Na última sexta-feira, 29 de novembro, a Comissão de Anistia realizou a 18ª sessão de sua turma, encerrando um ano de intensos trabalhos com uma decisão histórica. A reunião, transmitida ao vivo, concedeu anistia coletiva aos ex-funcionários da Panair do Brasil, empresa de aviação comercial emblemática, cujas atividades foram encerradas abruptamente pelo regime militar em 1965. Além disso, foi emitido um pedido formal de desculpas do Estado brasileiro pelas graves violações cometidas.
Em uma sessão marcada por profunda emoção e discursos impactantes, o caso destacou não apenas a perseguição política sofrida pela empresa e seus trabalhadores, mas também a destruição de um projeto nacional de desenvolvimento. "A Panair simbolizava mais do que a aviação de excelência; representava um Brasil que sonhava com soberania e progresso, sonhos que foram brutalmente interrompidos", destacou a conselheira relatora, Isabela, em seu voto amplamente elogiado.
◉ A memória dos que resistem
A sessão contou com a presença de Ingrid Fricke, ex-aeromoça da Panair, representando a chamada "Família Panair", como os ex-funcionários e seus descendentes se identificam. Em um discurso emocionado, ela relembrou a devastação causada pelo fechamento da empresa: "Perdemos empregos, sonhos e identidades. Muitos colegas chegaram ao extremo do suicídio. Até hoje, a tristeza permanece entre nós."
Fricke também destacou a excelência da companhia, cuja reputação era reconhecida no Brasil e no exterior. "Os voos da Panair eram sinônimo de qualidade e orgulho nacional. Como pode um governo destruir isso de um dia para o outro?", questionou.
O conselheiro Mário Albuquerque acrescentou uma perspectiva pessoal ao debate. Filho de um funcionário da Panair, ele revelou a importância simbólica da empresa para o país e para sua própria história. "Meu pai trabalhou na Panair durante a Segunda Guerra Mundial, em Camocim, uma cidade cearense estratégica que perdeu seu brilho junto com o projeto de país que a Panair representava. O que aconteceu com a Panair não foi apenas o fechamento de uma empresa, foi a destruição de um modelo de Brasil, mais justo e inclusivo", afirmou, emocionado. Ele ainda fez um apelo para que pesquisadores e universidades aprofundem o estudo sobre a história da Panair em cada estado brasileiro.
◉ Uma decisão emblemática
*O deferimento do pedido de anistia foi recebido com aplausos. Apesar de não incluir reparações financeiras imediatas, abre caminho para que os atingidos busquem reparação individual. "Que o Estado brasileiro assuma, ao menos simbolicamente, o compromisso de nunca mais permitir tamanha arbitrariedade", afirmou a presidenta da sessão.
◉ O pedido de desculpas oficial
A presidenta da Comissão de Anistia, Eneá de Stutz e Almeida, destacou a importância histórica e simbólica do pedido de desculpas do Estado brasileiro. "Não foi uma, duas ou três pessoas atingidas. Foram milhares. Milhares de pessoas e famílias que tiveram suas vidas destruídas por um decreto absolutamente cruel, ilegal e violento", afirmou. Eneá enfatizou que a violência cometida pelo regime militar ainda ecoa, quase sessenta anos depois. "São seis décadas de luta e resistência, e agora, pelo menos, temos o reconhecimento do erro e o pedido de desculpas do Estado."
Eneá ressaltou que o pedido de desculpas precisa ser amplamente divulgado para alcançar os descendentes e sucessores das vítimas. "Espero que cada uma dessas pessoas tenha condições de entrar com seu requerimento individual, onde será possível analisar caso a caso a possibilidade de reparação econômica. Este pedido coletivo é um marco, mas precisamos continuar contando essas histórias para que nunca mais aconteça", concluiu.
◉ Contexto histórico
Fundada em 1929, a Panair do Brasil tornou-se referência em aviação na América Latina. Nacionalizada em 1961, foi fechada pelo regime militar sob alegações infundadas de dificuldades financeiras, como comprovam documentos anexados ao processo. A ação foi considerada uma manobra política para beneficiar concorrentes alinhados ao regime.
A perseguição não se limitou à empresa. Os trabalhadores enfrentaram desemprego, desamparo e discriminação. Muitos dos cinco mil funcionários da época tiveram que recomeçar suas vidas no exterior ou em condições de extrema dificuldade no Brasil.
◉ O significado da anistia coletiva
A decisão da Comissão de Anistia foi celebrada como um marco na luta por memória e justiça. "Este caso simboliza a destruição de um projeto de país que visava desenvolvimento e inclusão. A anistia coletiva não repara completamente os danos, mas é um passo fundamental para reconhecer essa história e impedir sua repetição", concluiu a conselheira Ana Maria.
A sessão encerrou os trabalhos da Comissão em 2024 com um apelo à reflexão sobre o papel do Estado e do Judiciário durante a ditadura. O caso da Panair continua ecoando como um exemplo das atrocidades cometidas em nome de um regime autoritário e da importância de lutar por justiça e verdade.
Fonte: Brasil 247