Momentos de louvor entre as aulas dividem opiniões entre liberdade religiosa e imposição de crenças nas escolas
Palestra de Guilherme Batista em escola (Foto: Reprodução/Instagram)
Os devocionais, momentos de adoração típicos de comunidades evangélicas, ganharam força nos intervalos escolares de colégios públicos e privados pelo Brasil. Em matéria publicada pelo UOL, foi relatado que, em pelo menos 19 estados, estudantes organizam encontros regulares para leitura bíblica, pregações e orações, gerando um intenso debate sobre os limites da liberdade religiosa no ambiente escolar.
Embora os encontros aconteçam sob justificativa de serem voluntários e organizados por alunos, o fenômeno trouxe à tona questões sobre a laicidade do Estado, garantida pela Constituição Federal. Críticos afirmam que a prática pode configurar proselitismo e gerar exclusão de alunos que não compartilham da mesma fé. Ao mesmo tempo, defensores destacam que esses momentos promovem valores éticos e fortalecem o bem-estar dos jovens.
Grupos de oração já se tornaram parte da rotina de diversas escolas públicas. Na Etec Guaracy Silveira, em São Paulo, alunos se reúnem semanalmente para encontros bíblicos. Em Pernambuco, a Escola Estadual Sylvio Rabello, no Recife, mantém encontros regulares desde o início de 2024, sempre com autorização da direção. Já em Canguaretama (RN), a Escola Estadual Guiomar de Vasconcelos usa até o Instagram para divulgar as reuniões.
Os encontros, muitas vezes realizados em bibliotecas, quadras ou pátios, têm contado com microfones e a presença de líderes religiosos convidados. Para especialistas, como o professor Fernando Cássio, da UFABC, a falta de regulamentação pode abrir espaço para abusos. "Não se pode permitir que encontros dessa natureza interfiram na rotina, seja a partir do uso de música alta ou de tentativas de imposição de uma fé. A escola pública deve ser um espaço marcado pela diversidade", alerta.
◉ Polêmica e mobilização - O Ministério Público de Pernambuco abriu um procedimento em abril de 2024 para apurar possíveis excessos em escolas estaduais. O promotor Salomão Ismail Filho destaca que atos religiosos devem respeitar limites claros, sem uso de música alta ou tentativas de convencer outros estudantes. Apesar disso, defensores dos devocionais, como a técnica em radiologia Alexandra da Silva, mãe de uma estudante participante, argumentam que os encontros são benéficos. "Faz muito bem à minha filha e até mesmo aos alunos que não são cristãos e resolvem participar", afirma.
A prática também mobiliza alunos. Um abaixo-assinado virtual lançado em Pernambuco reúne mais de 17 mil assinaturas em defesa dos intervalos bíblicos. Em audiência pública na Assembleia Legislativa do estado, o estudante João Pedro dos Santos argumentou: "a nossa base é a Bíblia, que, como todos sabem, não é prejudicial a ninguém. Pelo contrário, a Bíblia promove e também aumenta a ética de muitas pessoas que são alcançadas pela 'Palavra'".
◉ Excessos e a entrada de influenciadores religiosos - Em estados como Goiás, a prática tem extrapolado o formato discreto dos encontros. Influenciadores religiosos realizam cultos nas quadras escolares, muitas vezes anunciados como palestras motivacionais. Vídeos na internet mostram momentos de oração coletiva e relatos emocionados de estudantes, alguns ajoelhados e chorando.
Especialistas alertam para o impacto dessas práticas em escolas públicas. Ivete Caetano, presidente do Sindicato dos Professores de Pernambuco, reforça: "a escola deve ser por excelência um local diverso e de promoção da ciência. É só fazer um paralelo com a política. Na escola não podemos fazer campanha eleitoral para um partido, mas podemos discutir as propostas dos candidatos de forma plural".
◉ Interferência de autoridades e projetos de lei - Casos como o de Roraima, onde um policial leu trechos da Bíblia a alunos em um colégio militarizado, levantaram preocupações. Em vídeo divulgado, o oficial carregava uma arma na cintura enquanto convidava os estudantes a rezarem. A conduta está sob investigação pelo governo estadual.
No Congresso, a controvérsia ganhou força. Deputadas como Michele Collins (PP-PE) e Clarissa Tércio (PP-PE) apresentaram projetos de lei que permitem práticas religiosas em escolas e preveem multas a gestores que as impeçam. No entanto, audiências públicas realizadas para discutir o tema foram marcadas por embates acalorados.
Enquanto os debates continuam, o Ministério Público, especialistas e representantes religiosos buscam um equilíbrio entre a garantia de liberdade religiosa e o respeito à diversidade nas escolas.
Fonte: Brasil 247 com informações do UOL
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