sexta-feira, 7 de junho de 2024

‘A política está distante dos quartéis, como tem que ser’, afirma comandante do Exército

 General Tomás Paiva admite que Força errou ao postar mensagem que foi interpretada como ameaça ao STF, às vésperas do julgamento do habeas corpus de Lula: “Acho que é um erro coletivo”

O comandante do Exército, general Tomás Paiva, disse que a corporação tem que ficar distante da política, como determina a Constituição, e que esse é “o único caminho que a gente tem na direção de ser um país moderno”.


Em entrevista ao Globo, o militar admitiu que foi um erro a atitude tomada pelo general Villas Bôas, em 2018. Na ocasião, ele publicou um post no qual repudiava a impunidade, às vésperas de o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar um pedido de habeas corpus do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A mensagem foi interpretada como uma ameaça à Corte, caso ela decidisse garantir a liberdade de Lula.


“Acho que nós erramos. Não vou julgar também o comandante anterior, a quem eu tenho toda a lealdade. Acho que é um erro coletivo”, disse.


Paiva também afirmou que não é contra a reinstalação da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, que vem sendo adiada por Lula.


A seguir, a entrevista:


Logo após assumir o Exército, o senhor disse que o seu objetivo era afastar a política dos quartéis. Essa missão já está concluída?


A missão nunca está concluída. Sempre está em andamento. Mas está indo bem. Nesse período, não tivemos praticamente nenhum sobressalto, de uma declaração de alguém, uma nota, nada. A política está distante dos quartéis, como tem que ser. A lógica que prevaleceu é a do cumprimento do que está previsto na Constituição. Isso está cada vez mais consolidado. Este é único caminho que temos na direção de ser um país moderno. Estamos atuando firmemente no cumprimento da missão constitucional, no trabalho profissional e no afastamento da política. Somos uma instituição de Estado.


A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que obriga os militares a se afastarem efetivamente da política tem encontrado resistências no Senado. Essa rejeição, inclusive, é encabeçada pelo general da reserva e senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS). É possível contornar esse obstáculo?


Acho legítimo o Mourão ter o seu posicionamento. Do ponto de vista dos três comandantes, está muito bem entendido como uma questão que acaba sendo benéfica para as Forças, porque o impacto dela é muito pequeno. Ao contrário do que as pessoas pensam, a migração de militares da ativa para a política é muito pequena. Ela ocorre mais nas forças auxiliares (policiais militares). E talvez a resistência também seja, por analogia, uma preocupação de que isso possa afetar ou dificultar a entrada de militares das forças auxiliares.

As investigações da Polícia Federal revelaram indícios de que militares de alta patente tiveram envolvimento político numa trama golpista. Por que esse grupo se aventurou num plano antidemocrático?


As investigações estão caminhando. Não podemos comentar, porque tem muitas em segredo de Justiça. São poucos militares na ativa. A maioria está na reserva. Essas investigações vão terminar, o procurador-geral da República vai analisar para ver quem tiver que ser denunciado, se vai pedir arquivamento…A Justiça vai se pronunciar sobre quem é inocente ou culpado. Depois disso, nós vamos atuar.


De que forma os militares que eventualmente forem condenados pela Justiça serão também punidos pelo Exército?


Depende da culpabilidade. Por exemplo: se uma pessoa for condenada a uma pena superior a dois anos, o Ministério Público Militar vai perguntar para o Superior Tribunal Militar se ela tem possibilidade de continuar com as suas funções de militar de carreira do Exército. Se for menos, a pessoa cumpre a pena e depois vai ser restabelecida a sua condição na carreira. É isso que vai acontecer. Depende do nível de culpabilidade. Se o militar atentou contra a honra e decoro da classe, pode ser submetido a um Conselho de Justificação, para oficiais, ou Conselho de Disciplina, no caso dos praças. É o que está previsto no Estatuto dos Militares.


O ex-presidente Jair Bolsonaro foi o primeiro militar no poder desde o fim da ditadura e, durante a sua gestão, nomeou integrantes da caserna em postos-chave como, por exemplo, um general no comando ministério da Saúde durante a pandemia. De que forma a credibilidade do Exército foi capturada e arranhada pelo ex-presidente?


Isso é uma pergunta que temos que fazer para quem estava no comando na época anterior, que respondia pelo Exército.


Mas o senhor costuma dizer que é o comandante do Exército do passado, do presente e do futuro…


Sim. Eu defendo o Exército de antes, do presente e do futuro. Obviamente que, nesse contexto, não considero adequado um militar da ativa ter sido nomeado. Há outros exemplos de militares que, quando foram se somar aos quadros do governo, passaram para a reserva. O ideal é que passe para a reserva. Pode ter preferência, mas não pode ter partido enquanto estiver vestindo a farda. Pode assessorar, mas depois que está decidido cumpre a decisão. Fui ajudante de ordens dos dois presidentes (Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso). O militar não pode se envolver.


Mensagens de celular obtidas pela Polícia Federal mostram o general da reserva Braga Netto orientando que fossem feitos ataques nas redes sociais contra o senhor. Ele também fez uma série de acusações, vinculando o senhor ao PT e dizendo que o senhor “nunca valeu nada” e que foi dar uma bronca no general Villas Bôas. Como viu esse episódio?


Eu não vou responder. Isso está nos autos do inquérito. Eu sempre tive uma relação muito boa com ele. Sempre tive um respeito profissional muito grande por ele. Não vou comentar esse aspecto porque acho que não colabora. Não vale a pena ficar pisando em ressentimentos.


O senhor ficou indignado?


Como pessoa, você fica chateado. Mas eu não tive oportunidade de sentar e de falar com ele. Não vou potencializar uma coisa que ele falou, inclusive para um interlocutor que não é uma pessoa confiável. Isto é um problema da política dentro da instituição militar: um ex-integrante do Alto Comando falando com um ex-major que foi excluído do Exército por indignidade.


O senhor se reuniu algumas vezes com o ministro Alexandre Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O que disse a ele?


Eu me reuni não só com ele, mas com vários ministros como o (Luís Roberto) Barroso (presidente do STF) e o ministro (Luiz) Fux. Estou para receber o ministro Kassio (Nunes Marques). Cabe ao comandante falar institucionalmente pelo Exército. As pessoas maximizam o fato de eu ter me reunido com ele (Moraes). Como ele é o relator de ações penais que envolvem militares, toda vez que eu tive dúvida, fui consultá-lo para chegar a um entendimento. Até pouco tempo atrás, eu tinha militares das forças cumprindo prisão, medidas cautelares, dentro do estabelecimento militar. Para evitar, às vezes, dúvida, conversei institucionalmente com ele. Houve um profundo respeito institucional pelos processos em andamento. Todas as decisões foram cumpridas. A Polícia Federal fez o papel dela. Toda vez que havia uma diligência a ser cumprida em área militar, na véspera, sem que fosse quebrado o sigilo da investigação, eu fui informado de que haveria uma operação em tal área. Tudo de maneira republicana e correta. O Exército, a Marinha, a Força Aérea e as Forças de Segurança têm que ser parceiras, porque cumprimos inúmeras missões em conjunto.

Em abril de 2018, o então comandante do Exército general Villas Bôas publicou um post falando de impunidade às vésperas do julgamento do pedido de habeas corpus de Lula. O senhor, então chefe de gabinete do militar, elogiou a nota e concordou com a publicação. Hoje como Comandante do Exército no governo Lula, o senhor teria feito algo diferente?


Teria. Eu acho que o comandante do Exército aqui tinha que ter sido mais veemente no assessoramento. Acho que nós erramos. Não vou julgar também o comandante anterior a quem eu tenho toda a lealdade. Acho que é um erro coletivo. Não deveria ter sido publicado. Eu era chefe de gabinete e sou corresponsável por isso, apesar de ser um outro momento político. Agora, não houve pressão no Supremo. O Supremo não se pressiona. O comandante do Exército é o comandante de ontem, hoje e sempre. Então, erramos.


Durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff, o senhor foi um dos críticos da instalação da Comissão Nacional da Verdade. Qual é a sua posição hoje sobre a tentativa de recriação do governo Lula da Comissão Especial sobre Mortes e Desaparecidos Políticos?


São coisas bem diferentes. Eu não fui crítico à instalação da Comissão Nacional da Verdade. Eu sou crítico à maneira como foi conduzido. Porque a gente perdeu uma possibilidade de reconciliação. Isso aconteceu em outros países . Na África do Sul, o presidente (Nelson) Mandela buscou o entendimento dos dois lados. Durante o curso do trabalho da Comissão Nacional da Verdade, havia um viés que buscava uma justiça de transição que não existe. Estamos falando de coisas que se passaram há 60 anos. Não vou também fazer juízo de valor pela história, porque não sou historiador. A Comissão Nacional de Mortes e Desaparecidos é uma outra iniciativa. Ela busca que pessoas que perderam entes queridos tenham o direito de saber o que aconteceu. Isso é humanitário. Ninguém pode se opor a esse direito.


Mesmo que isso resvale no Exército?


Mesmo que resvale no Exército atualmente.


O presidente Lula determinou que não ocorressem manifestações do governo para condenar os 60 anos do Golpe de 1964. Isso foi um gesto de pacificação?


A nossa decisão de não fazer qualquer tipo de pronunciamento (a favor do golpe) foi tomada já no ano passado. Já se passou muito tempo (do golpe). Eu acho que ele (Lula) fez um gesto ao país.

O Exército afastou militares envolvidos na propagação de uma notícia falsa sobre rompimento de um dique em Canoas (RS). O senhor também foi alvo de fake news. Como tem combatido isso?


Não cabe ao Exército discutir o arcabouço legal. Temos informado mais e atuado para esclarecer o quanto antes o que tenha acontecido. Obviamente, se é uma coisa gravosa, procuramos as instâncias correspondentes para reclamar. É como a lei prevê. O mais importante é se comunicar por ação e atitude. No caso dos militares que divulgaram uma desinformação, procuramos sair na frente, porque isso é um erro. Tudo indica que não houve má-fé. Foi uma tentativa de acertar. Mas afastamos (os militares) e abrimos um procedimento administrativo para investigar.


A atuação do Exército na tragédia provocada pelas chuvas no RS tem melhorado a imagem da instituição?


Seria triste falar que a gente precisa de uma tragédia para melhorar alguma coisa na nossa reputação. Neste caso, o Estado brasileiro está dando uma resposta. É uma operação logística e humanitária como nunca aconteceu antes no Brasil. O prestígio das Forças, cumprindo a missão constitucional, ocorre naturalmente e é proporcional ao tamanho do engajamento na missão. Quanto mais vista, o prestígio aumenta. Nesse momento está acontecendo isso. Ontem (quinta-feira), fui lá pela sétima vez.


O PSOL, partido da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, citou negligência do Ministério da Defesa no combate ao garimpo ilegal na terra Yanomami. Isso foi injusto?


Eu não respondo à crítica, porque buscamos solução. Estávamos trabalhando muito. E, às vezes, as pessoas, no afã de resolver o problema, não têm todas as informações do que está acontecendo. Nunca deixamos de trabalhar nessa temática de proteção aos povos originários.

Há um risco de o garimpo voltar a se expandir na região da Amazônia aproveitando que os esforços do Exército estão concentrados no Rio Grande do Sul e a insuficiência de recursos da Força?


Isso sempre tem, porque se os recursos são escassos e os problemas são crônicos. Isso significa que tem que estar presente o tempo todo. Temos enxergado que o orçamento está cada vez mais difícil pelas contingências que estamos vivendo. Uma parte do orçamento é impositiva. O governo tem que enviar para o Congresso. Também não cabe ao comandante do Exército discutir a política orçamentária do país. Cabe ao comandante do Exército explicar quais são os efeitos que isso traz, os projetos que atrasam.


 E quais são os efeitos?


Quando um projeto como o de monitoramento de fronteira, que estava previsto para terminar em 2022 e passa para 2035, às vezes, essa tecnologia já está obsoleta. Mesma coisa com os helicópteros, que precisam ser substituídos em determinado tempo. Às vezes, não é mais economicamente viável. Ontem (quinta-feira), eu conversava sobre isso com o presidente, que é altamente favorável ao investimento em Defesa. Eu não posso ficar sem helicóptero na Amazônia, onde o único meio de transporte rápido, de atuação, é o helicóptero. Só que eu tenho aqui um esforço de helicóptero totalmente voltado para o Rio Grande do Sul. Se eu tiver outra emergência, por exemplo, preciso de helicóptero. Vai impactar no orçamento, mas o custo de não ter é muito maior do que o custo de ter.


Fonte: Agenda do Poder com informações do jornal O Globo

Nenhum comentário:

Postar um comentário