Elias Jaua foi vice de Hugo Chávez e diz que o governo conseguiu manter a 'independência' em meio aos ataques externos
Elias Jaua (esquerda) foi vice de Hugo Chávez (direita) de 2010 a 2012 - Arquivo pessoal
Manter a independência do país e reduzir a violência política e social. Para Elias Jaua, ex-vice-presidente da Venezuela, essas foram as maiores conquistas dos 12 anos de governo de Nicolás Maduro. Mas ele entende ser fundamental o fim das sanções impostas pelos Estados Unidos para o país retomar os investimentos e melhorar a estrutura do país.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Jaua afirmou que as eleições presidenciais de 28 de julho devem ser marcadas por uma posição já conhecida da oposição do país. De acordo com ele, um setor opositor apresenta, desde a eleição de Hugo Chávez em 1998, táticas de sabotagem ao governo. Para o pleito de 2024, o ex-vice acredita que o grupo ligado à extrema direita não vai respeitar o resultado, caso Maduro seja reeleito.
“Essa história não é nova, não começou com o presidente Nicolás Maduro. Não reconhecem que o ex-presidente Hugo Chávez com apenas 2 anos de seu governo, sofreu um golpe de Estado. Fizeram ele prisioneiro e ele recuperou o poder. Depois, teve a paralisação da indústria petroleira. Ficamos, no começo deste século, por vários meses sem a receita do petróleo. É como um padrão repetido com diferentes modalidades e diferentes chefes. Como conseguimos superar toda essa situação? Com os acordos internacionais que foram feitos naquele momento”, explicou.
Jaua foi vice-presidente de Hugo Chávez de 2010 a 2012. O golpe a que ele se refere foi dado em uma articulação da oposição com empresários, setores militares e o reconhecimento imediato dos Estados Unidos e forçou a prisão de Hugo Chávez em 2002. Ele voltou ao poder depois de o povo ir às ruas e saiu do incidente fortalecido.
Elias Jaua também foi ministro das Relações Exteriores de 2012 a 2013 e deputado de 2014 a 2017 / Arquivo pessoal
Depois daquele episódio, a oposição voltou a ter uma postura violenta em 2014, com as chamadas guarimbas – atos de rua violentos– e, mais tarde, tentou aplicar outro golpe para colocar Juan Guaidó como presidente em 2019. Jaua diz que a postura não mudou durante esse período, mas que não deve haver uma nova onda de violência, já que a população não está disposta a isso.
“Eu acho que nenhum setor da população está disposto a acompanhar essa aventura. O custo é muito alto para as famílias que perderam seus entes queridos, convocados por dirigentes irresponsáveis que saíram do país e vivem uma vida boa. O dano econômico que isso promoveu ao país, a ansiedade que foi um dos detonadores da migração venezuelana, teve dois componentes: o medo da guerra civil em 2017 e 2018, e outro obviamente as condições econômicas que se criaram”, afirmou.
O ex-vice se afastou do governo nos últimos anos, mas se reaproximou em 2024 em meio à campanha eleitoral. Em comício ao lado de Maduro, ele disse que as diferenças “não podem tornar-se problemas pessoais”. Agora, ele evita fazer ponderações negativas sobre os últimos 12 anos do presidente e afirma que há acertos importantes. Os principais deles é manter a soberania nacional e reduzir a violência.
Leia a entrevista completa:
Brasil de Fato: Como você avalia os governos Maduro?
Elias Jaua: O presidente Maduro foi um presidente que promoveu, nos dois mandatos, uma resistência e uma defesa do princípio básico do chavismo que é a independência nacional, por meio da defesa da vontade soberana, do povo venezuelano que o elegeu em 2013 e 2018. Tudo isso em meio a uma situação bem complexa e bem difícil.
Uma restrição absoluta sobre a receita nacional, produto das sanções contra a principal receita que é a produção petroleira. Isso teve consequências sociais muito pesadas para o povo venezuelano em questão de direitos que havíamos alcançado com o presidente Hugo Chávez. As decisões que tomou em questões políticas e econômicas são sempre discutíveis, mas eu prefiro ver por essa ótica.
Mas você acredita então que seus dois mandatos foram guiados da mesma maneira?
Foram de defesa do chavismo. Mas para além do chavismo, o direito à independência da Venezuela, especialmente no segundo mandato quando a Casa Branca, por meio do presidente Donald Trump, reconheceu e quase nos impuseram um presidente que não havia sido escolhido por vontade popular, Juan Guaidó.
Estamos na véspera das eleições, é uma vitória da Venezuela como República independente poder em apenas 10 dias eleger um presidente. Há 5 anos nos impuseram um presidente. Isso é o que Maduro conseguiu fazer, defender o direito do povo venezuelano a dar sua própria forma de governo.
Há críticas em relação à condução econômica do governo Maduro, de que foram reduzidos os gastos e que ele poderia ter expandido o Estado. Você vê assim?
Sim, eu tenho uma posição crítica em relação à orientação político-econômica do governo. No entanto, já que não estou mais nele, não tenho informações financeiras, das receitas nacionais, neste momento.
O governo atuou com restrição quase absoluta de receitas. Chegou ao mínimo. Digo que, na economia, sempre há opções. Alguém teria apostado em opções mais reguladoras do mercado para proteger, sobretudo, os trabalhadores e as trabalhadoras que ficaram com o peso da retração econômica produzida pelas sanções.
Você entende que o governo poderia ter aumentado os investimentos e a participação do Estado?
Mais que posições críticas, tenho ideia de que as coisas poderiam ter sido feitas de outra maneira. Há propostas neste sentido. Mas são os que decidem que têm a noção de quanta receita o país tem, qual é o dinheiro que entra na Venezuela.
Nós, como uma boa parte do chavismo, seguiremos apostando em uma política que garanta que os direitos fundamentais de trabalhadores e trabalhadoras, que ela seja expressada nos salários, poder aquisitivo, uma política de crédito mais ampla para os setores produtivos pequenos, médios e, inclusive, grandes setores produtivos, como elemento para amenizar essas medidas.
Quais seriam os desafios de Maduro para um eventual terceiro mandato, nos próximos 6 anos?
Não me atrevo a fazer previsões. Eu fui governo. É muito delicado dizer "deveria ser dessa, ou daquela forma", porque quando não se é governo, não se tem informações para tanto. Eu gostaria de fazer isso, mas não posso.
Em todo caso, digo que a aspiração de alguns setores do chavismo é que a recuperação econômica seja equilibrada, que não caia nos ombros dos trabalhadores e trabalhadoras, em meio a situações complexas, já que as sanções continuam. A licença de exploração de petróleo é decidida fora do país.
Essa é parte da batalha que temos que recuperar, a nossa plena capacidade de decidir sobre o que fazer aqui. Se uma empresa asiática, africana quer negociar ou investir na Venezuela, ela não pode ir primeiro ao país, tem que ir aos Estados Unidos. O mundo não pode ser assim. Eles não podem dizer para o mundo quem compra e quem não compra.
Em relação a este bloqueio, como as eleições dos Estados Unidos podem mudar a política de Washington com Caracas? É possível uma abertura dos diálogos?
É o que deveria acontecer e o que aspiramos. Se aqui Maduro ganha, espero que os Estados Unidos abandonem essa política de desconhecimento do Estado venezuelano, das instituições e das empresas. E que acabem essas sanções ilegais.
Essa não é uma aposta só do chavismo, mas de toda a sociedade. Eu sei que há setores da oposição que compartilham essa indignação. Como venezuelanos e venezuelanas, temos que vender e investir os recursos petroleiros.
Há diferença entre Trump e Biden?
Para os EUA é muito fácil essa situação, administrar os recursos de um outro país. Por isso, o problema não é a democracia, mas com a Venezuela, o petróleo. Não é democracia, direitos humanos, isso não importa nada para os Estados Unidos.
Eles conseguiram seus objetivos com as sanções e um setor da oposição tem muita responsabilidade por isso. É incrível que a oposição fugiu da responsabilidade desse caos perante a comunidade internacional e à sociedade venezuelana. É verdade que cometemos erros, mas quem pediu as sanções, fez lobby para isso, foram setores da oposição organizados em torno da Plataforma Unitária.
Como a oposição está organizada hoje?
Primeiro, é uma oposição cujos déficits democráticos são muito relevantes, porque é uma força política que não participa das eleições quando sente que vai perder. E que só participa quando sente que vai ganhar.
Mas se perdem, não reconhecem os resultados. Se ganham, não reconhecem a institucionalidade, como em 2015, ao tentar destituir o presidente da República naquele momento, sem que tivesse competências constitucionais para isso, ou para impor um presidente interino que não tinha nenhum respaldo na Constituição. Essa é a oposição.
Há muito afã no mundo para ter um termômetro para medir a democracia do chavismo. Mas esse mesmo termômetro não se aplica à oposição venezuelana que está alinhada ao governo dos Estados Unidos. Lamento dizer que estou quase seguro de que eles não vão reconhecer o resultado de uma vitória de Nicolás Maduro. Eles só estão participando hoje porque sentem que o dano que causaram na economia e o mal-estar que isso gerou criaram condições que os levam a acreditar que possam ganhar. Se não, eles não participariam.
Você acredita que, ao não reconhecer os resultados eleitorais, pode haver uma onda de violência, como já ocorreu com as guarimbas?
Eu acho que nenhum setor da população está disposto a acompanhar uma aventura dessa. O custo é muito alto para as famílias que perderam seus entes queridos, convocados por dirigentes irresponsáveis que saíram do país e lá vivem vidas boas.
Aqui ficaram pessoas que foram processadas por delitos cometidos durante as ações de violência, jovens mortos em diferentes circunstâncias. O dano econômico que isso promoveu ao país, a ansiedade que foi um dos detonadores da migração venezuelana, teve dois componentes: o medo da guerra civil em 2017 e 2018 e, obviamente, as condições econômicas que se criaram.
Os venezuelanos não têm ânimo para acompanhar aventuras violentas de dirigentes que o povo sabe que os vão deixar na mão.
Hoje a Venezuela tem uma inflação em queda, um câmbio estável. Mas você disse em entrevista recente que é preciso estabilizar ainda mais a economia e a política. O que você quis dizer e como fazer isso?
A estabilidade econômica passa principalmente pela possibilidade de que a Venezuela possa comercializar livremente seu principal produto e recuperar a receita nacional. Com isso, ela pode incidir na estabilidade econômica do país, a partir da recuperação do poder aquisitivo dos trabalhadores e trabalhadoras, de uma política de crédito que amplie a produção nacional dos bens necessários, e que permita uma “reinstitucionalização” do país, um funcionamento normal das instituições.
Tivemos uma assembleia eleita em 2015 que encerrou seu mandato em 2021, mas que ainda é reconhecida pelos EUA, administra a petroleira venezuelana Citgo e outros ativos do Estado. Olha a gravidade do que foi feito. Nenhum país fez isso antes, ter um Estado paralelo que outorga a administração dos ativos do país, no estrangeiro. Ninguém nunca fez isso. É preciso aca a lógica amigo-inimigo dessa situação.
Temos que tomar cuidado também para falar em estabilidade econômica. Ter estabilidade nos indicadores econômicos não significa estabilidade nas famílias. Teremos estabilidade econômica quando todas as famílias tiverem capacidade de comprar os bens que precisam para viver. Sem dúvida na macroeconomia temos uma estabilidade.
Mas além da questão das sanções, qual seria um caminho para resolver isso internamente?
Primeiro, com base no conhecimento. Nós temos uma experiência. Porque essa história não é nova, não começou com o presidente Nicolás Maduro. Não reconhecem que o ex-presidente Hugo Chávez, com apenas 2 anos de governo, sofreu um golpe de Estado, o fizeram prisioneiro, mas ele recuperou o poder. Depois teve a paralisação da indústria petroleira. Ficamos no começo deste século, por vários meses, sem a receita do petróleo. É como um padrão repetido de modos diferentes e com diferentes chefes. Como conseguimos superar toda essa situação?
Com acordos. Naquele momento lembro que foi facilitado pelo Centro Carter, OEA a partir do presidente César Gaviria da Colômbia, um acordo de reconhecimento de utilização dos mecanismos constitucionais que, naquele caso, foi o referendo revogatório. Não estou dizendo que é algo que aconteça aqui nesse momento, mas o que aconteceu foi que Chávez foi ratificado, mesmo que um setor da oposição não reconhecesse o resultado, apesar de o Centro Carter, a União Europeia e a OEA dissessem que Chávez havia sido eleito.
Mas se cconseguiu um longo período de estabilidade política até a morte de Chávez. Com refluxos, conflitos, como em toda sociedade, mas sem conflitos de destruição total. O que significou isso para Venezuela? Um crescimento econômico expressivo, um incremento à produção nacional, o consumo básico chegando a níveis inéditos.
A população pôde ter acesso, enfim, à alimentos, medicamentos e roupas. Uma ampliação de todos os direitos, educação, saúde pública gratuita, desenvolvimento industrial, tecnológico… Tudo isso foi resultado do acordo de reconhecimento.
A oposição sempre teve governadores que participaram. Chegaram a ter 10 governadores, frações parlamentares importantes… De maneira que há um caminho já percorrido de que sim, se pode conseguir o que chamamos naquele momento de administração democrática do conflito. O conflito entre nós e eles não vai desaparecer, mas precisa ter uma regulação desse conflito que não afete a sociedade venezuelana, o povo humilde trabalhador.
Sobre o apoio da base social, um ponto importante são as comunas. Desde que você foi vice até hoje, houve uma expansão das comunas. Qual deve ser o papel das comunas para os próximos anos? É possível chegar onde Chávez planejava?
Todas as organizações populares, comunas, conselhos comunais, comitês de terra, água, trabalho, movimentos sociais, foram a sustentação desses duros anos para manter a independência.
São homens e mulheres que fizeram de tudo: distribuíram comida, participaram das brigadas contra a pandemia. O controle bem sucedido que tivemos na pandemia se deve a eles. São os que garantem a paz na comunidade. São os que, em meio às dificuldades, mantêm os serviços mínimos. Sem um povo com esse nível de organização, não seria possível chegar nesse ponto a dias de uma eleição presidencial.
Chávez fez uma retificação do termo Estado comunal que foi pouco conhecida. Ele dizia que preferia falar em uma sociedade comunal.
Porque na Venezuela a Constituição estabelece o Estado Social de Direito e de Justiça e ele dizia que esse Estado deveria ser preservado porque garantia o desenvolvimento de uma sociedade comunal. Ou seja, um povo que fosse capaz de governar seu território, com autogestão, capacidade de gerir o público na sua comunidade e que isso só poderia ser feito se fosse amparado pelo Estado estabelecido na Constituição.
Isso é um processo longo, não vai acontecer no próximo mandato porque a concepção de Chávez sobre a comuna implica um grande esforço cultural, de transformação econômica na vida cotidiana, de transformação social, de novos valores. De convivência. Que não depende do governo, mas da vontade das pessoas, de construir um espaço em que se possa viver bem.
E o processo de construção do socialismo? Como é possível ter uma transição acelerada de um Estado capitalista para um Estado socialista?
Eu não diria que há um Estado capitalista. Há uma sociedade capitalista. Porque quando o Estado estava privado da sua receita, efetivamente o capital impôs seus próprios acordos. E hoje temos um mercado totalmente desregulado.
Lamentavelmente é o que eu tenho que dizer: o capital coloca as condições trabalhistas, de preços… o Estado conseguiu controlar valor da moeda, mas a dinâmica que se impôs na sociedade venezuelana depois do caos na economia foi a lógica liberal ou mais neoliberal que você possa imaginar.
Um Estado sem as suas receitas, não reconhecido internacionalmente por boa parte dos países, confrontando conspirações... Foi muito difícil voltar ao equilíbrio, controle e regulação que impeça a profunda desigualdade social que gera uma economia de mercado sem nenhum tipo de controle.
Mas você acredita que seja possível dar esse giro e que o Estado consiga controlar o mercado principalmente?
Na verdade nós nunca propusemos o controle do mercado. Nós acreditamos que o Estado tenha um papel no mercado, de equilíbrio, regulação, que garanta os direitos da maioria por cima só dos interesses do grande capital. Você me pergunta se é possível? Eu digo que é necessário.
Para que as pessoas vivam bem, porque em uma economia assim não vai ter igualdade, superação da pobreza. O mercado sem nenhum tipo de regulação é um produtor de miséria, de exclusão, desigualdade.
O mercado é uma força política decisiva hoje?
O Estado tem a competência para isso, mas a economia não é um assunto de crédito ou de leis, mas de dinâmica e de realidade. O Estado, para conseguir ser efetivo nos mandatos constitucionais, tem que recuperar as receitas nacionais, a capacidade de suas instituições estabelecerem as regulações necessárias para evitar a desigualdade que se está produzindo no país neste momento.
Quais foram os erros e acertos de Maduro nos últimos 12 anos?
Não quero neste momento importante falar de erros. É claro que há decisões políticas e econômicas que poderiam ter outras alternativas. Mas os acertos de fato foram, além da independência nacional e política, a superação da violência política.
Há 6 anos estávamos à beira de uma guerra civil, de uma invasão dos Estados Unidos. Hoje isso felizmente está fora do mapa. A redução dos índices de criminalidade também acho que é uma grande conquista do governo.
E como o governo conseguiu reduzir a criminalidade? Costumo ouvir muitas explicações diferentes para isso…
Há políticas de segurança, inteligência e territorialização da atuação policial e um desmantelamento das principais facções. A Venezuela vinha em uma escalada de mega grupos que pretendiam controlar territórios e de certa forma conseguiram.
Com trabalho de inteligência, ações diretas com ampliação da presença policial, dos equipamentos policiais, se conseguiu efetivamente conter essas aspirações dos megagrupos. Hoje, o nível de criminalidade está como em qualquer parte do mundo, não há nenhuma facção que pretenda ou consiga controlar algum território.
Mas além da questão das facções, Caracas, por exemplo, tem uma sensação de segurança muito grande nas ruas. É algo que surpreende para quem vem pra cá. Como isso foi possível?
São coisas que vão desde questões pequenas, como iluminação das ruas, os quadrantes de paz --que tem uma atuação em que em cada quadra tem uma patrulha, um telefone que as pessoas podem chamar essas patrulhas. A ocupação, o desenvolvimento de programas noturnos de recreação.
Então as pessoas começaram a ocupar as ruas, fazer visitas turísticas, festas. As prefeituras desenvolveram uma série de medidas que geram um elemento que é real, que é a sensação de segurança. Tudo isso faz com que as pessoas se sintam mais seguras e mais tranquilas, ocupem os espaços, saiam de noite, caminhem.
Hoje as pessoas usam o celular na rua, é algo contagioso. Certamente há um alto componente de realidade e um alto componente de sensação. Hoje, a sensação é que é mais seguro estar nas ruas e a realidade é que conseguimos desmantelar uma série de grupos que tinha essa política de extorsão e sequestros.
A desigualdade tem impacto nisso?
Não tem nada a ver. Durante Chávez tivemos um dos maiores índices de igualdade social que conseguimos na Venezuela, empatamos com o Uruguai nessa questão. E foi um momento de maior aumento nos índices de criminalidade. São fenômenos complexos e difíceis de desenvolver.
Nós os estudamos e há vários elementos. O crime é transnacional, então se um país tem um alto nível de consumo, muitas estruturas criminosas veem a Venezuela como potencial mercado para o consumo de drogas, sequestro –já que você tira dinheiro de uma classe média-alta e empresários– e isso teve uma incidência. O outro elemento é cultural.
Quando eu era vice, havia muitos jovens entrando no crime e nós interferimos, criamos programas sociais para evitar esse recrutamento. Me disseram uma vez: ‘Você é vice-presidente, é poderoso. Eu quero ser poderoso, relevante. Mesmo que minha vida seja curta’. Então há muitos desses elementos. Um país em igualdade social é um país com alto poder aquisitivo, com pessoas que tem recursos, ativos e isso vira um atrativo para obter recursos.
Mas voltando ao ponto. Não podemos tirar o mérito da ação do Estado que foi planejada, executada.
E a questão da infraestrutura e serviços. Quais são os próximos passos para resolver avançar no abastecimento de água, energia…?
Esse é um desafio importante e um dos males que mais faz sofrer a população. A questão da eletricidade, combustível –que está associado à indústria petroleira– a questão da água, em menor medida.
As pessoas demandam respostas imediatas que, por sua vez, demandam grandes investimentos, recuperação da infraestrutura e de desenvolvimento de novas estruturas que garantam a quantidade de energia que a sociedade venezuelana precisa.
Essa seria uma próxima etapa para o governo?
Claro, já começou. Nos últimos 2 anos, o governo fez investimentos importantes de telefonia pública, por exemplo, um dos setores que mais avançou. Abastecimento de água… A questão da eletricidade é mais complexa porque todo o nosso complexo elétrico está montado sobre tecnologia Siemens e há pouco tempo eles não podiam nos vender equipamentos de manutenção.
Nosso país tem 70% de energia hidrelétrica, e as mudanças climáticas fazem com que ela seja inconstante. Então precisamos investir em fontes de energia, eolica, gas, solar… Recuperar a infraestrutura eletrica vai levar um tempo e importantes investimentos.
Como você vê a configuração da América do Sul e a possibilidade de volta ao Mercosul?
Com a atual configuração politica de Argentina e Uruguai, não vejo um retorno em curto prazo ao Mercosul. Podemos começar pensar na volta à comunidade de nações, formar um mercado comum nos Andes venezuelanos, ainda que a situação política seja diferente do Mercosul, com os governo de Equador e Peru.
Mas na verdade a Venezuela vai ter que batalhar sozinha nos mercados internacionais. Há uma correlação de forças para apostar na Celac. Com um governo solido do México, depois dessa contundente vitória eleitoral, com Lula no Brasil, com Petro na Colômbia, com Boric no Chile, que tem uma visão integracionista apesar das condições da sociedade chilena e como se desenvolvem eles.
Acho que poderia haver um lançamento importante da Comunidade dos Estados latino-americanos, e retomar sua necessária integração, que é a única forma que temos de nos desenvolver.
Edição: Rodrigo Durão Coelho
Fonte: Brasil de Fato
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