sexta-feira, 14 de junho de 2024

“Orçamento implantou um parlamentarismo ao tornar emendas instrumentos mais fortes que qualquer ministério,” alerta Lupi

 “Articulação política é responsabilidade de todos os integrantes do governo”

As emendas parlamentares se tornaram um instrumento mais poderoso do que a entrega de ministérios a um ou outro partido para ampliar a base de apoio no Congresso Nacional, disse à Folha o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi. “O Orçamento implantou um parlamentarismo”, afirmou.


Neste ano, os parlamentares podem distribuir R$ 51,6 bilhões por meio das emendas. O ministro diz que o tamanho é desproporcional, uma vez que a fatura supera a verba livre de cada um dos 39 ministérios do governo Lula (PT).


Segundo ele, as emendas deveriam ser reduzidas, mas é difícil avançar nessa discussão.


Lupi afirma também que a articulação política não é uma responsabilidade só da pasta de Relações Institucionais, comandada por Alexandre Padilha, mas de todos os ministros.

Ele disse se recusar a receber membros da família Bolsonaro, mas já teve reuniões com representantes do PL, como a deputada Bia Kicis (PL-DF). “Todos nós temos que colaborar.

Parlamento é a representação do povo, não do meu gosto.”


O ministro disse ainda que concorda com a avaliação do líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues, de que o Executivo deve focar na agenda econômicas em vez das pautas de costumes.


Articulação política

A articulação política é sempre muito difícil. Primeiro, nós temos um Congresso muito heterogêneo. O Lula ganhou com dois pontos de diferença, e a nossa base não é 20% do Congresso. Como vai governar? Eu me lembro do primeiro governo Brizola [como governador do Rio de Janeiro]. O PT tinha dois deputados estaduais e nós tínhamos 27, uma bancada grande. Mas precisava ter metade mais um, 36. Um deputado era um partido. Tinha que compor, não? Tinha que dar secretaria. Então, é um pouco o retrato do governo.

Emendas parlamentares

O grande problema é que as emendas passaram a ser um instrumento mais forte que qualquer ministério. Se você somar o que se tem de emendas, entre as obrigatórias individuais e as livres, é maior que qualquer orçamento livre de qualquer ministério. O Congresso ficou muito forte.

O Orçamento implantou um parlamentarismo. Eu sou contra? Não é ser contra, mas eu acho que tudo tem que ter limite. Se eu elejo um Executivo, a palavra já diz, é para executar uma política pública. Acho legítimo que o parlamentar tenha sua emenda para levar benefícios para a sua cidade. Mas não pode esse volume, está exagerado.

Redução das emendas

É muito difícil. É muito difícil. Esse é o desafio que o governo está enfrentando. Quando tenta segurar, eles votam contra. Então, não é falta de uma articulação política. É que se criou e se alimentou um processo do presidencialismo e ter o parlamentarismo. A convivência do presidencialismo com o parlamentarismo é muito difícil. Porque quem está no Executivo quer executar minha política. Quem está no Parlamento [diz] ‘nã nã ni na não, o dinheiro é meu’. Como é que você faz? Esse é o grande desafio.

Conciliação com Congresso

Vejo [essa possibilidade]. O [Arthur] Lira [presidente da Câmara dos Deputados] é um homem da política. É um homem que tem habilidade. Por exemplo, a sinalização que ele está dando para a presidência da Câmara já é de composição. “Eu não quero impor. O meu nome será o meu e que não pode ter veto do presidente da República.” Isso não é uma composição? Mais do que isso eu não conheço.

Segundo, todas as votações mais importantes, as macrodecisões, o governo conseguiu aprovar. Ele perdeu naquele varejozinho em que cada um quer mostrar a sua força. Mas na macro, não. Não vamos ser injustos.


Contribuição dos ministros

Acho que tem que se ter mais diálogo, mais parceria. E nós, do governo, temos que ter mais sensibilidade com os parlamentares.

Parlamentar que chega eu atendo, não precisa marcar. E quando eu não tenho como dar resposta àquilo que ele pede… Vem muita gente aqui, por exemplo, pedir perito médico. Qual é a minha engenharia? Vamos fazer um mutirão na sua região, [o parlamentar] sai feliz da vida. Vamos fazer a telemedicina. Vamos fazer convênio com a prefeitura e com o estado para levar o atendimento. Eu sou do ramo, entendeu? Eu sou do ramo.


Todos nós temos que colaborar. O ministro das Relações Institucionais é uma espécie de porta-voz com o Parlamento. Mas ele não é o responsável. Se cada um de nós não dá contribuição para ele executar, não adianta ele sozinho. Não é justo. Não é uma avaliação pessoal.


Representação política

Em algumas áreas pode faltar [colaboração], sim. Não vou dizer qual é porque eu não sei. Mas cada um de nós, eu me incluo, quer fazer o seu time, a sua visão política, natural e legitimamente. Só que, como eu sou do ramo, eu faço a minha, mas também tenho que atender a eles.

Eu não vou no estado que eu não aviso da minha agenda. Se [os parlamentares] vão ou não vão, não é problema meu. Turma do Bolsonaro eu não recebo, nem família, mas do PL, fui lá com a Bia Kicis, pergunta como é que ela me tratou. Veio aqui duas vezes.


Parlamento é uma representação do povo, não é uma classificação do que eu gosto. Eu tenho a minha opinião, mas tenho que respeitar o que o povo elegeu. Se elegeu o que eu não gosto, paciência, o que eu posso fazer? Nós temos que ter mais humildade em saber fazer essa relação.


Pauta de costumes x pauta econômica

Concordo inteiramente [que o momento é de priorizar a pauta econômica]. A pauta de costumes é muito da visão pessoal.

Vou te dar um exemplo pessoal. Eu sou espírita, kardecista. Há 40 anos, no mesmo partido de esquerda. Eu sou contra o aborto. É a minha filosofia de vida, me respeitem! É o meu direito. Me choca, o que eu posso fazer?


Não estou dizendo que estou certo ou errado. Sou amplamente favorável à liberdade individual de cada um decidir sobre o seu corpo, o que quiser. Mesmo te dando a liberdade, eu quero o amplo direito de pensar como eu quero. É isso que diferencia a minha visão dessa direita mais raivosa.


A pauta de costumes é muito individual. Não posso colocar como dogma ideológico a religiosidade das pessoas, a definição sexual de cada um. Isso não tem nada a ver com gestão, com administração. Cada um acredita o que quiser. A pauta de governo é pauta econômica, social, não é a pauta dos direitos individuais, da cidadania. Isso é teu, e eu tenho que garantir o teu direito. Eu tenho que fazer o estado te atender, o hospital público te atender.


Acho isso tão sem importância para a realidade do Brasil que a gente está vivendo. Cada um deve decidir o seu destino, conforme sua visão. Agora, eu não posso te obrigar a acreditar na minha filosofia. E também você não pode me obrigar a acreditar na tua.

Essa pauta é muito pessoal, intransferível, é de cada um. Não é discussão política, não é discussão de governo. Aliás, para ser mais exato, não é uma política de governo. Não é uma política da discussão do Estado brasileiro. É da cidadania. Por que o Estado tem que arbitrar o que você deve e o que não deve? Quem sou eu? Quem sou eu?


Anistia aos envolvidos no 8 de janeiro

Sou radicalmente contra. Não pode anistiar quem preparou, promulgou, desejou e tentou executar um golpe de Estado. A história do trabalhismo, meu partido [PDT], é a história dos excluídos, do maior número de caçados, exilados, torturados e mortos por uma ditadura. Nenhum torturado pode compor com o seu torturador.

Projeto que proíbe delação de presos


Nunca examinei esse projeto. Eu tenho a concepção. Por princípio, delação é um ato de covardia. Só os covardes delatam. Só os covardes entregam. Quem delata é porque em algum momento participou.

Eu me incomodo muito com delação, qualquer que seja, de quem quer que seja. Não é um instrumento eficaz. Quando você troca vantagem para uma pessoa falar, já começa errado. Apresenta a prova, diz o fato concreto. A delação não é o processo de cada um querer se salvar? Não é uma discussão que passou pelo partido, é minha visão de mundo.


Fonte: Agenda do Poder com informações da Folha de São Paulo

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