Um terço dos 29 mil
presos do Paraná estão amontoados nas 174 cadeias e carceragens de delegacias,
em condições insalubres e degradantes, e sem acesso a qualquer política de
ressocialização. Essa é a principal conclusão de estudo sobre o sistema carcerário,
realizado pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná e divulgado nesta
terça-feira (4 de abril) pelo presidente, conselheiro Durval Amaral, e pelo
coordenador-geral de Fiscalização, Mauro Munhoz. "Essa condição de total
desumanidade impacta diretamente a questão da segurança pública no Estado",
declarou Durval.
O levantamento servirá de base para auditoria integrada que o TCE-PR
fará no sistema a partir de agora, dentro de seu Plano Anual de Fiscalização
(PAF) de 2017. O prazo de conclusão do trabalho é de seis meses. Durante
entrevista à imprensa, para apresentar o estudo, Durval anunciou outras duas
medidas. A primeira é a elaboração, em caráter de urgência, de um plano
estratégico para o sistema carcerário do Paraná, incluindo Governo do Estado,
Tribunal de Justiça, Ministério Público e Defensoria Pública. "Já fiz
contato com os chefes dessas instituições e a ideia foi muito bem
recebida", informou Durval.
A outra medida imediata recomendada pelo TCE-PR é que o governo
estadual redirecione recursos do empréstimo de US$ 112 milhões, concedido pelo
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), para a construção de
penitenciárias. O objetivo atual de destinação desses recursos é a modernização
das cadeias públicas e compra de equipamentos para a Polícia Civil do Paraná.
Superlotação de
cadeias e delegacias
O Mapa Carcerário, elaborado pelo Departamento Penitenciário do
Estado (Depen), órgão vinculado à Secretaria de Segurança Pública e
Administração Penitenciária (Sesp), aponta que, na última consolidação de
dados, em 25 de novembro de 2016, o Paraná possuía exatos 28.974 presos. Desse
total, 19.237 estavam nos 33 presídios mantidos pelo Depen e 9.737 (33,6%) se
amontoavam nas 174 cadeias e delegacias, distribuídas nas nove divisões
regionais, sob a custódia da Polícia Civil.
Com capacidade para 4.417 detentos provisórios, as cadeias e delegacias
tinham, naquela data, 5.320 presos além do que podiam comportar. Sua taxa de
ocupação alcançava mais de 2,2 vezes a quantidade de vagas disponíveis. O
indicador mais grave de superlotação estava na região de Londrina, com 2.398
presos além da capacidade. Embora menos grave, o excesso de presos também se
verificava nas 33 penitenciárias, espalhadas por todas as regiões do Estado.
Com 18.103 vagas para os regimes fechado e semiaberto, esse sistema apresentava,
em novembro passado, deficit de 1.134 vagas.
Prejuízo à atividade
policial
Com base em informações do Ministério da Justiça, a equipe do TCE-PR
que elaborou o estudo concluiu que a situação paranaense, de manter grande
quantidade de presos em cadeias e carceragens de delegacias - muitas delas
interditadas há anos pela Justiça -, é atípica, não verificada nos outros
Estados. A possível causa dessa situação apontada pelo estudo é o
"represamento" de detentos, provisórios e eventualmente até já
condenados, nessas estruturas precárias, devido à falta de vagas nas
penitenciárias. "Essa situação configura infração à legislação de execução
penal", afirmou o coordenador-geral de Fiscalização do TCE-PR. Segundo o
último levantamento disponível, de 2010, 30% dos presos que estavam em
delegacias já haviam sido condenados.
O estudo apontou que a necessidade de executar um trabalho que não é
dela prejudica o cumprimento legal das obrigações da Polícia Civil. Enquanto
investigadores, escrivães e delegados, em desvio de função, se ocupam da
custódia e remoção de presos de delegacias e cadeias superlotadas, contrariando
a legislação de execução penal, deixam em segundo plano a investigação de
crimes e a conclusão de inquéritos. O problema é potencializado pela falta de
servidores, já que o último concurso para os cargos de investigador e escrivão
ocorreu em 2010 e, para delegado, em 2013.
Além da responsabilidade direta do governo estadual, gestor do sistema,
o estudo aponta que a falta de integração e falhas de outros órgãos contribuem
para agravar a situação. A equipe apontou, por exemplo, que uma dessas falhas é
a falta de determinação clara, pelo Poder Judiciário, nos mandados de prisão
preventiva expedidos pelas varas de execução penal, do sistema prisional para o
qual o preso deverá ser obrigatoriamente conduzido.
Impossibilidade de ressocialização
Um terço dos presos não tem acesso a qualquer política de
ressocialização. Superlotadas e sem infraestrutura adequada, as delegacias e
cadeias não têm condições de oferecer atividades de ensino ou trabalho. Mesmo
nas penitenciárias, os índices de atendimento a esse direito não ultrapassam um
terço dos 19.210 presos.
Em dezembro de 2016, 6.076 detentos participavam de atividades
educacionais, o que correspondia a 31,63% da população total dos presídios. Mas
se forem mantidas apenas as atividades de ensino (fundamental, médio, técnico e
superior), excluindo-se atividades de redução de pena por meio da leitura, na
qual está inserida a maior parcela dos beneficiados (2.721 pessoas, ou 14,16%
do total), a participação cai para apenas 17,46% do total (3.355 presos).
Quanto às oportunidades de trabalho oferecidas pelo Depen, o estudo do
TCE-PR constatou que elas beneficiam menos de um quarto dos encarcerados. Em
dezembro, 4.700 ocupantes de presídios (24,28% dessa população) exerciam
atividades laborais na limpeza, manutenção, auxílio a atividades educacionais,
artesanato e produção de alimentos para consumo nos próprios presídios. Desse
grupo, 1.439 integrantes trabalhavam em canteiros de produção instalados por
meio de convênios firmados entre o Depen e outros órgãos públicos ou empresas
privadas. E apenas 59 detentos estavam autorizados pela Justiça a trabalhar em
empresas, sob as regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Prioridade da
fiscalização
A fiscalização do sistema carcerário do Paraná foi definida como
prioridade pelo conselheiro Durval ao tomar posse como presidente do TCE-PR, em
12 de janeiro. Para o estudo preliminar, ele designou oito servidores.
Coordenada pela analista de controle Denise Gomel, a equipe possui integrantes
da Terceira Inspetoria de Controle Externo (3ª ICE), atualmente responsável
pela fiscalização da Sesp, e da 7ª ICE, que fiscaliza outros órgãos direta ou
indiretamente ligados à questão carcerária, como o Tribunal de Justiça, o
Ministério Público Estadual e as secretarias de Educação e de Saúde.
Ao longo de dois
meses de trabalho, a equipe realizou estudos, pesquisas, entrevistas, reuniões
e visitou duas delegacias que alojam presos: a Primeira Delegacia Regional de
São José dos Pinhais e o Oitavo Distrito Policial de Curitiba. O trabalho
do Paraná vai integrar auditoria nacional no sistema prisional, coordenada pelo
Tribunal de Contas da União (TCU), da qual participam outros 21 órgãos de
controle brasileiros.
FONTE: TCE/PR