As raizes sombrias da tentativa de golpe e assassinato dos militares bolsonaristas
O Exército proibiu o acesso público à monografia escrita pelo general da reserva Mario Fernandes, invesigado e preso na investigação contra a tentativa de golpe de estado feita pela Polícia Federal. O DCM teve acesso ao documento com ajuda do pesquisador Ananias Oliveira, da UFCG, e o perfil de redes sociais Camarote da República.
Fernandes chefiou o 1º Batalhão de Forças Especiais em 2011, recém-promovido a coronel, e permaneceu com os “kids pretos” durante seus cinco anos de coronelato.
Considerado exímio atirador e paraquedista por seus colegas, ele foi apadrinhado por generais relevantes na estrutura do Exército antes de ganhar as duas estrelas características do posto de general de brigada. Mas as boas relações não foram suficientes para ele ganhar a terceira, e Mario Fernandes foi para a reserva do Exército em 2020.
Os generais quatro estrelas esperavam uma mudança de comportamento dele após chefiar os “kids pretos”. O trabalho de conclusão de curso da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme) é uma “análise crítica” do Comando de Forças Especiais. Mario Fernandes era major de infantaria e seu orientador era o então major de cavalaria Frederico José Diniz.
O texto, de 2002, é uma tese sobre o uso dos “kids pretos”, apelido dentro das Forças Armadas para as Forças Especiais e táticas que utilizam um característico gorro preto.
Operações de GLO contra “guerrilha urbana ou rural” e “terrorismo”
O documento tem um total de 182 páginas. Na página 32, o militar aborda as possibilidades e as limitações do uso de Forças Especiais do Exército Brasileiro. Ele descreve o seguinte: “As características dessas forças em operarem em áreas longínquas e ambientes hostis, com um mínimo de direção e controle, lhes conferem inúmeras possibilidades, dentre as quais se destacam: Proporcionar assessoramento ou instrução a outras forças nas operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), num quadro de Seg Int [segurança interna]”.
Na página 53, no emprego “básico” dessas forças”, Fernandes traça um histórico das forças especiais, citando exemplo da Alemanha Nazista, além de forças táticas na Guerra do Golfo, do Afeganistão e do Iraque.
Faz referência à Batalha da Fortaleza Eben-Emael, que ocorreu de 10 a 11 de maio de 1940, no contexto da invasão da Bélgica, dos Países Baixos e da França durante a Segunda Guerra Mundial. As forças belgas enfrentaram os paraquedistas alemães da Luftwaffe, conhecidos como Fallschirmjäger. Os alemães utilizaram uma técnica inovadora, empregando cerca de 500 paraquedistas transportados por planadores para atacar diretamente a fortaleza. Este assalto resultou na captura rápida da fortaleza e na prisão dos soldados belgas que lá estavam.
Também menciona a ação de 12 de setembro de 1943, quando homens da SS nazista, comandados por Otto Skorzeny e a mando de Adolf Hitler, libertaram Benito Mussolini, prisioneiro desde julho em Abruzzo, região no norte da Itália.
“O 1º BFEsp [Batalhão de Forças Especiais] é a Unidade da Força Terrestre que congrega os potenciais das tropas de Forças Especiais e de Comandos. Portanto, é a organização militar especializada, orientada e adestrada para a condução da Guerra Irregular (GI), das Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), inclusive nas ações de Contra terrorismo e nas Atividades de Inteligência, do Combate Não-Convencional e de outras ações em proveito de um Teatro de Operações Terrestre (TOT), seja por meio de Reconhecimentos Estratégicos de Área, seja por meio de Incursões na retaguarda profunda das forças inimigas”, escreve.
Em um grupo de WhatsApp dos kids pretos, um militar sugere a criação de campos de concentração e menciona Auschwitz.
“Alguém tem algum planejamento ou viu em algum momento a condução de um cpg sem aparelhos? Caso sim, chamar no privado”, diz a mensagem. A sigla CPG, segundo a PF, significa “Campo de Prisioneiros de Guerra”. O militar que fez a pergunta não está entre os 37 indiciados pela polícia. Como resposta, o tenente-coronel Rafael Martins de Oliveira, que foi um dos indiciados, escreveu: “Auschwitz!!”.
Voltando para a monografia. Na página 63, sendo sintético na gestão de Forças Especiais em situação de “Guerra Irregular”, o general Fernandes defende o uso de “kids pretos” no contraterrorismo, contra ações de guerrilha e novamente cita a instauração de um GLO para seu uso.
“Missões, Possibilidades e Limitações do BFEsp
Pelas características e peculiaridades citadas anteriormente, o BFEsp deve ser empregado, prioritariamente, com finalidades estratégicas e para isso, possui destacada aptidão para o cumprimento das seguintes missões:
– planejar, conduzir e/ou executar operações de guerra irregular;
– planejar, conduzir e/ou executar operações de ação direta;- planejar, conduzir e/ou executar operações de reconhecimento estratégico;
– planejar, conduzir e/ou executar operações de interdição de alvos táticos e estratégicos;- planejar, conduzir e/ou executar operações de inteligência;
– planejar, conduzir e/ou executar operações de contraterrorismo;
– planejar, conduzir e/ou executar operações de contraguerrilha;- planejar, conduzir e/ou executar operações de GLO;
– planejar, conduzir e/ou executar operações de busca, salvamento e resgate;
– planejar, conduzir e/ou executar operações psicológicas;
– planejar, conduzir e/ou executar operações de assistência humanitária e assuntos civis; e
– integrar as Forças de Ação Rápida (FAR) e as Reservas Estratégicas da F Ter”.
Na investigação de 884 páginas da Polícia Federal, as autoridades trazem a seguinte informação:
“O então Comandante do Exército, General FREIRE GOMES, em termo de depoimento, na condição de testemunha, também confirmou que em reuniões no Palácio do Alvorada, após o 2° turno das eleições, o então presidente JAIR BOLSONARO apresentou a hipótese de utilização de institutos jurídicos, como GLO, decretação do Estado de Defesa e Estado de Sítio, em relação ao processo eleitoral. O depoente, assim como BAPTISTA JUNIOR, afirmou que sempre deixou evidenciado a JAIR BOLSONARO que o Exército não participaria na implementação desses institutos jurídicos, visando reverter o processo eleitoral”.
E conclui:
“A ação operacional foi desenvolvida sob o codinome Copa 2022 e o ápice ocorreu na data de 15 de dezembro de 2022 com a participação de pelo menos 06 (seis) pessoas, possivelmente, todos militares de Forças Especiais (Kids Pretos) [no plano de assassinato de Alexandre de Moraes e possível envenenamento do presidente Lula e de seu vice, Geraldo Alckmin]. No entanto, por circunstâncias alheias à vontade dos investigados, a operação Copa 2022 teve que ser abortada enquanto já estava em andamento.
MARIO FERNANDES atuou como o elo entre os líderes dos manifestantes golpistas instalados principalmente no QG do Exército em Brasília/DF e a Presidência da República, coordenando o planejamento e a execução de atos antidemocráticos, conforme o interesse da organização criminosa.
Apesar da frustração na tentativa de consumação do golpe de Estado no dia 15 de dezembro de 2022, MARIO FERNANDES e os demais investigados continuaram a nutrir esperanças em uma reviravolta. Assim, na data de 19 de dezembro de 2022, o General MARIO FERNANDES ainda orientava as lideranças das manifestações antidemocráticas, solicitando que aguardassem e que mantivessem as mesmas ações, a mesma vontade e o mesmo ímpeto.
Outro ponto importante, é que as análises identificaram que MARIO FERNANDES também foi o responsável pela elaboração de outro documento relevante, que evidencia o dia seguinte, acaso o golpe de Estado se consumasse. Trata-se de uma minuta de instituição de um ‘Gabinete Institucional de Gestão da Crise’, com o escopo de assessorar o então presidente da República JAIR BOLSONARO na administração dos fatos decorrentes da abolição do Estado Democrático de Direito”.
Fonte; DCM
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