Pesquisa mostra que quem se sente sozinha tem mais vontade de ingerir comidas calóricas; fome e o estado emocional estão conectados por meio de uma região complexa do cérebro
Por Thais Szegö, da Agência Einstein - O isolamento social provocado pela Covid-19 e o fato de muitas
pessoas continuarem trabalhando de maneira remota após a pandemia serviram de
motivação para que pesquisadores da Universidade da Califórnia, nos Estados
Unidos, decidissem estudar os impactos negativos da solidão sobre os hábitos
alimentares e a saúde mental das mulheres. Publicado no Jama
Network Open, o estudo mostrou
que quem se sente sozinha está mais propensa a ingerir comidas calóricas com
maior frequência.
Para chegar a essa conclusão, foram selecionadas 93
voluntárias saudáveis com uma média de idade de 25 anos. Elas foram divididas
em dois grupos: as que apresentavam altos índices de percepção de isolamento
social e as que tinham baixos índices. Em seguida, foram mostradas imagens de
alimentos enquanto elas passavam por exames de ressonância magnética funcional,
técnica que detecta alterações no fluxo sanguíneo e na oxigenação dos tecidos
cerebrais que ocorrem por meio de ativações neuronais.
A análise mostrou que as participantes que se sentiam mais
sozinhas apresentaram maior ativação das regiões do cérebro associadas ao
desejo por comida, especialmente diante de fotos de itens açucarados. Nelas
também houve menor ativação nas áreas da massa cinzenta responsáveis pelo
autocontrole relacionado à alimentação.
Segundo o estudo, essas mulheres tendem a apresentar
maiores índices de gordura corporal, dieta de baixa qualidade, vícios
alimentares, alimentação baseada em recompensa, apetite descontrolado, níveis
mais altos de ansiedade e depressão, além de menor capacidade de lidar com
eventos difíceis e estressantes.
As conclusões da pesquisa mostram que os impactos da solidão vão
muito além dos sentimentos. Eles influenciam na forma como as pessoas se
relacionam com a comida, especialmente as que não são saudáveis. Esse processo
leva-as a comer mais, ganhar peso e favorece o desenvolvimento de problemas
como ansiedade e depressão, criando, segundo especialistas, uma “bola de
neve”.
“Apesar de ser um estudo pequeno, realizado em um único
lugar e com um grupo bem específico de pessoas, ele evidencia que o isolamento
social pode estar associado a alterações no processamento cerebral relacionado
à forma como sentimos fome e como interagimos com estímulos externos, o que
dificulta controlar a vontade de comer e contribui para maus hábitos
alimentares e obesidade”, avalia o endocrinologista Carlos Andre Minanni, do
Centro de Prevenção e Tratamento da Obesidade do Hospital Israelita Albert Einstein.
Fome emocional - Minanni
ressalta que a fome e o estado emocional estão intimamente conectados por meio
de estruturas cerebrais como o hipotálamo e o sistema límbico, responsáveis por
diversas funções essenciais, a exemplo de memórias e comportamentos. Emoções
negativas, como o estresse, a ansiedade, a tristeza e a solidão, podem ativar
essas áreas do cérebro, aumentando a sensação de fome.
Segundo a psicóloga Juliana Santos Lemos, especialista em
comportamento alimentar e obesidade, em situações como essa, os alimentos se
tornam uma válvula de escape, uma forma de distração para fugir da realidade e
aliviar as dores momentâneas. “Nesses casos, a preferência é por itens ricos em
açúcar e gorduras, que oferecem a sensação rápida de prazer e ativam o sistema
límbico no cérebro, região que envolve as emoções e o mecanismo de ganho e
recompensa.”
A especialista afirma que ao comer um doce muito palatável, por
exemplo, ocorre uma diminuição dos sintomas estressores, cujo efeito acaba
sendo registrado pelo cérebro. Ou seja, quando a pessoa estiver ansiosa,
automaticamente fará uma associação com esse tipo de comida, como uma espécie
de alívio do estado emocional, fazendo com que ela fique condicionada a esses
alimentos nos momentos de tensão.
“Além disso, quando geramos desgastes emocionais, nosso
organismo produz mais cortisol, o hormônio do estresse, deixando o corpo em
alerta e acionando o mecanismo de luta e fuga que naturalmente busca por itens
capazes de gerar energia rápida, direcionando nossas escolhas alimentares a
itens hipercalóricos, ricos em açúcares e gorduras saturadas”, explica a
psicóloga.
As mulheres são mais vulneráveis ao desenvolvimento de
transtornos de ansiedade e depressão por possuírem fatores hormonais e
metabólicos que contribuem para essa desregulação emocional. “As causas dessa
disparidade entre os sexos continuam sendo investigadas, mas alguns fatores,
como maior percentual de gordura corporal, mesmo que em um peso saudável, e
normas e expectativas sociais em torno da imagem corporal diferentes, geram
mais pressão para que elas sejam mais magras, o que favorece comportamentos alimentares
não saudáveis”, acrescenta o endocrinologista do Einstein.
“Um dos seis pilares da Medicina do Estilo de Vida,
abordagem que entende a saúde como algo relacionado diretamente aos hábitos da
pessoa e está muito em voga atualmente, é a prática de relacionamentos
saudáveis e esse estudo ressalta a importância de cultivarmos conexões
positivas com familiares, amigos e comunidade e a relevância de buscarmos apoio
social quando necessário”, afirma Minanni.
Terapia pode ajudar - A
psicoterapia também traz uma grande ajuda nesses casos. “Ela é aliada no
processo de desenvolvimento do repertório emocional, ajudando a afastar o
sentimento de culpa que surge quando não se consegue ter controle sobre os
hábitos condicionados às emoções, e auxilia na criação de uma rede de apoio, na
reestruturação de crenças e na regulação emocional em relação à comida,
substituindo comportamentos prejudiciais e aumentando os preventivos”, avalia
Juliana Lemos.
Segundo a psicóloga, a terapia cognitivo-comportamental é
considerada padrão ouro para o tratamento de transtornos alimentares, perda de
peso e obesidade. “Com essa abordagem, é possível entender os aspectos que
antecedem a ingestão alimentar e que definem o conjunto de cognições que
constroem o processo da alimentação, além de gerenciar outros fatores que
impactam a saúde física e mental.”
Fonte: Brasil 247 com Agência Einstein
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