Estudo apresentado na ASCO 2024 aponta sobrevida livre de doença ao longo de cinco anos em pessoas que receberam novo fígado como opção de tratamento
Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein - Pessoas com câncer colorretal que tenham metástase
exclusivamente hepática e que são tratadas com quimioterapia podem se
beneficiar do transplante de fígado como parte do tratamento oncológico. A
conclusão é de um trabalho que foi apresentado durante a ASCO 2024, a reunião anual
da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, realizada em Chicago, nos Estados
Unidos. Segundo o estudo, ao final de cinco anos, 40% dos pacientes
transplantados tiveram uma sobrevida global livre da doença, em comparação com
quem não fez o transplante e continuou recebendo a quimioterapia.
A metástase no fígado é mais comum em indivíduos com
cânceres gastrointestinais, como é o caso de tumores colorretais, que atingem o
cólon e o reto, na parte final do intestino grosso. No Brasil, porém, o
transplante de fígado não é indicado para esses pacientes, somente para aqueles
com tumores originados no órgão (hepatocarcinoma). Por aqui, o tratamento
padrão quando há metástase é fazer quimioterapia para redução das massas
tumorais e depois operar o fígado.
O problema é que nem sempre isso funciona. Há casos em que a
quimioterapia até reduz o volume dos nódulos, mas não o suficiente para o órgão
ser operado. A alternativa é fazer quimioterapia pelo resto da vida. Foi
pensando nesses casos, de pacientes que respondem bem à quimioterapia, mas não
o suficiente para deixar o fígado sem a doença, é que pesquisadores da França,
Itália e Bélgica decidiram investigar os benefícios do transplante.
Para isso, selecionaram 94 pessoas entre 2016 e 2021 que
tinham câncer colorretal metastático exclusivamente no fígado e que respondiam
à quimioterapia, mas não podiam ser operadas por possuírem muitos nódulos — em
média, 20. Eles foram divididos aleatoriamente para receber o transplante de
fígado associado ao quimioterápico ou somente a quimioterapia padrão.
Ao final, 40% dos transplantados ficaram totalmente livres da
doença, três (8%) foram retransplantados e um deles faleceu no pós-operatório.
Segundo os autores, o transplante de fígado combinado com a quimioterapia
melhorou significativamente a sobrevida dos pacientes selecionados, por isso
eles defendem a validação da terapia como uma nova opção de tratamento que pode
mudar a estratégia de condução clínica desses casos específicos.
O oncologista clínico Diogo Bugano, do Hospital Israelita
Albert Einstein, assistiu com entusiasmo à apresentação do trabalho na ASCO e
afirma que os resultados são “surpreendentes e promissores.” Ele pondera, no
entanto, que não é tão simples indicar transplante para pacientes em tratamento
oncológico.
“O primeiro problema é que o sistema imune do paciente é
extremamente importante para combater o tumor e a pessoa transplantada é
imunossuprimida para não rejeitar o órgão. Por isso, existe o receio de fazer a
cirurgia e, pós-transplante, descobrirmos que havia metástase em outros órgãos
e o tumor voltar no fígado transplantado”, diz Bugano. “Mas, nesse estudo,
entre os transplantados, 40% ficaram sem doença por cerca de cinco anos depois,
enquanto os outros pacientes ou morreram ou continuaram fazendo quimioterapia.
É um resultado muito surpreendente e impactante”, acrescentou o
oncologista.
De acordo com Bugano, os países seguem critérios
diferentes para transplantes e, em alguns, a oferta de órgãos de cadáveres é
maior do que no Brasil, o que facilita para colocar a terapia em prática. Por
aqui, incluir o câncer de intestino entre as indicações para transplante de
fígado é algo totalmente novo e a indicação precisaria ser avaliada com cuidado
para não prejudicar outros pacientes que estão na fila de espera.
“Um dos acordos dos pesquisadores com as centrais de transplante
para fazer o estudo era que esses pacientes não ficassem mais de dois meses na
fila de espera, porque eles estariam sem receber quimioterapia. Então foi
negociado um acordo excepcional para que eles fossem considerados prioritários
na fila”, explica o oncologista. “Aqui no Brasil sofremos com a falta de
órgãos. Como o câncer de intestino é muito comum e costuma dar metástase no
fígado, se isso fosse aplicado aqui, muitos pacientes teriam que passar na
frente e não teria órgão para todos”, pondera.
A alternativa, diz Bugano, seria considerar para esse
paciente com metástase, que já operou o intestino e só restou o câncer no
fígado, o transplante intervivos (de um parente que seja parcialmente
compatível). “Nesses casos, não tem fila de espera. Existe algum risco para o
doador, mas é muito pequeno. Para quem recebe, segue o fluxo de transplante
normal, pois essa porção (cerca de 30%) de fígado saudável vai melhorar a vida
do paciente. Esse trabalho veio validar que o transplante de fígado é uma terapia
que temos que avaliar cuidadosamente com nosso paciente se faz sentido ou não.
É mais uma opção que poderá ser discutida”, diz.
O oncologista clínico Rafael Kaliks, que também é do Einstein e
participou da ASCO, considera que esse estudo pode ser o primeiro passo para
mudanças na prática clínica, já que pacientes com câncer gastrointestinal têm
maior probabilidade de metástase no fígado.
“Esse é um trabalho extraordinário que, pela primeira vez,
mostra um aumento significativo de sobrevida em pacientes com câncer de
intestino com metástases hepáticas. A diferença em termos de sobrevida desses
pacientes é muito maior entre aqueles que foram transplantados. Pode ser que,
depois disso, a prática comece a mudar”, avalia Kaliks.
Fonte: Agência
Einstein
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