Projeto que cria barreiras no acesso ao aborto
legal é um retrocesso nos direitos das mulheres e na segurança de meninas
O projeto de lei que equipara o aborto realizado acima de 22
semanas de gestação ao crime de homicídio simples, inclusive no casos de
gravidez resultante de estupro, agrava casos de gravidez infantil, de acordo
com o Ministério das Mulheres. Um recorte histórico feito pelo DataSUS mostra
que 247.280 meninas de 10 a 14 anos foram mães no Brasil, entre 2012 e 2022.
Apesar de apresentar uma queda ao longo dos anos, no último período analisado
ainda foram contabilizadas mais de 14 mil gestações nesta faixa de idade.
Outro levantamento, do Anuário Brasileiro de Segurança
Pública, apontou também que o país registrou 73.024 mil estupro em 2022. A
maioria das vítimas é menina: de cada 10 casos, 7 foram cometidos contra
crianças de até 13 anos. Isso significa dizer que quatro ocorrências envolvendo
menores nesta faixa etária são registradas por hora no Brasil. Dessas, duas das
vítimas engravidam.
O estudo aponta ainda que 57% das vítimas eram negras e 68%
dos estupros ocorreram dentro de casa. Outro dado revela a gravidade deste
cenário: em 64% dos casos, os autores eram familiares das vítimas. Segundo o
ministra Cida Gonçalves (Mulheres), “são essas meninas que mais precisam do
serviço do aborto legal, e as que menos têm acesso a esse direito”.
Em nota divulgada pelo Ministério da Mulher, a ministra
afirmou que “não é por acaso que os movimentos feministas e de mulheres vêm
intitulando o Projeto de Lei 1.904/2024 de ‘PL da Gravidez Infantil’”.
Quantidade de mães com idade de 10 a 14 anos
ANO | NÚMERO DE MÃES |
2022 | 14.293 |
2021 | 17.456 |
2020 | 17.579 |
2019 | 19.330 |
2018 | 21.172 |
2017 | 22.146 |
2016 | 24.135 |
2015 | 26.700 |
2014 | 28.244 |
2013 | 27.989 |
2012 | 28.236 |
TOTAL | 247.280 |
“Seja por desinformação sobre direitos e como acessá-los,
exigências desnecessárias, como boletim de ocorrência ou autorização judicial;
ou pela escassez de serviços de referência e profissionais capacitados, o
Brasil delega a maternidade forçada a essas meninas vítimas de estrupo,
prejudicando não apenas o futuro social e econômico delas, como também a saúde
física e psicológica. Ou seja, perpetua ciclos de pobreza e vulnerabilidade,
como o abandono escolar”, aponta o comunicado.
De acordo com a ministra, o avanço do PL na Câmara dos
Deputados cria barreiras no acesso ao aborto legal e representa um retrocesso
no direito da mulher e na segurança de meninas.
“Não podemos revitimizar mais uma vez meninas e mulheres
vítimas de um dos crimes mais cruéis contra as mulheres, que é o estupro,
impondo ainda mais barreiras ao acesso ao aborto legal, como propõe o PL
1.904/2024. Criança não é para ser mãe, é para ter infância, é para ser
criança, estar na escola”, conclui a nota.
Entenda o PL
A Câmara aprovou nesta quarta-feira a urgência de um projeto
de lei que endurece a legislação contra o aborto. O texto equipara o aborto a
homicídio quando realizado após a 22ª semana. A medida proíbe inclusive o
aborto em casos de estupro caso seja realizado depois desse período.
O texto foi analisado rapidamente pela Câmara e não houve
registro nominal dos votantes. Também não existiu espaço para os parlamentares
discursarem. A medida foi anunciada pelo presidente da Casa, Arthur Lira
(PP-AL), e aprovada segundos depois. Apenas PSOL e PCdoB se manifestaram
contrários à urgência.
O requerimento aprovado acelera a tramitação da iniciativa e
faz com que ela possa ser pautada diretamente em plenário, sem precisar passar
por comissões. O projeto é de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ),
que já liderou a bancada evangélica.
Lira já chegou a declarar que a iniciativa de Sóstenes é
mais adequada do que o projeto do estatuto do nascituro, que tornaria aborto
crime hediondo e traria uma série de restrições mais fortes à prática. Hoje o
aborto só é permitido em casos de estupro, quando há riscos para a vida da mãe
e em casos de fetos anencéfalos.
No mês passado, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo
Tribunal Federal (STF), suspendeu de forma liminar a resolução do Conselho
Federal de Medicina que proíbe a utilização de uma técnica clínica (assistolia
fetal) para a interrupção de gestações acima de 22 semanas decorrentes de
estupro.
Moraes atendeu a um pedido feito pelo PSOL, que pede a
declaração de inconstitucionalidade da resolução do CFM que proíbe a utilização
da assistolia fetal exclusivamente nos casos de aborto decorrente de estupro. A
técnica utiliza medicações para interromper os batimentos cardíacos do feto,
antes de sua retirada do útero, e é considerada essencial para o cuidado
adequado ao aborto.
De acordo com o projeto, “se a gravidez resulta de estupro e
houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima de 22 semanas, não se
aplica a excludente de ilicitude”.
A mudança prevista nas sugestões do deputado alcançam casos
em que:
- “a mulher provoque aborto a si mesma ou
consente que outrem lhe provoque”. A pena aumentaria dos atuais um a três
anos para seis a 20 anos de prisão.
- é provocado o aborto, mas sem o consentimento
da mulher. Nesses casos quem realizar o aborto, sem o aval da gestante,
terá sua pena ampliada, que hoje vai de um a quatro anos, para seis a 20
anos.
‘Grande retrocesso’
A #PL1904Não E #CriançaNãoÉMãe estavam entre os dez assuntos
mais comentados da rede social X (antigo Twitter) na tarde desta quarta-feira.
Na manhã desta quinta, a hashtag “PL do Estupro” se destacou nos trending topics.
O advogado criminalista Rafael Paiva defende que a alteração
legislativa é um “grande retrocesso” no que se refere ao tratamento jurídico
dado à questão.
— No mundo todo ocidental democrático, a tendência é pela
descriminalização do aborto, e não do recrudescimento da punição. Pior ainda se
considerarmos a pena, que seria maior do que a de um estuprador. Apesar disso,
entendo também que a decisão compete ao Congresso Nacional, que é o órgão
constitucional legitimado para isso, formado por representantes do povo —
avalia o advogado.
Fonte: Agenda do Poder com informações do GLOBO.
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