
Um grupo de juristas criticou o processo de cassação contra o deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) que tramita na Câmara. O Conselho de Ética da Casa aprovou um parecer a favor da perda de mandato do parlamentar na última semana.
Em nota pública, os juristas afirmam que o conselho já analisou casos envolvendo acusações de agressões físicas e “comportamentos considerados incompatíveis com o decoro parlamentar”, mas sempre aplicou “sanções mais brandas”.
O grupo, formado por juristas como Tarso Genro, Carol Proner e Kakay, aponta que uma eventual cassação do psolista pode “violar o princípio da confiança legítima” e configuraria uma “punição com viés político ou simbólico excessivo”. Leia a nota na íntegra:
NOTA PÚBLICA DE JURISTAS EM FACE DA AMEAÇA DE CASSAÇÃO DE MANDATO DO DEPUTADO GLAUBER BRAGA
O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (9) representação que pede a cassação do deputado Glauber Braga (Psol-RJ) por quebra de decoro parlamentar. Por 15 votos favoráveis e 4 votos contrários, os integrantes do Conselho aprovaram o parecer do relator, deputado Paulo Magalhães (PSD-BA), que recomenda a perda do mandato do deputado Glauber Braga.
No parecer o Relator trouxe como fundamentos ter havido agressão física, considerando que o deputado teria agido de forma desproporcional ao expulsar militante do Movimento Brasil Livre (MBL), das dependências da Câmara dos Deputados.
Considerou pois ter havido violação ao decoro parlamentar, entendendo que as ações do parlamentar seriam “incompatíveis com o decoro exigido dos parlamentares, conforme o Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara”.
Formalmente o parecer se fundamenta no Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, que estabelece que os parlamentares devem manter conduta compatível com o decoro, tratando com respeito os colegas, servidores e cidadãos que visitam a Casa.
Esse enquadramento formal não tem sido o modo material como se fixa a jurisprudência da própria Comissão de Ética, e é caracterizada mais por um juízo político sobre valorizar e ponderar as condutas. Assim que, nos debates, precedentes à deliberação, a disputa se deu exatamente em relação ao alcance da materialidade necessária, se proporcional a conduta, principalmente quando comparada a situações equivalentes em registros de ocorrências já examinadas pela Comissão, pela CCJ e pelo Plenário da Câmara.
Com efeito, o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados já analisou casos semelhantes ao do deputado Glauber Braga, envolvendo alegações de agressão física ou comportamentos considerados incompatíveis com o decoro parlamentar.
No geral, em todos esses casos, sem carrear juízos comparativos entre os indiciados ou a suas inscrições partidárias – empurrões em reunião, ofensas verbais, comportamentos agressivos – o Conselho optou por arquivar as representações ou a aplicar penalidades não capitais, mas penalidades graduais – censura verbal, suspensão de mandato – considerando o contexto das ações e a proporcionalidade das sanções.
A decisão do Conselho de Ética de recomendar a cassação de Glauber Braga, mesmo diante de precedentes em que penalidades mais brandas foram aplicadas, indica uma interpretação mais rigorosa da quebra de decoro parlamentar neste caso específico, mais ainda, indica um afastamento que só se justifica por uma intensificação polarizada de antagonismos políticos, que acaba por retirar justa causa ao sistema de sanções principalmente no plano ético.
A questão posta nesses termos, toca fundamentos centrais da teoria do delito, do devido processo legal substancial e dos princípios constitucionais e convencionais de limitação do poder punitivo do Estado, inclusive em sua manifestação no parlamento.
Primeiro, pelo afastamento dos precedentes e imprevisibilidade das sanções, ao exame de posicionamentos anteriores do próprio Conselho. Mesmo na teoria do delito e, especialmente, no campo da dogmática penal garantista, como pensada por Luigi Ferrajoli, Eugenio Raúl Zaffaroni, e em certa medida por Claus Roxin, a sanção deve observar um princípio de proporcionalidade, não só com o fato praticado, mas com os precedentes aplicados a condutas similares.
Se a Câmara vinha aplicando sanções mais brandas em casos semelhantes — empurrões, agressões verbais ou até físicas em certos contextos — a intensificação agora pode violar o princípio da confiança legítima e da previsibilidade da sanção, que compõem o devido processo legal substancial.
Em segundo lugar, pela afronta à justa causa e à tipicidade sancionatória, voltando à teoria do delito penal, uma vez que a justa causa é o que dá fundamento legítimo à persecução penal ou sancionatória. Na seara ética-parlamentar, ela se traduz na existência de elementos concretos que, juridicamente, justifiquem o uso do poder punitivo disciplinar de forma proporcional e necessária.
Se a conduta do deputado se deu em reação a uma provocação direta, num contexto de forte tensão emocional — e se isso for reconhecido — pode haver elementos de atenuação de culpabilidade (como o estado de emoção violenta), o que deveria ser considerado na dosimetria da sanção.
Em terceiro lugar, do ponto de vista dos princípios constitucionais e convencionais no âmbito internacional dos direitos humanos, há importantes princípios que limitam a severidade da pena:
Princípio da proporcionalidade (CF/88, art. 5º, LIV + jurisprudência do STF e STJ).
Proibição de penas cruéis, desumanas ou degradantes (Pacto de San José da Costa Rica, art. 5º).
Princípio da intervenção mínima (última ratio), também aplicável em contextos sancionatórios administrativos ou parlamentares.
A sanção tem função remissiva da pena— tão valorizada na doutrina humanista, na jurisprudência do STF, naquela da Corte Europeia de Direitos Humanos e nas decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos. No Brasil, essa proporcionalidade tem fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), e nos Tratados e Convenções Internacionais de Direitos Humanos. A pena não deve ser instrumento de represália institucional, de lawfare (cuidado essencial, em época de polarização tensa das relações políticas), mas de reprovação ética proporcional, considerando a complexidade dos fatos, antecedentes e contexto de provocações e reações recíprocas. O princípio da proporcionalidade, desde que enunciado pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha tornou-se, pelo diálogo saudável dos Tribunais nacionais e internacionais, fundamento de todo o direito sancionatório. A desatenção a tal equilíbrio entre conduta e sanção pode levar à intervenção judicial – nacional e subsidiária internacional -, prejudicando o andamento da vida parlamentar, que se deve valorizar sobremaneira, na medida da legitimidade da representação política.
Em conclusão, a intensificação da sanção sem observância dos precedentes, da proporcionalidade e da função ético-pedagógica da pena pode ser caracterizada como violação do princípio da legalidade material, do devido processo substancial e da dignidade da pessoa humana. Além disso, pode configurar uma punição com viés político ou simbólico excessivo, que se afasta dos fundamentos racionais e garantistas que deveriam reger o sistema de responsabilização parlamentar, desfigurando o equilíbrio que o Parlamento deve sublinhar em suas deliberações, tão importante para o juízo democrático de legitimidade da representação.
Para esses fundamentos, desde que o deputado Glauber Braga já se manifestou em sentido recursal, além de sua estoica objeção à própria moralidade da situação, é de se esperar um juízo ad quem da CCJ e em instância final parlamentar, do nobre Plenário da Câmara dos Deputados.
Brasília, 15 de abril de 2025
- José Geraldo de Sousa Junior, professor Emérito da Universidade de Brasília, ex-Diretor da Faculdade de Direito e Ex-Reitor da UnB; membro benemérito do Instituto dos Advogados Brasileiros;
- Alfredo Attié, Presidente da Academia Paulista de Direito;
- Alexandre Bernardino Costa, Diretor da Faculdade de Direito da UnB;
- Cezar Britto, advogado, integrante da Associação Brasileira dos Juristas pela Democracia (ABJD) e da , Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP). Ex-presidente da OAB NACIONAL e da União dos Advogados da Língua Portuguesa (UALP)Ana Paula Daltoé Inglêz Barbalho, advogada, presidente da Comissão Justiça e Paz de Brasília;
- Tarso Genro, ex-Governador do Rio Grande Do Sul e ex-Ministro da Justiça;
- Carol Proner, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD.;
- Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay, advogado;
- Melillo Dinis do Nascimento, advogado em Brasília-DF, Doutor em Ciências Sociais e Jurídicas, Diretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE);
- José Eymard Loguércio, advogado, sócio de LBS, assessor jurídico nacional da CUT/Brasil, integrante da Rede Lado;
- Pedro Armando Egydio de Carvalho, Procurador do Estado de São Paulo;
- Benedito Mariano, ex-Ouvidor das Polícias do Estado de São Paulo;
- Antonio Escrivão Filho, professor da Faculdade de Direito e Coordenador do Núcleo de Estudos para a Paz e os Direitos Humanos da UnB;
- Lívia Gimenes Dias da Fonseca, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília;
- Gladstone Leonel Jr – Professor de Direito da UnB;
- Renata Vieira, advogada OAB/DF e Mestre em Direitos Humanos e Cidadania/UnB;
- Talita Tatiana Dias Rampin, professora da Faculdade de Direito da UnB.;
- Diego Vedovatto, advogado;
- Miguel Pereira Neto, Advogado;
- Rafael Modesto dos Santos, advogado;
- Edemir Henrique Batista, advogado;
- Gabriel Dário, Advogado e articulador da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – RENAP/DF;
- Iara Sanches Roman, advogada.;
- Charlotth Back, advogada e integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD;
- Ney Strozake, advogado integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD
Fonte: DCM
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