segunda-feira, 21 de abril de 2025

"Francisco foi a cabeça progressista de um corpo conservador", diz Frei Betto sobre o legado do Papa

Frei Betto também analisou as tensões geopolíticas que devem influenciar o próximo conclave que vai escolher o sucessor do papa

       Frei Betto (Centro) em encontro com o Ppa Francisco (Foto: Reprodução/Redes sociais)

O frade dominicano e intelectual brasileiro Frei Betto, um dos nomes mais respeitados da teologia e do pensamento progressista no país, fez uma análise sobre o legado do Papa Francisco e os desafios que a Igreja Católica enfrentará na escolha de seu sucessor. O Papa Francisco, primeiro líder latino-americano da Igreja Católica, faleceu nesta segunda-feira (21), aos 88 anos.

Em entrevista ao programa Bom dia 247, Frei Betto destacou os avanços e as limitações do pontificado de Francisco, além das disputas políticas que devem marcar o próximo conclave.

“Estamos diante da perda de uma figura inestimável que marcou o nosso século, o nosso tempo e a nossa Igreja Católica”, afirmou Frei Betto, que teve a oportunidade de se encontrar com o Papa em agosto de 2023, no Vaticano. “Ele tinha um apreço por mim e eu uma profunda admiração por todo o trabalho que ele vinha fazendo.”

Frei Betto destacou que dois papas mais reformadores da história recente da Igreja foram João XXIII, que convocou o Concílio Vaticano II, e Francisco, que tentou implementar seus desdobramentos. “Durante seus 12 anos de pontificado, Francisco convocou vários sínodos para tentar colocar em prática o que o Concílio determinou entre 1962 e 1965.”

Segundo Frei Betto, o grande entrave foi a resistência de setores conservadores dentro da Igreja. “Tivemos 34 anos de pontificados conservadores, com João Paulo II e Bento XVI. Então, o que tínhamos nesses 12 anos era uma Igreja como um corpo conservador e uma cabeça progressista.”

Entre as reformas que Francisco tentou, mas não conseguiu implementar, Frei Betto citou o fim do celibato obrigatório e o acesso das mulheres ao sacerdócio. “Francisco foi o único Papa da história a convocar um sínodo indígena”, lembrou. “Ele queria que sacerdotes indígenas pudessem ser casados, porque no mundo indígena é inconcebível um adulto solteiro. Mas isso não foi aprovado.”

O frade ressaltou também a liderança de Francisco em temas ambientais e sociais. “Foi o primeiro Papa a publicar uma encíclica em defesa da natureza, a Laudato Si. E obrigou todos os sacerdotes a aceitarem o batismo de filhos de casais homoafetivos, além de permitir a bênção a esses casais, embora ainda não como sacramento canônico.”

Para ele, Francisco escolheu não impor suas reformas. “Ele não quis usar esse poder absoluto porque sabia do risco de um cisma na Igreja. Preferiu conduzir as mudanças por meio do diálogo e da convocação de sínodos.”

Frei Betto também comentou as tensões geopolíticas que devem influenciar o próximo conclave, com pressões vindas da extrema-direita mundial. “Os conservadores acreditam que, ao retroceder, a Igreja vai recuperar fiéis. Eles querem voltar à Igreja autoritária de Pio XII, que falava mais do demônio e do pecado, uma imagem terrível de Deus vingador.”

Sobre a sucessão papal, ele acredita que o cenário está aberto e que surpresas podem acontecer, como ocorreu com a eleição do próprio Francisco. “Ninguém tem bola de cristal. Mas minha previsão é que o pontificado voltará às mãos de um italiano, provavelmente um cardeal progressista nomeado por Francisco.”

Fonte: Brasil 247

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