GLEISI: “ESCOLHA
DE MORAES É ESCANDALOSA,
UM DEBOCHE”
A nova líder do PT no
Senado, Gleisi Hoffmann, chega ao cargo que confessa ter sempre ambicionado
numa hora difícil para seu partido, que voltou à oposição após governar o país
por mais de 13 anos e agora enfrenta um governo impopular na sociedade, mas sustentado
por uma maioria avassaladora no Congresso. Ex-ministra-chefe da Casa Civil de
Dilma, integrante da ala mais combativa do partido, ela lutou como uma leoa
contra o golpe do impeachment e foi contra a participação do PT na Mesa
diretora de maioria governista. Nesta entrevista ao 247, ela diz que o PT
“combaterá incansavelmente o governo ilegítimo e fruto de um golpe”, promete
resistência e combate às reformas previdenciária e tributária e avisa:
“Soubemos governar e sabemos fazer oposição. Vamos cumprir este papel com muita
garra e disposição”.
Na
sexta-feira já não restavam senadores em Brasília, mas Gleisi, com o gás de
estreante, teve seu primeiro encontro com a equipe da liderança do PT no
Senado, que terminou com um café da manhã tardio e um bolo pelos 37 anos do PT.
Ganhou flores e louvores feministas – ela é a primeira líder mulher desde 2009,
quando Ideli Salvati deixou o cargo – e conheceu os colaboradores, procurando
saber o que faz cada um. Marcou reuniões e solicitou providências. Tais
Ladeira, coordenadora de comunicação social, apresentou o novo portal
da liderança na Internet, agora mais interativo e multimídia.
Segue a entrevista da
senadora:
Como será o PT sob sua liderança, agora na oposição e enfrentando
uma maioria governista que atua como rolo compressor no processo legislativo?
Primeiramente quero
dizer que para mim é uma felicidade muito grande liderar a bancada do PT no
Senado. Penso nisso desde o início do meu mandato, mas ainda não era minha
hora. Depois fui para a Casa Civil, retornei ao Senado e agora assumo a
liderança com muita alegria. É uma honra liderar esta bancada, que tem feito
história em nosso partido e no Parlamento, numa hora de grandes desafios.
Devemos nos firmar como oposição sistemática, denunciadora, mas propositiva. O
PT já governou este país, tem experiência em formular e gerir políticas
públicas bem sucedidas, acumulou conhecimento sobre os problemas e as soluções
necessárias à economia, produziu avanços inegáveis no campo social, deixou um
legado de projetos importantes na infraestrutura e tem um diagnóstico claro
sobre a crise que o país enfrenta. Nós vamos combater incansavelmente este um
governo ilegítimo, fruto de um golpe, um governo impopular que vem levando o
Brasil a uma situação de terra arrasada em todos os campos. Vamos criticar,
vamos denunciar, mas sempre mostrando à população que existem alternativas, que
é possível tirar a economia desta estagnação e que não podemos permitir a
retirada de direitos, através das reformas previdenciária e trabalhista. Elas
ameaçam direitos conquistados pelo povo brasileiro, com muita luta, desde a
criação da CLT, passando pela Constituição de 1988 e pelos governos Dilma e
Lula. O PT vai ter um papel importante nesta legislatura, denunciando tudo isso
e apresentando soluções.
A senhora acredita que haverá resistência popular às reformas?
Certamente, o povo
brasileiro não aceitará passivamente este esbulho de seus direitos. O PT e sua
bancada serão a voz dos movimentos sociais e dos trabalhadores dentro do Senado
da República. Temos que trazer para cá as reivindicações da sociedade
brasileira e garantir que a voz das ruas ecoe neste Senado. Este é o nosso
papel agora. Soubemos governar e sabemos fazer oposição. Vamos cumprir este
papel com muita disposição de luta.
Barrar as reformas previdenciária e trabalhista é a grande
prioridade da bancada?
Sim, sem dúvida esta é
a prioridade absoluta, pois estas reformas representam grandes ameaças e
retrocessos para a maioria dos brasileiros. Levamos 500 anos para ter um
sistema de seguridade que estabeleceu na Constituição, como direitos
universais, a saúde, a assistência social e a previdência. E agora, passados
apenas 30 anos, já querem desmontar tudo isso. Os que estão governando este
país, com apoio da maioria deste Congresso, estão olhando para os interesses da
elite, do sistema financeiro, do grande empresariado. Não estão pensando no
povo pobre. Ao propor estas reformas, o governo ilegítimo de Temer trata as
pessoas como números nas estatísticas. Eles não conhecem o Brasil, não sabem
como vivem os brasileiros, não conhecem as dificuldades que os mais pobres
enfrentam. Então vamos resistir às reformas trabalhista e previdenciária e
tenho certeza de que o povo brasileiro vai se mobilizar em defesa destas
conquistas. Nenhum direito a menos, esta é a palavra de ordem.
A senhora foi contrária à participação do PT na Mesa diretora,
sustentando que os petistas não poderiam voltar em golpistas. Como líder, a
senhora poderá dialogar com o governo sobre temas de interesse do país, como
medidas para a retomada do crescimento?
Depende muito do que
venham a propor, a oferecer ao Brasil. Com as propostas e medidas que já
apresentaram, não temos como concordar. Esta semana a equipe econômica do
governo, e também aqui os senadores governistas festejaram muito a queda da
inflação em janeiro. De fato caiu, foi o menor índice de um janeiro na série
histórica. Mas o que isso significa? Qual foi o preço deste indicador? A
inflação caiu por conta da recessão, não da ligeira queda nos juros ou de
qualquer outra iniciativa. Estão matando o paciente para curar a doença. A
inflação caiu porque as pessoas não têm emprego, não têm renda, não podem
comprar, a economia não gira. Então quem vende tem que baixar o preço. Enquanto
a política for esta, não temos como dialogar. Não temos o que conversar sobre a
reforma da Previdência e a reforma trabalhista, que retirando direitos não irão
resolver a questão fiscal nem tornar o empresário brasileiro mais competitivo.
Nós precisamos de uma política econômica que seja voltada para a recuperação da
economia e aí vejo duas coisas como importantes. Primeiro, enfrentar o problema
dos juros. Não podemos continuar com esta taxa Selic estratosférica. Caiu muito
pouco e o ritmo de queda vem sendo muito lento. Enquanto a Selic remunerar
títulos públicos nós não vamos conseguir baixar juros no Brasil. Os aplicadores
conseguem uma remuneração de 13%, que é um retorno maior que o propiciado por
qualquer outro investimento. Então, aplicam em títulos públicos, é seguro, é
garantido. Todos querem isso: aplicadores individuais, bancos, fundos de
pensão... Com isso, o dinheiro é subtraído da economia produtiva e injetado na
engrenagem financeira. Então a Selic não pode ficar no patamar atual e os
títulos públicos não podem continuar indexados a ela. Esta seria uma grande
medida para sairmos da crise. Em segundo lugar, precisamos injetar dinheiro na
economia. As empresas não estão colocando porque estão inseguras com este governo
ilegítimo. Como vem dizendo o presidente Lula, a confiança só voltará com um
governo eleito pelo povo. AS famílias também não colocam dinheiro na economia
porque perderam renda e empregos. Então, quem vai colocar? Teria que ser o
Estado, mas o que vemos é o BNDES devolvendo R$ 100 bilhões para o Tesouro
Nacional, um dinheiro que poderia ter sido utilizado para oferecer crédito a
grandes, pequenas e médias empresas, contribuindo para o aquecimento da
economia. Os programas sociais, que funcionam como dinamizadores das economias
locais, especialmente no interior, também estão sendo cortados. Uma medida
importante seria aumentar o número de parcelas do seguro-desemprego no momento
em que temos 12 milhões de desempregados. A lei permite isso, aliás. Seria uma
forma de garantir alguma renda às pessoas que estão impedidas de consumir. Lula
fez isso na crise de 2008/2009 e deu resultados. Garantiu o crescimento real do
salário-mínimo mesmo com o PIB caindo, uma medida que alcança não só
trabalhadores, mas também aposentados, e isso ampliou o volume de recursos em
circulação. É preciso aumentar o valor do Bolsa Família e dinamizar a faixa 1
do Minha Casa Minha Vida. Não a faixa 3, para os de maior renda. O dilema é
este. Ou injetamos dinheiro na população ou não levantaremos a economia.
Como estas medidas que a senhora sugere vão na contramão do que
pensa e vem fazendo o governo, não há clima para dialogar...
É isso. Afora o fato
de terem dado um golpe, violado a Constituição, depondo uma presidente eleita
que não cometeu crime de responsabilidade, eles não têm qualquer interesse em
negociar ou dialogar. A coalizão reunida para dar o golpe agora funciona como
rolo compressor para aprovar a agenda neoliberal e regressiva que está em
curso.
O PT tem sido cobrado a combater energicamente esta indicação do
ex-ministro da Justiça Alexandre de Moraes para o STF. Como vai ser a atuação
da bancada?
Podem esperar do PT um
combate renhido a esta indicação, que já parte de um vício de origem. Como pode
um governo ilegítimo indicar um ministro para o Supremo Tribunal Federal? E
depois, os questionamentos são muitos. Não porque ele tenha filiação
partidária. Outros ministros também tiveram, antes da serem indicados. Mas no
momento em que vivemos, de crise nas instituições, crise política, insegurança
jurídica, uma operação como a Lava Jato em curso, dezenas de figuras do governo
delatadas, e sabendo que o ocupante desta vaga será o revisor dos processos da
Lava Jato em plenário, esta escolha de alguém tão comprometido é escandalosa, é
um deboche que nós, do PT, e todos os senadores do bloco da oposição, iremos
combater frontalmente na Comissão de Constituição e Justiça.
A senhora esteve com o ex-presidente Lula nesta quinta-feira, na
missa de sétimo dia da morte de dona Marisa Letícia. O PT pensava lançar a
candidatura dele a presidente ainda neste primeiro semestre do ano. Com este
revés pessoal que ele sofreu, os planos e o calendário mudam?
O Lula é uma pessoa
muito forte. Sem dúvida a morte de dona Marisa foi um duro golpe para ele. No
final da missa ele fez uma fala muito emocionante, chorou muito, foi muito
tocante. Mas ele é um ser político, tem a política no sangue, sabe que pode
contribuir com o país e está triste por ver a destruição de tudo o que foi
construído no governo dele e no de Dilma. Não tenho dúvida de que ele vai
retirar muita energia desta dor que está vivendo e será nosso candidato a
presidente.
O lançamento será no congresso partidário de junho?
Não sei. Eu
pessoalmente defendo que seja. Lula vem aí.
BRASIL 247