terça-feira, 17 de setembro de 2024

Intelectuais do mundo inteiro convocam 'todos que defendem a democracia' a apoiarem o Brasil contra Elon Musk

 

Mais de 50 acadêmicos de diversas nacionalidades alertam sobre a ameaça às soberanias digitais e a influência das big techs

Elon Musk (Foto: Reuters/Gonzalo Fuentes)

Mais de 50 acadêmicos e intelectuais de países como Argentina, França, Estados Unidos, Austrália, Reino Unido, Espanha, Suíça e Itália uniram forças em uma carta aberta que critica as pressões exercidas pelo bilionário Elon Musk sobre o Brasil e convoca "todos aqueles que defendem valores democráticos" a apoiarem a nação sul-americana. O documento, que será divulgado nesta terça-feira (17), foi obtido pela coluna de Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, e é assinado por renomados economistas e autores reconhecidos mundialmente por suas pesquisas sobre as grandes empresas de tecnologia.

Os signatários expressam sua profunda preocupação com a soberania digital do Brasil e denunciam que grandes corporações tecnológicas "operam como governantes" em um cenário onde faltam acordos regulatórios internacionais. A carta destaca que a situação brasileira se tornou uma frente crucial no conflito global entre megacorporações e aqueles que aspiram a um espaço digital democrático. "A disputa do Brasil com Elon Musk é apenas o mais recente exemplo de um esforço mais amplo para restringir a capacidade de nações soberanas de definir uma agenda de desenvolvimento digital livre do controle de megacorporações sediadas nos EUA", afirmam os intelectuais.

Além disso, o texto alerta que as ações de Musk enviam uma "mensagem preocupante para o mundo": países democráticos que buscam se libertar da dominação das big techs podem ver suas democracias ameaçadas, com algumas dessas empresas apoiando movimentos e partidos de extrema direita. Entre os signatários estão economistas de renome, como Gabriel Zucman, Julia Cagé e Thomas Piketty, além da filósofa Shoshana Zuboff, o ex-ministro argentino Martín Guzmán e o professor do MIT, Daron Acemoglu. O Brasil também está representado por figuras proeminentes como José Graziano, ex-diretor-geral da FAO, e acadêmicos de instituições respeitáveis como a UFRJ e a UFABC.

O texto ressalta que as grandes empresas não apenas dominam o espaço digital, mas também atuam contra agendas públicas independentes. "Quando seus interesses financeiros estão em jogo, elas trabalham de bom grado com governos autoritários", aponta o documento. Os signatários pedem que o Brasil permaneça firme na implementação de sua agenda digital, denunciando quaisquer pressões externas e buscando o apoio da ONU. "Este é um momento crucial para o mundo", afirmam.

A carta expõe ainda que a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender a plataforma X por não cumprir ordens judiciais é um exemplo de resistência contra as tentativas de influência das big techs. 

Em um chamado à ação, os intelectuais conclamam a comunidade internacional a apoiar o Brasil em sua luta pela soberania digital, enfatizando que "uma abordagem independente para recuperar a soberania digital e o controle sobre nossa esfera digital pública não pode esperar". Eles destacam a urgência de estabelecer princípios regulatórios que priorizem o bem-estar da população e do planeta em detrimento dos lucros privados.

A íntegra da carta pode ser lida abaixo:

"Contra o Ataque das Big Tech às Soberanias Digitais
Nós, os signatários, desejamos expressar nossa profunda preocupação em relação aos ataques em curso das empresas Big Tech e seus aliados à soberania digital do Brasil. A disputa do Brasil com Elon Musk é apenas o mais recente exemplo de um esforço mais amplo para restringir a capacidade de nações soberanas de definir uma agenda de desenvolvimento digital livre do controle de megacorporações sediadas nos EUA.

No final de agosto, o Supremo Tribunal Brasileiro baniu o X do ciberespaço brasileiro por não cumprir decisões judiciais, exigindo a suspensão de contas que incitaram extremistas da extrema direita a participar de tumultos e ocupar as sedes do Legislativo, Judiciário e Executivo em 8 de janeiro de 2023. Posteriormente, o presidente Lula da Silva deixou claro a intenção do governo brasileiro de buscar independência digital: reduzir a dependência do país de entidades estrangeiras para dados, capacidades de IA e infraestrutura digital e promover o desenvolvimento de ecossistemas tecnológicos locais. De acordo com esses objetivos, o Estado brasileiro também pretende forçar as empresas de big tech a pagar impostos justos, cumprir as leis locais e ser responsabilizadas pelas externalidades sociais de seus modelos de negócios, que frequentemente promovem violência e desigualdade.

Esses esforços têm sido alvo de ataques do proprietário da X e dos líderes de extrema direita, que reclamam sobre democracia e liberdade de expressão. Mas justamente porque o espaço digital carece de acordos regulatórios internacionais e democraticamente decididos, as grandes empresas de tecnologia operam como governantes, determinando o que deve ser moderado e promovido em suas plataformas.

Além disso, o X e outras empresas começaram a se organizar, juntamente com seus aliados dentro e fora do país, para minar iniciativas que visam a autonomia tecnológica do Brasil. Mais do que advertir o Brasil, suas ações enviam uma mensagem preocupante para o mundo: que países democráticos que buscam independência da dominação das big techs correm o risco de ter suas democracias perturbadas, com algumas big techs apoiando movimentos e partidos de extrema direita.

O caso brasileiro se tornou a principal frente no conflito global em evolução entre as grandes corporações de tecnologia e aqueles que buscam construir um espaço digital democrático e centrado nas pessoas, com foco no desenvolvimento social e econômico.

As empresas de tecnologia não apenas controlam o mundo digital, mas também fazem lobby e operam contra a capacidade do setor público de criar e manter uma agenda digital independente baseada em valores, necessidades e aspirações locais. Quando seus interesses financeiros estão em jogo, elas trabalham de bom grado com governos autoritários. O que precisamos é de espaço digital suficiente para que os Estados possam direcionar as tecnologias colocando as pessoas e o planeta à frente dos lucros privados ou do controle unilateral do Estado.

Todos aqueles que defendem valores democráticos devem apoiar o Brasil em sua busca pela soberania digital. Exigimos que as big techs cessem suas tentativas de sabotar as iniciativas do Brasil voltadas para a construção de capacidades independentes em inteligência artificial, infraestrutura pública digital, gestão de dados e tecnologia em nuvem. Esses ataques minam não apenas os direitos dos cidadãos brasileiros, mas também as aspirações mais amplas de cada nação democrática de alcançar a soberania tecnológica.

Também pedimos ao governo do Brasil que seja firme na implementação de sua agenda digital e denuncie as pressões contra ela. O sistema da ONU e os governos ao redor do mundo devem apoiar esses esforços. Este é um momento crucial para o mundo. Uma abordagem independente para recuperar a soberania digital e o controle sobre nossa esfera digital pública não pode esperar. Também há uma necessidade urgente de desenvolver, dentro do quadro da ONU, os princípios básicos de regulação transnacional para acessar e usar serviços digitais, promovendo ecossistemas digitais que coloquem as pessoas e o planeta à frente dos lucros, para que esse campo de provas das Big Tech não se torne prática comum em outros territórios."

Fonte: Brasil 247 com informações da Folha de S. Paulo

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