Em artigo no Valor Econômico, o presidente do BNDES nos
governos Lula e Dilma, Luciano Coutinho, mostra com números que o
financiamento com compra de participação acionária que permitiram a expansão da
JBS não apenas foram negócios regulares como deram ao banco lucros
de cerca de R$ 3 bilhões
Leia o
artigo que ele publicou no Valor:
A
instabilidade política provocada pelas delações da JBS colocou em foco a
atuação do BNDES e de sua subsidiária de participações acionárias, a BNDESPar,
durante minha gestão.
Devemos
distinguir o debate substantivo quanto ao papel a ser desempenhado por um banco
de desenvolvimento da ação oportunista dos que lançam dúvidas sobre a lisura do
BNDES para desconstruí-lo.
Por
isso, mais uma vez, devo deixar claro que nos nove anos em que estive à frente
do BNDES fui testemunha de processos marcados por rigor técnico e
impessoalidade. Tive o privilégio de presidir uma instituição que, por lei,
segue orientações estratégicas de governos, mas faz isso com base em sólida
governança, decisões colegiadas, excelência profissional, efetividade e
transparência. Seu corpo técnico é íntegro e exemplar. As operações de
participação acionária da BNDESPar, incluindo as da JBS, seguiram os
procedimentos devidos, sem ingerências externas.
Com
mais de 40 anos, a BNDESPar não é uma jabuticaba. Banco Mundial, BID e países
como Alemanha, Japão, França, Itália, Coreia e China têm empresas similares de
participação acionária. A missão dessas, em geral, é capitalizar empresas
nacionais, fortalecer o mercado de capitais e administrar carteiras de valores
mobiliários com perspectiva de longo prazo.
De
2007 a 2014 a BNDESPar gerou R$ 23,8 bilhões de lucro para o BNDES. Em 2015,
por conta da forte queda dos preços do petróleo, seguiu as normas de prudência
contábil e reavaliou as ações da Petrobras, implicando resultado negativo de R$
7,6 bilhões. Ainda assim, de 2007 a 2015 acumulou lucros de R$ 16,2 bilhões. Ao
seguir à risca as regras de mercado, a BNDESPar precifica sua carteira de forma
conservadora, sem inflar resultados.
Relevante
registrar que a BNDESPar não dependeu de aportes do Tesouro. Ao contrário,
entre 2007 e 2015 gerou caixa líquido de R$ 23,2 bilhões para o Sistema BNDES.
Seus recursos próprios foram e têm sido aplicados a custo de mercado, sendo
inteiramente falsa a versão repetida por críticos de que operou a “preço subsidiado”
ou “custo zero” para sócios de empresas investidas.
Não
é verdade que a BNDESPar não recicla sua carteira. Ela vende com lucro e faz
caixa para reinvestir. Entre 2007 e 2015 vendeu nada menos que R$ 42,2 bilhões.
Precifica os investimentos (isto é, calcula o valor justo de ativos) usando
metodologia consagrada pela teoria financeira, com critérios, parâmetros e
taxas de desconto rotineiramente praticados pelo mercado.
Em
2016, a BNDESPar tinha investimentos em 23 setores e mais de 280 empresas
(diretamente ou via fundos). A diversificação permite diluir riscos de um
investimento específico e analisar o desempenho sob a ótica de carteira, não
isoladamente. O BNDES também tem sido fundamental para o desenvolvimento da
indústria de fundos. Além de ter promovido o private equity, a BNDESPar foi
pioneira no apoio a startups por meio dos fundos de capital semente (Criatecs),
assim como fomentou os de venture capital. Ao fim de 2015, tinha 40 fundos em
carteira, com 145 empresas investidas.
Ações
da JBS não deram prejuízo, mas retorno expressivo ao banco, que financiou 1,7
mil empresas do setor
Em
relação à JBS, conforme as últimas demonstrações financeiras disponíveis, a
lucratividade das operações para a BNDESPar estava em cerca de R$ 3 bilhões.
Grosso modo, o valor compara os R$ 8,1 bilhões investidos (R$ 5,6 bilhões em
JBS e R$ 2,5 bilhões em Bertin) com: R$ 457 milhões recebidos a título de
dividendos, R$ 521 milhões de prêmio de debêntures, R$ 4 bilhões das vendas de
ações realizadas e o valor das ações em carteira no total de R$ 6 bilhões
(21,3% do capital da JBS) em 31/03/2017. Outra informação importante: embora
expressivo, o valor de R$ 8,1 bilhões representou 2% dos desembolsos do banco
entre 2007 e 2010, mesmo período do apoio à empresa.
Críticos
do investimento na JBS omitem o fato de que a grande maioria das operações
contou com recursos privados, e que em sua expansão a companhia valeu-se de
expressivos financiamentos de bancos comerciais e emissão de títulos de dívida
no mercado internacional.
Há,
ainda, a alegação incorreta de que o banco concentrou seu apoio a frigoríficos
na JBS, em detrimento dos pequenos. A verdade é que entre 2005 e 2017, os
desembolsos do BNDES para empresas e cooperativas do setor de abate e
fabricação de produtos de carne atingiram R$ 17,1 bilhões, a mais de 1.700
tomadores.
Recapitulando:
diferentemente do que vem sendo dito, o BNDES não usou recursos subsidiados nas
operações de participação acionária na JBS; estas não deram prejuízo, mas
retorno expressivo; o apoio somou valor relevante, mas proporcionalmente
pequeno em relação ao conjunto das operações; o BNDES atendeu não só a JBS, mas
a milhares de companhias de todos os portes, com um volume de recursos superior
ao destinado àquela empresa.
Infelizmente,
informações distorcidas tentam amparar a tese de que o BNDES não deve atuar em
renda variável. Mas não há dúvida de que essa atuação é desejável. Isso porque
diversos projetos têm riscos que exigem o reforço do capital, impondo limites
mais rígidos de alavancagem, ou seja, de financiamento via empréstimos. Ser
acionista possibilita ter, como contrapartida ao risco, participação nos lucros
e ganhos com a valorização da empresa, em vez de apenas os juros cobrados.
Entre
2008 e 2011 esteve em vigor a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), que
identificou oportunidades de internacionalização em setores competitivos.
Naquele momento, as commodities estavam em alta, o real valorizado e o valor de
empresas estrangeiras depreciado pela crise.
Foi nesse contexto que se
intensificou a atuação do BNDES no setor de carnes, o que já ocorria desde os
anos de 1990. A internacionalização de grupos nacionais era objetivo
desafiador: visava criar novos espaços de lucratividade, expor os grupos à
competição internacional e desenvolver atividades mais nobres e complexas (inovação,
logística, marketing etc).
Também
não se pode esquecer a atuação do BNDES/BNDESPar pós-crise financeira
internacional: a ação de apoio a empresas golpeadas por prejuízos violentos
oriundos de operações com derivativos cambiais. Junto com o mercado de capitais
e bancos comerciais, o BNDES estruturou saídas para que as operações das
companhias se mantivessem. Não houve escolha voluntariosa de “campeões”, mas
ação coordenada e bem-sucedida com o sistema financeiro privado para debelar a
crise através de consolidações.
Em
resumo, é necessário olhar com objetividade para os resultados do BNDES em
renda variável. Também é preciso cautela e, sobretudo, justiça. Não podemos
permitir que o BNDES seja injustamente acusado por erros que não cometeu e nem
que ataques oportunistas logrem enfraquecer e mutilar a instituição.
Luciano Coutinho, economista, é professor convidado do Instituto
de Economia da Unicamp e presidente do BNDES entre 2007-2016. Publicado
originalmente hoje, no Valor Econômico.