EQUIPE DE TUCUMÁN JÁ FEZ PALMEIRAS E CORINTHIANS SE UNIREM EM UM SÓ TIME
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Na foto, time atual do Atlético Tucumán: antiga equipe da cidade já uniu Palmeiras e Corinthians |
Modesto
clube do norte argentino e participante da Libertadores pela primeira vez, o
Club Atlético Tucumán se colocou no caminho do Palmeiras e ficou famoso após
epopeia no Equador e duas classificações eletrizantes. Porém, o que pouca gente
sabe é que um time da província de Tucumán tem conexão com uma das histórias
mais ricas ligando Palmeiras e Corinthians.
O episódio é cheio de curiosidades: em janeiro de 1930, o selecionado de
Tucumán, segundo colocado do campeonato argentino de Ligas de 1929, veio ao Brasil
em busca de fortes amistosos. Na época, Palmeiras (ainda Palestra Itália) e
Corinthians formavam a base da seleção paulista e foram contatados pelos
tucumanos.
Os rivais deixaram suas diferenças de lado e selaram que um combinado
Palestra/Corinthians seria formado para um amistoso contra os argentinos. Um
fato incrível quase desconhecido, redescoberto pelo jornal "Lance!".
UM
COMBINADO HISTÓRICO
O combinado Palmeiras/Corinthians só aconteceu quatro vezes na história
(1917, 1929, 1930 e 1992), tendo vitórias em todas as ocasiões (veja detalhes
dos jogos em galeria no começo da nota). O duelo contra os tucumanos foi o
último jogo de um combinado Palmeiras/Corinthians no estado de São Paulo.
DESAFIANTE
ELOGIADO E UM JOGO CHEIO DE INGREDIENTES
O selecionado de Tucumán começou sua saga pelo Brasil no Rio de Janeiro.
Na Cidade Maravilhosa, goleou o América por 6 a 2, empatou com o Vasco por 1 a
1, empatou por 3 a 3 com a seleção B do Rio e só perdeu para a seleção A do
Rio, por 3 a 2. Os resultados foram elogiados pelos jornais e o time partiu
para São Paulo bem credenciado.
No entanto, em 26 de janeiro de 1930, os argentinos foram goleados por 4
a 1 pelo Palestra Itália. O árbitro da partida foi o lendário Arthur
Friedenreich, considerado por muitos como o primeiro craque do futebol
brasileiro. Na época, era comum que jogadores apitassem duelos.
Fried, que estava indo para o recém-fundado São Paulo após o fim do
futebol do Paulistano, se animou para jogar pelo Palestra/Corinthians contra os
tucumanos quatro dias depois de atuar como juiz. A junção de grandes clubes com
o astro do momento mobilizou São Paulo para a tarde de 30 de janeiro.
"A expectativa que logrou despertar o encontro entre os
vice-campeões da Argentina e o combinado Palestra/Corinthians contribuiu para
que, à tarde, se movimentasse extraordinariamente a cidade, com as correntes
humanas que se orientavam em direção ao gramado do Palestra Itália. Apesar
de útil (era uma quinta-feira), o dia de hoje não impediu por esse lado, que a
segunda exibição dos argentinos entre nós se fizesse debaixo de intensa
ansiedade e perante numerosa assistência". Assim o jornal "Folha da
Noite" de 30 de janeiro, reproduzido aqui com a grafia da época, retratou
a chegada dos torcedores ao estádio do Palmeiras. Não se falou o número de
presentes, mas as fotos mostram que o Parque Antártica esteve cheio. No
período, o estádio tinha capacidade aproximada para 20 mil pessoas.
A torcida, além da expectativa de ver os craques do Palestra e do
Corinthians lado a lado, estava com saudades de conferir de perto o futebol de
Friedenreich. O astro vinha jogando a liga amadora de São Paulo desde 1926, com
o Paulistano, enquanto Palmeiras e Corinthians disputavam o Paulista organizado
pela Associação Paulista de Esportes Atléticos, que já flertava com o
profissionalismo - colocado em prática em 1933. Com tantos atrativos, nem a
chuva que caiu naquela tarde afastou o público do Parque Antártica.
Pesquisador palmeirense, José Ezequiel Filho conversou com o LANCE!
sobre o amistoso e fez um comparativo para explicar a grandeza dos nomes
envolvidos.
- Seria a mesma coisa que fazer, na década de 60, um combinado entre
Santos e Palmeiras colocando o Garrincha - disse José Ezequiel, que também
explicou a existência de uma boa relação histórica entre Palmeiras e
Corinthians nos bastidores, apesar da rivalidade que completa 100 anos agora em
2017.
- A rivalidade já era grande há 87 anos, mas sempre houve diálogo entre
os clubes, desde o começo da história, e isso possibilitou a formação do combinado
em 1930. Mesmo existindo a rivalidade em campo, os times sempre souberam
conversar. Um exemplo: quando a Catedral da Sé precisou de verba para obra no
teto, Palmeiras e Corinthians se organizaram e fizeram um amistoso cuja renda
foi revertida para a igreja. Fora de campo, Palmeiras e Corinthians sempre
dialogaram - destacou José Ezequiel Filho.
MAIS
DUAS CURIOSIDADES
O amistoso também serviu para o Palestra Itália arrecadar verbas para a
reforma do estádio, obra que viria a acabar três anos depois. Cada diretor do
clube presente no jogo doou 20 mil reis, R$ 400 na conversão para o real hoje.
Outra curiosidade da partida foi o árbitro. O apito esteve sob o comando
do centroavante Luiz Mattoso, o Feitiço, craque do Santos na época. Feitiço é,
ainda hoje, o quinto maior artilheiro do Peixe, com 214 gols em 151 jogos.
Uma preliminar entre os times B de Palestra e Corinthians abriu a tarde.
No fim, empate por 1 a 1, mas o principal estava por vir com o jogão das 16h05.
Friedenreich, então com 37 anos, foi aclamado pela torcida antes de a
bola rolar. E não demorou muito para o centroavante mostrar sua categoria,
apesar do lamaçal pela chuva. A primeira finalização do combinado foi dada pelo
atacante.
"Fried alveja o canto esquerdo da meta contrária, bem defendida por
Sanchez. El Tigre inicia a sua technica. Os seus passes e avançadas são
magistraes". O relato da "Folha da Manhã" de 31 de janeiro de
1930 eternizou a categoria do craque naquele duelo. Ele não balançou a rede,
mas teve grande atuação e deu assistências para o quarto gol, de Ministrinho, e
para o quinto gol, marcado por Heitor, este que também merece uma citação
especial.
Heitor fez três gols naquele dia. Centroavante do Palestra Itália entre
1916 e 1931, ele é até hoje o maior artilheiro do Palmeiras, com 327 gols em
358 partidas. Heitor e Friedenreich foram campeões, pela Seleção Brasileira, do
Sul-Americano de 1919, o primeiro título da história da Seleção.
No jogo contra o selecionado de Tucumán, momentos antes do apito
inicial, Fried intermediou a paz entre Heitor e Del Debbio, zagueiro do
Corinthians e defensor do combinado. A descrição do momento pela "Folha da
Noite" de 30 de janeiro exalta a figura de Fried no curioso episódio:
"Heitor e Debbio, por intermédio de Fried, fazem as pazes. O grande
campeão é, além de tudo, um anjo da paz".
FICHA TÉCNICA
Combinado Palestra Itália/Corinthians: 5 x 2 Selecionado de
Tucumán
Data e hora: 30/01/1930
- 16h05
Local: Parque
Antártica, São Paulo (SP)
Público: Aproximadamente
20 mil presentes
Árbitro: Luiz
Mattoso (Feitiço)
Gols: Heitor
(15', 1ºT - 1x0), Martinez (contra, 20, 1ºT - 2x0); Heitor (5', 2ºT - 3x0),
Jara (8', 2ºT - 3x1), Ministrinho (9', 2ºT - 4x1), Maidana (18', 2ºT - 4x2) e
Heitor (40', 2ºT - 5x2)
Combinado Palestra Itália/Corinthians: Tuffy (C); Grané (C) e Del Debbio (C); Pepe (PI),
Goliardo (PI) e Serafini (PI); Ministrinho (PI), Heitor (PI), Friedenreich (São
Paulo), Rato (C) e De Maria (C)
Selecionado de Tucumán: Sanchez; Alberti e Martinez; Ibanez, Ferreyra e
Pacco; Jara, Rivarola, Maidana, Albernoz e Ruiz
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