Ex-presidente revela como percebeu que sua missão era liderar o país em um momento de profundas preocupações com os rumos da recém-nascida democracia
O ex-presidente José Sarney relatou que enfrentou uma depressão durante o processo de transição democrática, mas conseguiu superá-la ao ser convencido da importância do papel que lhe coube após a morte de Tancredo Neves, em 1985. "Tive uma depressão, mas superei esse problema rapidamente. Essa é a pior doença que tem no mundo porque é uma doença da alma, não é do corpo", disse.
A entrevista foi veiculada pela Folha de São Paulo neste sábado (15), data que marca os 40 anos do fim da ditadura militar no Brasil, com a posse de Sarney como presidente, encerrando um regime que perdurou por 21 anos. Seu principal legado é a condução bem-sucedida da transição democrática.
"Depois que renunciei ao PDS [partido que apoiava a ditadura], achava que não teria nenhuma presença na política nacional. Mas, a partir daí, o Ulysses ficou insistindo comigo para que eu aceitasse apoiar o Tancredo. Fizemos, então, um grupo: eu, Aureliano, Marco Maciel. Teve um peso muito grande, me obrigou a aceitar".
"Depois que eu deixei a presidência [do PDS], o Tancredo me visitou para pedir que eu o apoiasse e depois me chamou a Minas Gerais. Mas, nesse período, eu tinha maior relação com o Ulysses, que fez uma catequese muito grande comigo. Eu digo que o Ulysses me namorou dois meses para essa posição [risos]".
O ex-presidente também revelou que tinha preocupações profundas com os rumos da recém-nascida democracia brasileira. "Eu não queria assumir a Presidência, queria esperar o Tancredo [que estava hospitalizado]. Houve a necessidade de assumir porque todos achavam, inclusive Ulysses e Tancredo, que, depois de uma luta tão grande para chegar àquele momento, se nós tivéssemos qualquer dúvida sobre quem assumiria, corríamos um risco grande de ter problema. Walter Pires, que era ministro do Exército…".
Maranhense nascido no município de Pinheiro (MA), em 24 de abril de 1930, José Sarney foi testemunha e protagonista de vários momentos históricos do país. Ingressou na política em 1954. Depois de dois mandatos como deputado federal, foi governador do Maranhão (1966-1970). Chegou ao Senado em 1971, durante a ditadura militar, quando era filiado à Arena, o partido governista.
Embora fosse um novato na Casa, Sarney foi prontamente acolhido pelo denominado "Sacro Colégio dos Cardeais", um grupo de políticos experientes dedicados a preservar o funcionamento do Congresso. Integravam a seleta turma nomes como Daniel Krieger, Amaral Peixoto, Magalhães Pinto e Franco Montoro.
Apesar da articulação do grupo, o fechamento do Parlamento foi inevitável durante um período específico. O então presidente da República, general Ernesto Geisel, valeu-se do Ato Institucional nº 5 (o AI-5) e fechou o Congresso no dia 1º de abril de 1977
Já com o Congresso em pleno funcionamento e com uma crescente demanda popular pela volta da democracia, coube a Sarney a missão de relatar, em 1978, a proposta de emenda à Constituição que daria origem à Emenda Constitucional 11. A medida extinguiu os atos institucionais do período ditatorial e restabeleceu a pluralidade partidária.
O então senador apontou, em seu parecer, que a emenda não acabava com o autoritarismo, mas representava o começo de um longo processo de transição. Para Sarney, o melhor caminho para o fim do governo militar seria pela via institucional.
Outro episódio que marcou Sarney aconteceu em 1984, quando a emenda Dante de Oliveira (para a volta das eleições diretas) estava em votação na Câmara dos Deputados. Sarney era presidente do PDS, partido que sucedeu a Arena e, mesmo com a orientação contrária da legenda, seu filho, o deputado federal Sarney Filho, votou a favor da volta das eleições diretas para presidente da República. Apesar da campanha das Diretas Já, faltaram 22 votos na Câmara para o texto seguir para o Senado.
Ao todo, Sarney ficou quase quatro décadas no Senado desde que estreou na Casa, em 1971, e se despediu dela, em 2015. O único período em que passou fora foi entre 1985 e 1990, quando teve a missão de ser o primeiro presidente civil após os 24 anos do regime militar. Mas a chegada ao Palácio do Planalto foi resultado de amplas negociações e uma tragédia: a morte de Tancredo Neves.
Já filiado ao MDB, Sarney entrou como vice-presidente na chapa com Tancredo Neves. A composição foi possível depois que ele e outros dissidentes do PSD contrários à indicação de Paulo Maluf deixaram o partido governista.
À frente do governo federal, Sarney teve principal legado a bem-sucedida transição democrática e a construção da nova Constituição brasileira, promulgada em 1988.
Fonte: Brasil 247 com informações da Agência Senado
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