sexta-feira, 14 de junho de 2024

Médico brasileiro referência em aborto legal diz que “PL do Estupro” vai condenar muitas meninas à morte

 Crianças e adolescentes, muitas das quais são estupradas, descobrem a gravidez tardiamente; limite de semanas proposto pelo projeto para realização do aborto as colocaria em perigo

O obstetra Olímpio Moraes é uma referência na luta pela democratização do aborto legal no país. Depois de 38 anos de carreira médica, diz ver abismado o avanço do PL (projeto de lei) do Aborto, que atesta ser um retrocesso que vai custar vida de muitas grávidas, em especial crianças e adolescentes. Não à toa o projeto tem sido chamado de “PL do Estupro” e “PL da Gravidez Infantil”.


Se aprovada, a proposta equipara o aborto após 22 semanas ao crime de homicídio simples, com punição de seis a 20 anos de cadeia — mais, por exemplo, que a pena de estupro (de 8 a 15 anos para estupro de vulnerável), informa o colunista Carlos Madeira, do portal UOL. Até mesmo os médicos poderão ser presos — hoje eles são isentos.


Olímpio é diretor médico do Cisam (Centro Universitário Integrado de Saúde Amaury de Medeiros) e professor da UPE (Universidade de Pernambuco). A sua luta o levou a ser excomungado pela Igreja Católica, após fazer aborto em uma criança de 9 anos, em 2009; e ser atacado por ala religiosa radical, que tentou impedir uma criança de 10 anos de interromper gravidez após ser estuprada pelo tio, em 2020.


Ele diz que, se aprovado, o projeto de lei vai punir, em sua grande maioria, crianças e adolescentes que descobrem a gravidez tardiamente até pela situação de vulnerabilidade que vivem.


“Entre essas crianças e meninas adolescentes, a principal causa de morte são justamente as complicações da gravidez. E a segunda é o suicídio devido à depressão, gerado muitas vezes pela situação de vulnerabilidade causada pela violência sexual. Então, o projeto vai condenar essas meninas muitas vezes à morte”, diz Olímpio.


Ele diz que limitar em 20 semanas o prazo é uma ideia de quem nunca procurou saber sobre o tema, já que elas muitas vezes descobrem a gestação após o 4º mês.


O obstetra diz que na infância e pré-adolescência especialmente, o seguimento de uma gravidez é sempre um risco:


“Há crianças que nem sabe o que é a gravidez, nem sabe que estão grávidas; ou que escondem a gravidez ameaçadas porque o algoz é da própria família. Quando a família descobre, a gravidez já está com cinco meses. Procurar ajuda no Brasil para esse abortamento é difícil porque são poucos lugares que oferecem o serviço.”


Mulheres também morrerão


Uma das preocupações que Moraes cita é com os casos de risco à vida de mulheres. Ele explica que existem casos que apenas após 20 semanas de gestação são percebidos.

“Existem casos em que mulheres apresentam, acima de 20 semanas, uma descompensação cardíaca, ou percebe-se uma gravidez abdominal, uma gravidez ectópica [fora do útero] — que é um risco muito grande. E o médico pode ficar com receio de interromper a gravidez, e a mulher pode morrer por causa dessa lei”, aponta o médico.


Outro ponto que Olímpio chama atenção é dos casos de malformações de fetos incompatíveis com a vida. “Muitas vezes o diagnóstico é dado depois de 20 semanas”, diz. E continua:


“No caso de feto mal formado seja sem cérebro, sem coração, sem rins? A lei dá a entender que ele está viável, então manda continuar a gravidez. As mulheres passam a ser obrigadas a continuar a gravidez muitas vezes de alto risco e destruindo a sua saúde mental. É uma tortura fazer isso com as mulheres.”


Por fim, Olímpio diz que os profissionais que estão na linha de frente não concordam com a mudanças na lei e critica entidades de classe que não se posicionam contrários e adotam, inclusive, posturas para dificultar o aborto legal.


“Acho que a maior parte dos médicos são humanistas, são éticos. Esses médicos que estão aí [defendendo medidas antiaborto legal] representam uma parcela, muitas vezes nunca atenderam a paciente vítima de violência ou situação de aborto previsto em lei. Eles usam para agradar algumas forças políticas que são aliados”, conclui.


Situações em que aborto é permitido por lei


  • Para salvar a vida da mulher;
  • Gestação resultante de estupro;
  • Feto anencefálico — defeito na formação do tubo neural que resulta em bebê natimorto ou capaz de sobreviver apenas algumas horas.

Longa história de defesa do aborto legal


Moraes tem uma longa história de defesa para que mulheres pobres tenham direito a aborto legal pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Sua defesa pelo direito ao aborto legal o levou, em 2009, a ser excomungado ao fazer um aborto de gêmeos, no Cisam, de uma menina de Alagoinha (PE) estuprada pelo padrasto e que causou uma grande repercussão. O arcebispo local excomungou não só ele, como toda a equipe médica.


Em agosto de 2020, o médico obstetra Olímpio Moraes dirigia o Cisam (Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros), no Recife, que recebeu uma menina de 10 anos do Espírito Santo que estava grávida após ser estuprada pelo tio.


No caso, ela precisava de uma interrupção da gravidez — negada no estado dela. O aborot foi feito no Cisam, mesmo com protestos de grupos de religiosos e políticos radicais, que foram à porta da unidade chamar ele e a menina de assassinos. A criança precisou entrar no porta-malas do carro, escondida, para realizar o procedimento.


Fonte: Agenda do Poder com informações do UOL

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