No total, entre os primeiros ataques, no
dia 8 de janeiro e o dia 31, foram 24 torres avariadas em 14 diferentes locais
Sportlight - Eram
21h30 quando uma torre de energia tombou em Cujubim, Rondônia.
O segundo ataque veio logo depois.
Brasília ainda ardia sob a fúria dos atos golpistas que atacaram
Palácio do Planalto, Congresso e Supremo Tribunal Federal quando, 0h13 em
ponto, exatas duas horas e quarenta e três minutos depois da primeira, desabou
a segunda torre em Medianeira, Paraná. 0h40, num espaço de três horas e dez
minutos entre as três, foi ao chão a terceira. Em Rolim de Moura, também
Rondônia, a cerca de 380 quilômetros de Cujubim.
O documento da Agência Nacional de Energia Elétrica
(ANEEL) que relata os acontecimentos dos ataques as linhas de transmissão de
energia do Brasil em janeiro de 2023, obtido pela reportagem através da Lei de
Acesso à Informação, é definitivo:
SABOTAGEM E AÇÃO CRIMINOSA
“Sabotagem. Atuação ou tentativa criminosa”. Define como “ações
criminosas”. E completa: “não foram registradas condições climáticas adversas
que possam ter causado queda das torres”.
No total, entre os primeiros ataques, no dia 8 de janeiro e o dia 31,
foram 24 torres avariadas em 14 diferentes locais, espalhados por seis estados:
Rondônia (4 locais), Paraná (4), São Paulo (3), Mato Grosso (1), Piaui (1) e
Pará (1). Quatro foram ao chão, sendo que 3 em Rondônia e uma no Paraná. As
três atacadas em 8 de janeiro ao longo da noite e madrugada, (duas em Rondônia
e uma no Paraná) foram ao chão. O laudo de todas define como sabotagem.
Em todos os casos, ocorreu a repetição sistemática de um
conjunto de ações: todos os parafusos da base das torres foram retirados,
“ficando a torre sem sustentação, possibilitando a queda”. Além dos parafusos,
foram cortados também os cabos de sustentação.
Em resumo: existiu um modus operandi. Um método repetido
que uniu todas as ações.
Mais do que isso: uma organização, planejamento e pessoas com
treinamento para tal operação realizada de forma sistematizada.
ATOS GOLPISTAS DE BRASÍLIA E TORRES
DE ENERGIA ATACADAS: UM SÓ PLANO
“É preciso não perder de vista jamais que o caso das
torres derrubadas começam no mesmo dia, quase simultaneamente, exatamente horas
depois do início dos eventos golpistas de Brasília, ao anoitecer. O que pode
ser entendido como parte de um mesmo plano. Dentro desse plano, Brasília já
estaria tomada pelos golpistas no executivo, judiciário e legislativo, e
problemas em série com a rede de energia trariam de vez o caos ao país.
Restaria a decretação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e o poder transferido
para o exército. E o governo estaria entregue. Hoje sabemos que esse era o
plano”, resume um servidor envolvido na apuração dos episódios do 8 de janeiro
e que pediu para não se identificar.
O histórico anual de ocorrências em torres de energia também
afasta a hipótese do acaso. De acordo com a ANEEL, o ano de 2023 representa um
recorde. Mais especificamente janeiro de 2023, mês em que as ações se
concentraram. Para se ter uma ideia através de termos comparativos, 2019
inteiro fechou com dois registros de vandalismo em torres. Menos do que o 8 de
janeiro de 2023.
Esquecido no noticiário sobre a tentativa de golpe de 8 de
janeiro, jamais citado como objeto da investigação em curso sobre , sem nenhuma
prisão ou operação específica, o episódio dos ataques às torres de energia
foram e requerem, no entanto, tanta complexidade ou mais, logística, verbas e
expertise do que os próprios eventos de 8 de janeiro ocorridos em Brasília.
Coisa de especialista.
Em relação aos episódios de Brasília, as investigações
caminham para uma direção. Em relação aos ataques contra as torres, os caminhos
e os relatórios da ANEEL mostram também alto grau de profissionalismo.
OS KIDS PRETOS EM AÇÃO
Em junho de 2022, o repórter Allan de Abreu publicou a
reportagem “Os Kids Pretos – O papel da elite de combate do Exército nas
maquinações golpistas”, na revista Piaui, onde, pela primeira vez, era citada a
participação efetiva de militares da forças especiais, os chamados “kids
pretos”, na tentativa de golpe de 8 de janeiro.
Na ocasião, a reportagem mostrou que o nível de
organização das ações na capital demandava profissionais capacitados.
E os profissionais no exército capacitados para tal,
treinados em operações especiais, eram os kids pretos, círculo de oficiais que
formavam o ciclo mais próximo a Jair Bolsonaro.
Os kids pretos são treinados em ações de sabotagem e
incentivo à insurgência popular, as chamadas “operações de guerra irregular”.
MODUS OPERANDI: PARAFUSOS DA BASE
RETIRADOS E CABOS CORTADOS
As fotos abaixo, todas constantes do relatório da ANEEL
sobre os ataques, mostram as distintas sabotagens, como retiradas de parafusos
estratégicos na base, corte de cabos também da base e retirada de hastes de
sustentação.
Desde o início das investigações sobre os atos golpistas,
duas operações especificamente voltadas para a participação e organização dos
kids pretos já foram realizadas pela Polícia Federal.
Em 29 de setembro de 2023, a PF realizou mais uma etapa, a
18ª, da “Operação Lesa Pátria”, nome da investigação que apura financiadores,
participantes e organizadores dos atos golpistas. A operação foi voltada
especificamente para cumprir um mandado de busca e apreensão contra o general
da reserva Ridauto Lucio Fernandes, um “kids preto”, que chegou a gravar vídeo
da própria participação nos atos golpistas de 8 de janeiro.
“A nova fase da Lesa Pátria faz parte de uma frente
da investigação que busca identificar supostos integrantes das Forças Especiais
do Exército, os chamados “kid pretos”, que teriam dado início às invasões às
sedes dos Três Poderes”, comunicou então a Polícia Federal.
Já em 8 de fevereiro de 2024, foi deflagrada a “Operação
Tempus Veritatis” da Polícia Federal, para apurar os crimes de golpe de Estado
e abolição do Estado Democrático de Direito por membros do governo de Jair
Bolsonaro, apontou que integrantes das Forças Especiais do Exército, os
chamados “kids pretos”, estiveram envolvidos em um “planejamento minucioso”
para impedir a posse de Lula na presidência da República.
De acordo com a PF, “houve planejamento minucioso de kids
pretos do exército para a consumação do golpe de estado”. O plano envolveu uma
reunião em novembro de 2022 com oficiais especializados em ações contra
terrorismo, insurgência e guerrilha. Os “kids pretos” seriam os responsáveis
por realizar as prisões de autoridades após a edição de um decreto de
intervenção militar. Entre os alvos estaria o ministro do STF, Alexandre de
Moraes, que chegou a ser monitorado pelos investigados.
Os detalhes do plano foram relatados em mensagens
encontradas no celular do tenente-coronel Mauro Cid, que fechou colaboração
premiada com a Polícia Federal.
OUTRO LADO
A reportagem enviou para a Polícia Federal um pedido
oficial de resposta sobre as investigações específicas sobre o ataque às
torres, mas não recebeu resposta.
Fonte: Brasil 247