Decisões de Dino no STF limitam abuso nas emendas parlamentares e reforçam o poder do Executivo na condução de políticas públicas, opinam especialistas
Flávio Dino (Foto: Gustavo Moreno/SCO/STF)
Conjur - As decisões recentes do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, para colocar um freio de arrumação na destinação de emendas parlamentares fortalecem o sistema presidencialista, de acordo com advogados consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico.
O constitucionalista Lenio Streck, por exemplo, afirma que há no Brasil uma espécie de “sistema ornitorrinco”. Nele, o país é formalmente presidencialista, mas o crescente poder do Legislativo sobre o orçamento dificulta a execução de políticas do governo.
“No nosso caso, o ‘fator emendas parlamentares’ aniquila o cerne do sistema presidencialista. Veja-se por exemplo que, no caso das emendas Pix, o município põe o dinheiro onde quiser ou em lugar que não está nas políticas públicas de quem se elegeu presidente da República.”
Segundo o advogado e parecerista, o crescimento dos valores empenhados como emendas cria uma distorção: quando a oposição é mais numerosa no Legislativo, o governo por vezes tem dificuldades para cumprir o programa que ele foi eleito para executar.
“O fato de o Parlamento ser de oposição não pode significar que essa oposição governe. Isso é inconstitucional. As decisões de Dino e do STF são uma mudança de paradigma. Trata-se de um evento histórico. Ruptural.”
☉ ‘Parlamentarismo irresponsável’ - Walfrido Warde tem interpretação semelhante. Para ele, há uma espécie de “parlamentarismo irresponsável”, em que o Legislativo dispõe sobre o orçamento sem qualquer prestação de contas. As decisões de Dino, segundo ele, corrigem essas distorções.
A ADI 7.697, apresentada pelo Psol, é assinada por Warde. Foi nela que Dino suspendeu o pagamento de emendas impositivas. Também em petição assinada pelo advogado, o Psol narrou ao ministro uma tentativa de drible feita pela Câmara para a destinação das chamadas “emendas de comissão”. O partido pediu, então, a suspensão cautelar da execução de 5.449 emendas, tendo sido atendido pelo ministro do STF.
Na solicitação, a legenda afirmou que a Câmara estava descumprindo decisões de Dino sobre a transparência das emendas. Isso porque, em 2 de dezembro, o ministro autorizou a retomada do pagamento de emendas, que estava suspenso desde agosto, mediante diversas regras de transparência. Ficou estabelecido que as emendas de comissão precisariam ser autorizadas pelas comissões permanentes da Câmara e do Senado, com informações sobre as indicações dos parlamentares solicitantes ou apoiadores.
No dia 12, porém, a Mesa Diretora da Câmara suspendeu o funcionamento de todas as comissões permanentes. Na sequência, 17 líderes partidários enviaram ao governo ofício pedindo o pagamento de 5.449 emendas, totalizando R$ 4,2 bilhões.
“A ADI 7.697 é um marco histórico na busca pela preservação das instituições e pela articulação harmônica dos poderes do Estado. As decisões da Suprema Corte, nessa ação, restituem a capacidade do Executivo de formular e de dar concreção a políticas públicas, que serão determinantes para o desenvolvimento do país, de modo sustentável e sob justiça social”, diz Warde.
Segundo ele, as decisões recentes de Dino, assim como o maior controle do Executivo sobre os valores empenhados, “devolve racionalidade ao trato do orçamento e ressignifica nosso presidencialismo”.
“O ofício que deu origem às ilegais emendas dos líderes foi rapidamente detectado pelo autor da ação e denunciado ao Supremo. O ministro Dino barrou essa tentativa de burlar, no apagar das luzes do ano legislativo, a Lei complementar 210. O autor da ação e o Supremo estão atentos. Não deverá acontecer novamente. Uma investigação pela Polícia Federal está em curso.”
☉ Emendas impositivas - Lenio Streck tratou do tema em parecer produzido em outubro de 2024 para a ADI do Psol. O documento abordou as chamadas “emendas impositivas”.
No parecer, o advogado afirma que essas emendas deram ao Legislativo o poder de elaborar, aprovar, executar e controlar gastos públicos discricionários do presidente, “driblando o sistema de freios e contrapesos institucionalizado pelo constituinte originário”.
O abalo no sistema presidencialista, diz Streck, cresceu a partir das Emendas Constitucionais 86/2015, 100/2019, 105/2019 e 126/2022, que deram impositividade às emendas parlamentares, afastando a discricionariedade do Executivo na fase da execução orçamentária.
“Dessa forma, alterou-se a histórica dinâmica entre os Poderes Executivo e Legislativo no âmbito do processo orçamentário brasileiro. O presidente da República, que apenas precisava apelar ao Parlamento no curso da execução do orçamento para alterar ou majorar gastos, (passou a ficar) submetido, uma vez que não mais pode subutilizar créditos”, diz trecho do parecer.
O autor conclui afirmando que o poder desproporcional dado ao Legislativo retirou do governo o poder de executar o projeto político escolhido pela população por meio do voto.
No entanto, as recentes decisões de Dino, conforme afirmou o constitucionalista à ConJur, representam um pontapé inicial para que o Brasil volte aos eixos. Segundo ele, é preciso aprofundar a discussão.
“O Brasil precisa olhar para dentro de si. O Parlamento precisa fazer uma autocrítica. Colocar o Poder Executivo refém de exigências de emendas com caráter de pagamento de apoio, que às vezes nem se realiza, é um ato antirrepublicano. O STF, quando julgar o mérito, fará história.”
“O sistema de governo é presidencialista. Aliás, é lamentável que isso seja matéria para ser discutida no Judiciário. Deveria ser óbvio que o papel do Parlamento está restrito ao que consta na Constituição. Porém, no Brasil o óbvio tem de ser desvelado. O óbvio se esconde. A ADPF instou o STF a dizer esse óbvio. Veja-se a importância da jurisdição constitucional e do papel do controle constitucional, especialmente quando ocorre descumprimento de preceito fundamental”, concluiu Streck.
☉ As ordens de Dino - Veja a seguir um resumo das determinações do ministro para cada modalidade de emenda:
- Emendas de relator (RP9), também conhecidas como “orçamento secreto”: Estão liberadas, desde que haja identificação do congressista que as indicou. Caberá ao Executivo medir a transparência e liberar o pagamento caso a caso;
- Emendas Pix: Podem ser pagas, desde que seja mostrado um plano de trabalho prévio para as emendas apresentadas a partir deste ano. Para as anteriores, foi aberto prazo de 60 dias para a apresentação do plano;
- Emendas de bancada: Destinadas a grandes projetos e obras, as emendas não poderão ser fragmentadas. A destinação deverá ser feita em conjunto pelos congressistas. A Controladoria-Geral da União fará uma auditoria da destinação em outubro deste ano;
- Emendas destinadas a ONGs: Só poderão ser liberadas quando as ONGs e entidades do terceiro setor informarem na internet, com total transparência, os valores oriundos de emendas parlamentares;
- Emendas para a saúde: Será necessária a aprovação nas comissões bipartite e tripartite do Sistema Único de Saúde.
Em uma de suas decisões, Dino criticou a explosão das emendas desde 2019 e o “destino incerto” dado a bilhões de reais do orçamento.
“Temos a gravíssima situação em que bilhões do orçamento da nação tiveram origem e destino incertos e não sabidos, na medida em que tais informações, até o momento, estão indisponíveis no Portal da Transparência ou instrumentos equivalentes”, afirmou o ministro.
Fonte: Brasil 247 com informações do Conjur
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