice de atividades privadas, com ou sem remuneração. Como
tem sido praxe, tudo foi feito de forma espetaculosa para criar a presunção de
culpa de uma atividade exercida regularmente, na busca de atribuir-lhe alguma
espécie de ilegalidade.
De outra sorte, o coordenador da
força-tarefa da Lava Jato e procurador do Ministério Público Federal Deltan
Dallagnol recebeu R$ 219 mil apenas no ano de 2016, em 12 palestras feitas para
falar da corrupção e da operação. Os valores percebidos neste ano de 2017 não
foram informados.
Quando a história foi parar nos jornais, o
procurador afirmou que doou “quase tudo” para um hospital no Paraná, que cuida
de crianças com câncer. Em seguida, a força-tarefa da Lava Jato emitiu nota na
página do Ministério Público Federal reiterando o que já afirmado pelo
procurador, de que a atividade é autorizada pela Constituição e por normas
internas, por se tratar de atividade docente.
Diz a nota:
“… As resoluções 34/2007 do CNJ e 73/2011
do CNMP, nos termos da Constituição Federal, reconhecem que membros do PJ e do
MP podem realizar atividade docente, gratuita ou remunerada. A resolução
34/2007 expressamente reconhece que a realização de palestras é atividade
docente. É perfeitamente legal a realização de palestras remuneradas segundo o
valor de mercado, o que é uma prática comum no meio jurídico.
(…)”
Para qualquer pessoa desinteressada em
checar os argumentos postos, o texto pareceria contundente. Não resiste, porém,
nem mesmo a uma primeira leitura dos dispositivos citados. Dois pontos o
descredenciam totalmente. O primeiro é que ao Conselho Nacional de Justiça –
CNJ cumpre zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do
Estatuto da Magistratura, o que significa que membros do Ministério Público
Federal, como é o caso de Deltan Dallagnol, não estão sujeitos às resoluções do
CNJ. Portanto, a citação de uma resolução do CNJ figura na nota apenas para
conferir-lhe ilustração.
Desse
modo, ainda que Resolução do CNJ autorizasse a prática de receber pagamento por
palestras – coisa que efetivamente a Resolução nº 34/2007/CNJ não faz – estaria
restrita à atuação dos magistrados. De fato, o que faz a resolução citada, no
caput de seu art. 4º, é reconhecer palestras como atividade docente,
limitando-as, contudo, no parágrafo 6º, do mesmo artigo, às vedações
constitucionais do art. 95, da CF/88, dentre as quais o inciso IV prevê:
“Art. 95. Os juízes gozam das seguintes
garantias:
…………………………………………………………………………………….
Parágrafo único. Aos juízes é vedado:
IV – receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de
pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções
previstas em lei; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”
A menção à Resolução do CNJ é uma
tentativa de justificar a prática do procurador. Ocorre, por outro lado, que a
questão se apresenta mais grave justamente pelo texto citado por Deltan
Dallagnol e reproduzido na nota do MPF.
Logo em seu artigo 1º, a Resolução nº
73/2011 do CNMP – essa sim totalmente aplicável ao caso – fulmina a defesa do
procurador:
“Art. 1º. Ao membro do Ministério Público da
União e dos Estados, ainda que em disponibilidade, é defeso o exercício de
outro cargo ou função pública, ressalvado o magistério, público ou particular,
por, no máximo, 20 (vinte) horas-aula semanais, consideradas como tais as
efetivamente prestadas em sala de aula.” (grifamos)
Como se pode notar, o CNMP não apenas não
reconhece palestras como atividade docente, como determina expressamente que o
magistério somente pode ser considerado como tal se prestado em sala de aula.
Causa muita estranheza que o procurador tenha citado duas resoluções, uma que
não lhe socorre em nada, por não lhe ser aplicável e outra que evidencia com
toda clareza seu desvio de conduta.
Parece um daqueles estranhos casos de
convicção em sentido contrário ao que diz a norma, e de adoção de pesos e
medidas completamente distintos ao conceito de moralidade quando se trata de
averiguar a conduta de outrem e a própria. Dito de modo simples, as palestras
de Lula, exercidas dentro das leis e de forma regular, sem qualquer vedação que
as impeça e devidamente declaradas no imposto de renda assumem, de antemão, uma
pecha de suspeição. As de Dallagnol, exercidas fora das normas recebem
respostas vazias de sentido jurídico. É a linha do dito popular: “faça o que eu
digo, não o que eu faço”
A expressão “exercer o comércio”, contida
no art. 117, X, da Lei 8.112/1990, à qual todos os servidores públicos devem
obediência, não é um conceito que pode tratado de forma restritiva. A atividade
de proferir palestras em troca de valor pecuniário é certamente atividade de
mercancia. Se a lei proíbe a administração e a gerência de sociedade privada,
que são ações menores, pelos mesmos fundamentos proíbe a concepção de
empresário individual e de percepção de valores por atividade tipicamente
privada, como palestras, que configuram atos nítido exercício do comércio.
Provocado por parlamentares, resta saber
se o Conselho Nacional do Ministério Público irá cumprir com seu dever
constitucional, exigir o cumprimento de sua Resolução, da Lei 8.112/90 e da
Constituição Federal, investigando o procurador Deltan Dallagnol e
aplicando-lhe as devidas sanções, ou irá fazer jogo com a opinião pública
alimentando a falsa percepção de que se trata de mais uma ação para tentar
“barrar a Lava Jato”, jargão infelizmente usado para que alguns dos agentes
públicos envolvidos na operação atuem em desacordo com as normas impunemente.
*Gleisi
Hoffmann – Senadora da
República e presidenta do PT
**Tânia
Oliveira – assessora
jurídica da bancada do PT no Senado