Walfrido Moraes Tomas diz que a cultura pantaneira tem sido erodida, o que põe em risco a preservação do bioma
As queimadas deste ano no Pantanal preocupam, mas ainda há tempo e condições para evitar danos maiores à principal vitrine da biodiversidade do Brasil. Quem afirma é Walfrido Moraes Tomas, cientista da Embrapa-Pantanal, em Corumbá (MS), um dos maiores especialistas na biodiversidade pantaneira, terra de onças-pintadas e araras-azuis.
Tomas é um dos autores do estudo sobre o impacto das queimadas em 2020 na fauna que estimou em 17 milhões o número de vertebrados mortos. Ele chama a atenção da ação humana nos incêndios, também apontada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Segundo Marina, 85% dos focos de fogo no Pantanal neste ano surgiram em áreas privadas.
Qual o impacto até agora do fogo no Pantanal neste ano?
São incêndios muito grandes, mas o Pantanal é imenso. Porém, animais, principalmente os menores, morrem em qualquer incêndio. Por ora, a escala de impacto sobre a fauna nativa é menor do que em 2020. Todo cuidado é pouco e é preciso agir. Não dá para estimar com sobrevoos de avião. Esse é um trabalho para ser feito em solo.
Este ano as condições climáticas favorecem o fogo. Mas qual o peso da ação humana?
Nessa época, mais seca, os incêndios são todos causados por ação humana. Pode estar a condição mais favorável do mundo para o fogo, que ele só vai existir se alguém começar. É só ver que, inclusive, quase a totalidade das áreas incendiadas está fora das unidades de conservação e das terras indígenas.
E o que se pode dizer da tese do “boi bombeiro”, que voltou a ser mencionada?
A história do boi bombeiro é uma tolice. Se atearem fogo, vai queimar com ou sem boi. Queima mais onde não tem boi porque são áreas que não servem para pasto e não têm gado algum nelas. E não porque o boi, ao pisar, saia apagando incêndio e a falta dele permita ao fogo se espalhar. Isso é uma invenção que contam para justificar queima injustificável. São as pessoas que começam os incêndios, muitas vezes por práticas antigas para queimar lixo e limpar o campo, e isso tem muito a ver com a erosão da cultura pantaneira.
O que chama de erosão cultural no Pantanal?
O Pantanal é uma grande savana úmida inundável, tem uma história moldada pelo fogo e a água. Mas tudo tem um limite e um momento certo. O Pantanal tem passado por muitas transformações. E não apenas climáticas e ambientais, como o desmatamento. Uma delas é que as pessoas desaprenderam a interpretar a paisagem. A cultura pantaneira tem sido erodida. Como resultado, queimam lixo e campo no momento errado.
E antes, como era?
Havia mais gente que sabia escolher quando queimar ao observar o solo e a vegetação, avaliar a umidade e saber quando era seguro. Os peões pantaneiros verdadeiros estão se tornando mais escassos. Tudo isso impacta.
Quais outros fatores que provocam impacto?
Há várias outras causas. Há o desmatamento. As pessoas continuam a pôr fogo depois de tudo o que aconteceu em 2020. Mesmo, por vezes, sendo prejudicadas por isso. Mas existe uma coisa fundamental, que faz toda a diferença.
O que é?
Educação. O Pantanal, e não apenas ele, precisa de educação, muita educação, muito esforço nesse sentido. É preciso compreender que tudo está ligado e um pequeno ato pode se tornar um grande desastre.
Como ocorre agora?
Sim. Há uma grande sinergia. O Pantanal é filhote da Amazônia, depende da umidade que vem dela para existir. É cria do Cerrado, é lá que nascem os rios que o formam. Ele sofre com a seca na Amazônia, com o desmatamento e o assoreamento das nascentes do Cerrado. Há o impacto das mudanças climáticas, que reduzem a chuva e aumentam o calor. E das barragens, que seguram a água que deveria escoar pela planície. É nesse cenário que chega uma pessoa que decide pôr fogo, para limpar seu campo. E o incêndio, um fogo nascido pequeno, se espalha e devasta imensas áreas. No momento, a sinergia ambiental é ruim. Não podemos mudar o tempo, mas podemos mudar as pessoas.
Fonte: Agenda do Poder com informações do GLOBO.
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