Gilmar Mendes critica antecipação e aponta abusos na condução dos acordos
Em sessão plenária realizada nesta quarta-feira (9), o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou a análise da legalidade da execução imediata das cláusulas de perdimento de bens previstas em acordos de colaboração premiada, firmados entre réus da Operação Lava Jato e o Ministério Público Federal (MPF). A matéria, originalmente debatida no plenário virtual, foi levada ao plenário físico por pedido de destaque do ministro Dias Toffoli. A informação é do site Migalhas.
Durante a sessão, os ministros Edson Fachin, relator do caso, e Gilmar Mendes apresentaram votos com posicionamentos opostos. Devido ao avançar da hora, o julgamento foi suspenso e será retomado nesta quinta-feira (10).
O cerne da discussão gira em torno da possibilidade de executar a perda de bens antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. As defesas dos colaboradores argumentam que essa medida fere garantias constitucionais e só poderia ser aplicada após decisão definitiva da Justiça, conforme o artigo 7º da Lei 9.613/98, que trata dos crimes de lavagem de dinheiro.
Para o relator Edson Fachin, porém, as cláusulas de perdimento firmadas em delações premiadas têm validade imediata e não dependem de condenação judicial. “O perdimento acordado não se confunde com o efeito secundário de uma condenação penal. Trata-se de obrigação voluntariamente assumida pelo colaborador para devolver aos cofres públicos os valores de origem ilícita que confessadamente detém”, afirmou.
Fachin ressaltou ainda que a exigência de sentença definitiva comprometeria a eficácia do modelo de justiça penal negocial, uma vez que os acordos são firmados com base na cooperação entre réu e Estado, em troca de benefícios jurídicos. “Ao se aguardar o trânsito em julgado, permitir-se-ia que o colaborador usufruísse livremente de patrimônio obtido ilicitamente, ignorando a própria confissão registrada nos autos”, declarou.
De acordo com o ministro, a homologação do acordo judicial limita-se à verificação da legalidade, regularidade e voluntariedade, sem espaço para interferência no conteúdo pactuado entre as partes. Ele destacou ainda o papel estratégico da colaboração premiada na recuperação de ativos ilícitos e combate à corrupção. Segundo dados apresentados por Fachin, mais de R$ 2 bilhões foram recuperados em processos sob sua relatoria na Lava Jato.
Por outro lado, o ministro Gilmar Mendes inaugurou a divergência, adotando uma postura crítica em relação à antecipação dos efeitos penais pactuados nos acordos. Para ele, a execução do perdimento de bens só deve ocorrer após o trânsito em julgado, sob pena de violação ao devido processo legal.
“A negociação em contexto de ameaça à liberdade ou ao patrimônio pode parecer conveniente, mas não é livre. Não se negocia sob coerção verdadeira justiça”, alertou Mendes. O decano do STF argumentou que, ao admitir o cumprimento antecipado de penas sem julgamento definitivo, corre-se o risco de erros judiciais e abusos institucionais.
Gilmar Mendes também fez duras críticas à forma como os acordos foram celebrados no contexto da Lava Jato, classificando-os como marcados por “graves vícios de consentimento”. Referindo-se às revelações da Operação Spoofing, que apontaram suposta colaboração irregular entre procuradores e o então juiz Sergio Moro, o ministro afirmou que as práticas utilizadas “minaram a segurança jurídica e violaram garantias fundamentais”.
Segundo o ministro, o uso de medidas como a prisão preventiva para coagir delações e a imposição de cláusulas ilegais são exemplos de um modelo de persecução penal que extrapolou os limites do Estado de Direito. “Admitir a antecipação automática de penas, sem denúncia, processo ou julgamento, por mais popular que pareça, é cruzar a última linha que separa o Estado de Direito do Estado Policial”, concluiu.
Fonte: Brasil 247 com informações do site Migalhas
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