Camponesas lembram que, se demandas não forem atendidas, 'abril vermelho está aí'
Por Gabriela Moncau (Brasil de Fato) - Na manhã deste sábado (15), cerca de mil mulheres do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que ocuparam, na última quinta (13), um terreno da Suzano Papel e Celulose em Aracruz (ES), bloquearam a rodovia ES-445. O protesto reivindica que a empresa cumpra um acordo firmado em 2011 e destine 22 áreas para reforma agrária.
Conhecida como rodovia das carretas, a via travada faz conexão com a ES-010, por onde é transportada, de acordo com a própria Suzano, 80% da madeira que abastece a fábrica na região. Em frente aos caminhões bloqueados, as camponesas estenderam faixas com dizeres como: “As terras da Suzano podem assentar mais de 100 mil famílias”.
Contrapondo o que os modelos do agronegócio e da agricultura familiar podem oferecer à sociedade, uma sem-terra segurou, em frente ao ato, um prato com eucalipto em uma mão e, na outra, um com arroz, feijão, mandioca, abóbora e laranja.
◉ Saída da ocupação
Após o almoço distribuído na cozinha coletiva, as sem-terra optaram por desfazer o acampamento. A ocupação durou três dias e foi feita no âmbito da Jornada de Luta das Mulheres do MST no mês de março, este ano sob o mote “Agronegócio é violência e crime ambiental, a luta das mulheres é contra o capital”. Em menos de 24 horas após a entrada no terreno, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo acatou ação da Suzano e determinou a reintegração de posse.
“Nossa decisão nada tem a ver com as ameaças da Suzano. É o que o movimento discutiu e acha que, no momento, acumula para a nossa luta. E saber, também, que, se nada for feito, o abril está aí”, afirma a porta-voz da ocupação, que manteve o anonimato. Ela se refere à próxima jornada anual de lutas do MST: comumente marcado por ocupações de terra, o “abril vermelho” homenageia os sem-terra do Massacre de Eldorado do Carajás, executados pela Polícia Militar paraense em 1996.
◉ Suzano ameaça não negociar
Ao Brasil de Fato, a Suzano declarou que a ocupação, classificada pela empresa como “ilegal”, lhe causou “estranheza”, por ocorrer “em um contexto de diálogo frutífero entre a companhia, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)”. Já o MST rebate que não faz parte de mesa de negociação e que aguarda o cumprimento do acordo há 14 anos.
Questionado pela reportagem sobre o caso e o andamento das tratativas, o MDA se limitou a dizer “questões especificamente fundiárias devem ser tratadas com o Incra”. Já a autarquia não respondeu até o fechamento da matéria.
No Espírito Santo estão seis das 22 áreas da Suzano reivindicadas pelo MST. Apenas três delas, no entanto, estão sendo aventadas para serem adquiridas pelo Incra.
Em nota, a gigante papeleira anunciou que, enquanto a ocupação em Aracruz perdurasse, as negociações no Espírito Santo estariam suspensas. Afirmou ainda que “outros acordos vigentes envolvendo a empresa, o MST e o Incra” são “colocados em risco por conta de ações como esta”.
“Fizemos uma ocupação de terra, um enfrentamento ao latifúndio e ao agronegócio, colocando na sociedade a pauta da reforma agrária“, avalia a dirigente nacional do MST. “A Suzano fez ameaças de sair da mesa de resolução de conflitos que tem a nível nacional. A nível de estado ela já não conversa com o MST há muito tempo”, contextualiza a porta-voz do movimento.
“Nós queremos que a empresa volte para a mesa de negociação no estado e não somente a nível nacional. E que as nossas 1.500 famílias acampadas no Espírito Santo sejam assentadas. Que todas as famílias que estão nas seis áreas da empresa também. Tendo em vista que essa empresa tem terras devolutas, se apropriou de áreas do Estado”, denuncia a dirigente.
◉ Eucaliptos, escorpiões e zero pássaros
Em uma carta pública intitulada “Porque ocupamos a Suzano”, as mulheres do MST denunciam que a companhia “vem há décadas causando destruição e devastação ambiental sistemática, com grilagem de terra, envenenamento de solos, rios e matas nativas, para a expansão dos seus monocultivos de eucalipto, o que leva à perda de biodiversidade e à degradação de ecossistemas, instaurando uma série de conflitos contra os povos do campo, águas e florestas”.
“Estudos mostram que as fábricas da Suzano e os monocultivos de eucalipto consomem cerca de 200 bilhões de litros de água por ano, causando a seca de rios e córregos, sendo o equivalente ao consumo de mais de 6 milhões de pessoas”, segue o documento das sem-terra.
No terreno de 38 hectares ocupado em Aracruz, a paisagem é de fileiras de eucalipto a perder de vista, solo seco e repleto de escorpião-amarelo. Não há pássaros, abelhas nem qualquer animal típico da Mata Atlântica.
O uso de água no acampamento teve de ser feito com o abastecimento manual de galões já que, segundo integrante da comissão de infraestrutura da ocupação, houve um boicote dos comércios da cidade para a disponibilização de caminhão-pipa. Os rios mais próximos tampouco eram uma opção. Estão contaminados por agrotóxicos usados na produção em larga escala da monocultura de eucalipto transgênico da Suzano – entre eles, o glifosato, de uso proibido ou restrito em países como México, Alemanha, Portugal e França.
“A empresa representa uma síntese do que significa o modelo do agronegócio para o povo brasileiro – uma grande falácia, um projeto de ganância que condena os povos e a natureza, um empecilho para o Brasil ser um país com soberania popular, justiça social e ambiental”, define a carta das mulheres do MST. Defendendo a reforma agrária como o meio de propiciar alimentos saudáveis a preços justos para a população brasileira, as sem-terra cobram, por fim, “agilidade do governo federal” para “desapropriar e assentar as famílias que estão em 22 áreas apropriadas ilegalmente pela Suzano”.
Fonte: Brasil 247 com Brasil de Fato
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