Ação pode cortar pagamentos de quem está recebendo indevidamente
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) prevê realizar até 800 mil perícias presenciais do Benefício por Incapacidade Temporária, o antigo auxílio-doença, e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) até dezembro deste ano. Esse último é pago a idosos e pessoas de baixa renda com deficiência e preocupa o governo pela sua forte trajetória de expansão.
O objetivo da força-tarefa é atender exigências do Tribunal de Contas da União (TCU), que vem cobrando do governo a realização de revisões periódicas, como determina a lei, bem como contribuir para a agenda de redução de gastos obrigatórios.
A pressão sobre a gestão Lula para corte de gastos públicos e o debate a respeito da sustentabilidade de despesas com benefícios previdenciários e assistenciais ganharam força nas últimas semanas após os sinais de esgotamento das medidas arrecadatórias dentro do Congresso Nacional.
Um dos focos do INSS é realizar perícias no pagamento do auxílio-doença de longa duração, aquele que é prorrogado por mais de uma vez e pode durar vários meses ou até anos.
O governo paga o auxílio após os primeiros 15 dias de licença, que são arcados pelas empresas. Atualmente, pessoas continuam recebendo prorrogações automáticas do benefício mesmo sem ter direito, por falta de perícia.
O mesmo ocorre com o BPC, cujo cadastro deveria ser revisado a cada dois anos, conforme determina a lei. Essa análise periódica, porém, não tem sido realizada na frequência devida – um problema que atravessa governos.
“Vamos ter condição de fazer essa revisão com frequência, não é mais só um movimento para economizar, porque as contas estão apertadas. A revisão vai entrar na esteira de entrega ordinária. Até dezembro de 2024, vamos fazer até 800 mil perícias nessas duas áreas (BPC e auxílio-doença)” afirma ao Estadão o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto.
Ele estima que, caso metade dos benefícios seja considerada indevida, o que é uma média quando se faz esse tipo de reavaliação, a revisão representaria um corte de R$ 600 milhões por mês nos gastos do governo, chegando a R$ 3,6 bilhões em seis meses. Stefanutto pondera, porém, que não é possível cravar quantos benefícios serão cortados, pois isso depende da análise de cada caso concreto.
A cifra, segundo o INSS, já está embutida na previsão de economia de R$ 9 bilhões com despesas previdenciárias, que consta no Orçamento de 2024.
“Eu ouvi do presidente da República (Lula) que é para dar benefício para todo mundo que tem direito, rapidamente, e no caso daquele que não tem direito, cumprir a lei. Nunca ouvi do presidente da República que é para dar benefício porque é bom politicamente”, diz Stefanutto. “Quando você dá benefício para quem não tem direito, você está tirando recurso do benefício para quem tem direito.”
De acordo com o presidente do INSS, o que o órgão fará é uma revisão permanente dos benefícios realizando perícias para cumprir a legislação, e não um pente-fino em busca unicamente de economia das contas públicas – como, de acordo com ele, foi feito no passado.
“Foi uma coisa muito horrível que se fez no passado, quando se aprovou o teto de gastos e precisava fazer economia. Além de um desastre, isso foi um engano, porque um ano depois voltou tudo via judicial”, afirma Stefanutto.
“O que vamos viver nos próximos anos é um período de estabilização do gasto com o auxílio-doença, porque o benefício está voltando para a caixinha. Ele é para ser concedido no mês em que é pedido, mas estava levando muito tempo”, diz o secretário do Regime Geral de Previdência Social, Adroaldo da Cunha Portal.
Esse “mutirão” de perícias será possível devido a dois fatores. O primeiro é a implementação do Atestmed, sistema que incentiva a troca da perícia médica presencial pela análise documental eletrônica em casos de benefícios de curta duração, de até 180 dias. Como consequência, houve uma redução da demanda de peritos para novas concessões, permitindo a realocação dessa mão de obra.
O segundo é o pagamento de bônus aos servidores no âmbito do Programa de Enfrentamento à Fila da Previdência Social (PEFPS), criado em julho do ano passado e que conseguiu reduzir o prazo médio de espera do INSS para 37 dias (abaixo de 45 dias, que é o prazo regular). Essa força-tarefa prevê bonificação de R$ 76 por cada perícia médica extraordinária realizada, e agora será aproveitada para a revisão dos benefícios.
Pedidos de BPC disparam 40%; no Nordeste aumento foi de 60%
O BPC é um benefício vinculado ao salário mínimo pago a idosos e pessoas de baixa renda com deficiência. Nos últimos meses, o governo observou um aumento exponencial nas solicitações do programa e ainda não tem um diagnóstico exato do que tem gerado esse crescimento.
Conforme o Estadão mostrou, o Executivo projeta aumento de R$ 99,2 bilhões neste ano para R$ 154 bilhões em 2028 nos gastos com o BPC, com a entrada de 1,3 milhão de novos beneficiários. Hoje, o programa atende 6 milhões de pessoas.
De acordo com o secretário do Ministério da Previdência Social, a média mensal nos pedidos pelo benefício aumentou 40% nos seis primeiros meses deste ano em comparação a 2023.
Na Região Nordeste, o crescimento foi de 60%. Só no Piauí, o incremento foi de 111%. Segundo o secretário Adroaldo da Cunha Portal, a concessão acompanhou o crescimento dos pedidos e a fila se manteve inalterada. Ou seja, para cada pessoa que entra no cadastro de beneficiários outra entra na fila, mantendo o estoque da espera.
“Estamos com uma fila empacada de 300 mil pessoas esperando o BPC desde janeiro. Tivemos um crescimento fruto do aumento da capacidade operacional. Só que a ideia era enfrentar esse estoque e depois estabilizar. O BPC se demonstra hoje uma porta de entrada de benefício com expectativa de crescimento significativo nos próximos anos se alguma coisa não for feita”, diz Adroaldo Portal.
Regras de acesso
Um dos motivos que explicam o crescimento é a mudança nas regras de acesso ao benefício aprovada em 2021 pelo Congresso Nacional, que beneficiou famílias com renda per capita de até meio salário mínimo.
Anteriormente, somente famílias com renda mensal de até um quarto de salário mínimo tinham direito a receber o pagamento. De acordo com o secretário, a mudança ainda provoca efeitos. Outras razões, no entanto, precisam ser investigadas. “A porta de entrada para o benefício era estreita e se tornou mais larga.”
O ministro do Desenvolvimento e Assistência Social e Combate à Fome, Wellington Dias, responsável pela gestão do BPC, afirmou ao Estadão que a pasta não tem nenhuma previsão de mudança nas regras do programa, que hoje é vinculado à valorização real (acima da inflação) do salário mínimo.
Fonte: Agenda do Poder
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