Réus do caso Marielle, irmãos Brazão acumulam império de ao menos 162 imóveis em região do Rio com forte atuação da milícia
A origem do dinheiro dos Brazão para construir seu império imobiliário é objeto de suspeita da polícia
Réus sob acusação de ordenar o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), Domingos e Chiquinho Brazão comandam um império econômico erguido durante três décadas de atuação na política do Rio.
Ao longo de dois meses de investigação, o portal UOL detectou a existência de 162 imóveis em nome dos réus, de empresas controladas por eles e ainda dos outros quatro irmãos que integram o clã.
São casas, apartamentos, terrenos e prédios comerciais inteiros.
O valor desse patrimônio chega a R$ 120 milhões, levando-se em conta registros públicos ou transações recentes registradas em cartório, já considerando a correção monetária.
Além disso, os Brazão são donos de quatro postos de combustíveis. Outros 29 pertencem ou pertenceram, pelo menos no papel, a sócios dos irmãos, indivíduos que a Polícia Federal aponta como seus laranjas.
O advogado Roberto Brzezinski Neto, que defende Domingos Brazão, não quis comentar a evolução patrimonial de seu cliente: segundo ele, o tema não está relacionado às acusações a que respondem no STF.
Brzezinski insistiu para que a reportagem deixasse claro que Domingos é acusado de homicídio, segundo ele, apenas com base na palavra de um delator, o assassino confesso Ronnie Lessa.
Ele repetiu que não há nenhuma prova que corrobore a versão de Lessa envolvendo Brazão — principal tese da defesa na ação penal que corre no Supremo.
O advogado Cléber Lopes de Oliveira, que defende Chiquinho Brazão, disse que a evolução patrimonial do deputado não tem relação com as acusações feitas a ele no STF, e por isso não comentaria o assunto.
A reportagem também procurou, através de assessoria de imprensa, o deputado Manoel Inácio Brazão, conhecido como Pedro. Ele não é réu.
O gabinete do deputado requereu que as questões fossem encaminhadas por escrito — no que foi atendido pela reportagem —, mas não houve resposta até a publicação deste texto.
O poderio de Domingos
Ex-dono de um ferro velho nos anos 1990, Domingos Brazão foi eleito vereador em 1996 e deputado estadual por quatro mandatos (1999-2015), até ser nomeado conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio — cargo do qual foi afastado após a prisão preventiva, em março.
Atualmente, 142 imóveis estão em nome de Domingos e de empresas controladas por ele. Outros 20 estão em nome de irmãos.
As propriedades se concentram na zona oeste do Rio, onde a família exerce influência política. A região tem forte atuação de milicianos.
Como pessoa física, Domingos figura como único dono de 8 imóveis. Outros 134 estão em nome de duas empresas controladas por ele — a Superplan Administração de Bens e Participações (132) e a FB Participações (2).
Ter imóveis em nome de pessoas jurídicas não é ilegal. Isso tanto pode se dar com empresas cujo negócio é comercialização de imóveis, quanto com holdings patrimoniais, destinadas a abrigar um conjunto de bens e investimentos, como imóveis e participações em outras empresas, para uma gestão centralizada.
Entre 2017 e 2019, foi registrado o maior crescimento do número de imóveis.
No período, foram agregados 99 novos imóveis ao patrimônio da família; 98 deles pertencem à Superplan.
O grande número se explica por se tratarem de salas e lojas em dois edifícios comerciais da zona oeste. As obras foram feitas pela Superplan e pela construtora Martinelli.
Alguns imóveis do conselheiro afastado são vistosos, como um apartamento que pertenceu ao doleiro Dario Messer na avenida Lúcio Costa, uma das áreas mais valorizadas da Barra da Tijuca.
Na avenida Santa Cruz, uma das principais de Campo Grande, na zona oeste do Rio, Domingos é dono de um galpão comercial de 14 mil m² que está alugado para uma firma de atacarejo por cerca de R$ 65 mil por mês.
O contrato de aluguel vai até 2041 e é reajustado anualmente pelo IGP-M.
Outras propriedades
É possível que o patrimônio seja maior: a casa em que Domingos Brazão mora, no condomínio Santa Lúcia, na Barra da Tijuca, não está no nome dele nem no de qualquer empresa. O imóvel não aparece no registro de imóveis do Rio.
No Brasil, é possível deter a posse de um imóvel durante anos, sem registrar em cartório, por meio de contratos de gaveta, firmados entre particulares.
Embora não tenha efeito jurídico perante terceiros, esse tipo de arranjo informal funciona para protelar o pagamento de tributos de transmissão ou para omitir bens adquiridos com dinheiro sem origem lícita.
O imóvel foi vasculhado pela PF em 24 de março, quando foi deflagrada a operação que prendeu Domingos, Chiquinho e o delegado Rivaldo Barbosa.
Terceiro acusado de participar do planejamento do crime e de ter influenciado as investigações para não responsabilizar os Brazão, o delegado também nega envolvimento.
Chiquinho e os irmãos
Francisco Brazão, o Chiquinho, eleito deputado federal em 2018 e reeleito em 2022, aparece como dono de 11 imóveis, em sociedade com os irmãos (Domingos e Pedro) ou em nome da holding 3X, sociedade dele com um filho.
Após a prisão preventiva por suspeita de envolvimento nas mortes de Marielle e Anderson, ele aguarda decisão do TSE.
O terceiro irmão na política, Manoel Inácio, mais velho e conhecido como Pedro Brazão, é deputado estadual desde 2018 pelo União Brasil e ocupa hoje a vice-presidência da Assembleia Legislativa do Rio.
O primogênito não é suspeito de envolvimento nas mortes da vereadora e do motorista.
Sozinho, ele é dono de um apartamento e duas salas de escritório, além de onze terrenos e imóveis comerciais em sociedade com Domingos e Chiquinho.
Outros cinco imóveis estão em nome das irmãs Deolinda, Dolores e Maria Lúcia, que estão fora da política.
Cada uma das irmãs também é dona de sua própria clínica de exames médicos para carteira de motorista, conveniada com o Detran do Rio.
Lucro de 714%
A origem do dinheiro dos Brazão para construir seu império imobiliário é objeto de suspeita da polícia.
Em outras ocasiões, Domingos e Chiquinho afirmaram que sempre tiveram atividade empresarial paralela à política.
Depois da operação que prendeu os irmãos, peritos encontraram nos celulares de Chiquinho indícios de desvio de recursos de emendas parlamentares para “obtenção de vantagens indevidas”.
Os dados foram remetidos com um pedido de aprofundamento das investigações ao ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no STF.
A reportagem rastreou ao menos 190 operações de compra e venda de imóveis da família e de suas empresas desde 2003, quando Domingos assumiu seu segundo mandato como deputado federal.
A maioria das transações ocorreu entre 2018 e 2023.
Em alguns casos, os ganhos superam a média de transações similares do mercado.
Em outubro de 2017, a Superplan, de Domingos Brazão, comprou por R$ 2,7 milhões imóvel na estrada Rio-Petrópolis — um terreno de 29 mil m² onde ficava um galpão que já tinha abrigado um supermercado.
O prédio de dois andares foi vendido em julho de 2023 por R$ 22 milhões para uma sociedade de propósito específico que o arrendou para a rede de supermercados Sendas.
O lucro de 714% em uma única transação é um indício, segundo a PF, de que as operações imobiliárias da família seriam ainda uma forma de dar aparência limpa a dinheiro sem origem lícita.
O padrão se repete em outros negócios. Em julho de 2011, Domingos comprou, na pessoa física, um apartamento em Jacarepaguá por R$ 1,6 milhão. Em julho de 2012, ele revendeu o imóvel por R$ 3,1 milhões, mais do que dobrando o capital declarado em apenas sete meses.
Chiquinho Brazão só vendeu dois imóveis nos últimos anos. Segundo as matrículas, agora pertencem à Superplan — a holding controlada pelo seu irmão, Domingos.
Juntas, as vendas foram registradas por R$ 500 mil.
Postos de gasolina
A outra ponta dos negócios da família, segundo a PF, são os postos de combustíveis.
Levantamento feito pela reportagem identificou que os Brazão são hoje donos de quatro postos de gasolina no Rio, por meio de sociedade direta ou de suas empresas patrimoniais.
Essas companhias são sempre constituídas por algum dos Brazão em sociedade com Alice de Mello Kroff Brazão, mulher de Domingos.
Foram identificados ainda outros três postos que tiveram algum dos Brazão como sócios, mas tiveram o CNPJ encerrado por iniciativa dos sócios ou da Receita Federal devido a débitos com o Fisco.
A reportagem encontrou ainda 29 postos de combustíveis cujos sócios são apontados pela PF como laranjas dos Brazão, parceiros em outros empreendimentos ou que já estiveram lotados em seus gabinetes.
Sandro Wanderley de Souza Cruz é o que mais aparece em quadros societários dos postos — ele está em 24 deles.
Segundo a PF, Souza Cruz “teve uma carreira empresarial meteórica”. Em 2004, morava nos fundos de uma rua no bairro Encantado, na zona norte do Rio. Hoje, mora no Condomínio Península, na Barra da Tijuca, segundo o inquérito.
A PF detectou ainda os nomes dos portugueses Albano Lemos da Silva e Albano Gonçalves Marinho como sócios dos Brazão em um posto.
Eles aparecem ou já estiveram nos quadros societários de outros seis postos.
Albano Lemos ainda é sócio de Pedro Brazão em um posto.
Os Albanos entraram no radar dos investigadores depois que uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo identificou que Pedro Brazão destinou R$ 206 mil de verbas da Alerj ao posto de propriedade dos irmãos com os Albanos, que fica a 36 km da sede da Assembleia, em 2023.
Há ainda postos que foram dos Brazão ou de algum dos apontados como interpostos da família, mas já foram vendidos.
Dezessete dos postos encontrados pela reportagem estão nessa situação.
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