Republicanos e imprensa subestimaram Kamala
Quem nunca sentiu prazer ao observar um valentão da escola amedrontado no momento em que um colega dá um basta na situação?
Nesta semana, o valentão que suga o oxigênio do cotidiano político americano há nove longos anos deu sinais de intimidação.
Desde o ano passado, a máquina eleitoral organizada para reconduzir Donald Trump à Casa Branca estava pronta para encenar uma falsa valentia contra um adversário octogenário cada vez mais fragilizado.
Agora, pela primeira vez, o nova-iorquino e criminoso condenado perdeu o controle da discussão nacional. Passa parte do tempo justificando as declarações grotescas do vice de sua chapa, J.D. Vance, escolhido pelo primogênito e terminalmente cretino Donald Trump Jr. No resto do tempo, ele esperneia para fazer insultos colarem na nova adversária, como uma criança que atira papel higiênico molhado na parede.
Não foram só os republicanos que subestimaram Kamala Harris. A imprensa americana se manteve tão fixada no desempenho ruim da vice-presidente como pré-candidata que ela abandonou a campanha de 2020 antes de começar a votação nas primárias.
Se houvesse moscas em estúdios de TV, elas estariam se aproveitando das bocas abertas de comentaristas políticos que previam o pior se a ex-senadora da Califórnia ocupasse o lugar de Joe Biden na chapa democrata. É importante notar que, no momento, a Presidência continua ao alcance do fascista senil. Mas a entrada da vice-presidente fez a campanha que parecia um cortejo fúnebre se assemelhar à parada carnavalesca de Nova Orleans.
A mudança nas pesquisas é real, a motivação entre jovens e negros cresceu, mas ainda não se pode usar pesquisas como termômetro claro para novembro. O problema é que os oráculos de plantão não estavam prestando atenção em Kamala Harris nos últimos dois anos.
A Vice-Presidência é um posto ingrato, definido mais por um trabalho discreto e complementar do que por reconhecimento. Biden se elegeu depois de oito anos na sombra de Barack Obama, ciente de que a sua número dois, mais jovem e carismática, deveria ser contida.
Na fidelidade à agenda Biden, Harris passava dias por semana cruzando o país e cultivando comunidades que estavam no seu radar desde que se elegeu promotora distrital pela primeira vez em San Francisco, há duas décadas –mulheres, minorias raciais, jovens e eleitores traumatizados pela violência das armas de fogo. Os números de aprovação eram baixos, sim, mas pouca atenção nacional era dedicada ao varejo rotineiro da vice-presidente.
Quando vazou a informação de que a Suprema Corte voltaria a criminalizar o aborto, em 2022, Kamala mudou o discurso que tinha preparado para um evento e cunhou o bordão “como ousam?”. Nascia seu novo chamado na Presidência Biden. Não dão a ela crédito o suficiente por ter pego a estrada numa campanha por direitos reprodutivos decisiva para evitar o previsto “banho de sangue” legislativo para os democratas nas eleições de meio de mandato daquele ano.
A pecha de candidata policial que lhe aplicaram em 2020 por ser ex-promotora não se confirma no seu currículo. Kamala logo cedo defendeu a reabilitação de criminosos e é coautora de um livro crítico à falsa dicotomia entre a dureza e a froxidão no combate ao crime.
Na terça-feira (30), na Geórgia, Kamala Harris lotou uma arena, num comício de uma eletricidade nunca vista na campanha de Biden. Diante da ameaça de Trump de faltar ao segundo debate, olhou para a câmera e disparou: “Como reza o ditado, se você tem algo para me dizer…”. E a multidão gritou, antes de ela completar: “Fala na minha cara!”.
Assista ao vídeo:
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