"Não faz sentido que a América Latina e a África não tenham representação permanente em órgãos como o Conselho de Segurança", disse o presidente Lula
O presidente Lula
(PT) anunciou nesta quinta-feira (23) que, como presidente do G20, o Brasil
lançará em setembro, durante reunião de ministros das Relações Exteriores do
grupo, um “chamado à ação” pela reforma da Organização das Nações Unidas (ONU).
"Não faz sentido que a América Latina e a África não
tenham representação permanente em órgãos importantes como o Conselho de
Segurança. Não podemos permitir que esse tipo de anomalia também se torne a
regra no tratamento da Inteligência Artificial", disse o mandatário
brasileiro, defendendo "um modelo de governança capaz de conter os riscos
dessa tecnologia e facilitar o acesso do Sul Global a esses benefícios".
A fala de Lula se deu durante declaração à imprensa por ocasião
da visita do presidente do Benim, Patrice Talon.
Leia o discurso na
íntegra:
O Brasil e a África estão unidos na dor pelas mortes e
destruição causadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul e no Burundi, no
Quênia e na Tanzânia.
Quero manifestar
nossa solidariedade e agradecer as mensagens de apoio recebidas dos nossos
irmãos africanos.
Amigos e amigas,
É uma satisfação
contar com o corpo diplomático africano neste almoço em homenagem ao Dia da
África e uma honra ter o presidente do Benim, Patrice Talon, como convidado
especial.
Em Uidá, cidade natal do presidente Talon, está uma das “portas
do não retorno” que existem na costa africana. Elas têm esse nome porque se
acreditava que quem passava por elas jamais regressaria.
Sobrevivendo às
condições desumanas impostas pela escravidão, alguns conseguiram voltar,
levando consigo um pouco do Brasil.
O Benim abriga uma das maiores comunidades de “retornados” do
continente, repleta de Souzas, Silvas, Santos e Carvalhos.
Aqueles que aqui
permaneceram fincaram raízes em nossa identidade, transformando o Brasil no
terceiro país com maior população negra no mundo.
Cultivamos nossa história comum na Casa do Benim em Salvador e
vamos fazer o mesmo por meio da Casa do Brasil em Uidá, criando ali um polo
cultural vibrante.
Firmamos hoje
memorando de entendimento em artes, cultura e patrimônio para preservar esse
elo.
Nossos laços se
forjaram a partir do sofrimento, mas hoje servem para encurtar a distância
entre os dois lados do “rio chamado Atlântico” – feliz expressão do diplomata
Alberto Costa e Silva, falecido no ano passado.
Quem aproxima as
margens desse rio são as pessoas.
São os mais de
duzentos estudantes benineses atualmente inscritos no Programa
Estudante-Convênio que escolheram o Brasil para se formar.
São os interessados
no turismo de memória, que será facilitado pelo memorando em turismo e pelo
adendo ao acordo sobre serviços aéreos que assinamos hoje.
São também os
empresários, com quem contamos para ampliar e diversificar nossa pauta
comercial e de investimentos.
E são, enfim, os
técnicos que têm a missão de manter e expandir o legado de um dos mais exitosos
programas de cooperação brasileiros, que vem beneficiando o setor algodoeiro do
Benim e de mais 17 países africanos.
Tenho certeza de que
esse intercâmbio crescerá com a reabertura da embaixada do Benim em Brasília e
com a criação de um núcleo brasileiro de cooperação para todo o continente em
Adis Abeba, onde estarão presentes agências como a ABC, a EMBRAPA e a Fiocruz.
É com esse espírito
que sediaremos, a convite da União Africana, a Conferência Regional da Diáspora
e dos Afrodescendentes das Américas e do Caribe, no final de agosto, em
Salvador.
O Brasil tem muito a
aprender e a contribuir nos debates sobre memória, restituição, reparação e
reconstrução.
O fortalecimento dos
vínculos entre a África e sua 6ª região, da qual o Brasil orgulhosamente faz
parte, pode se transformar em um vetor positivo de apoio ao Haiti.
Com o Quênia e o
Benim assumindo a dianteira na missão policial da ONU, reafirmamos nosso
compromisso com a estabilidade e a prosperidade haitianas e estamos à
disposição para oferecer apoio logístico à operação.
No momento em que as
atenções se concentram na Ucrânia e em Gaza, não podemos deixar que o mundo se
esqueça do Haiti, nem de outras tragédias humanitárias como a do Sudão.
Senhoras e senhores,
O talentoso
historiador brasileiro José Flávio Sombra Saraiva – que nos deixou há poucos
dias – disse que o Brasil havia se convertido no “porta-voz da África no
sistema internacional”.
Não temos a pretensão
de falar por ninguém. Mas somos parceiros naturais da África e também
enxergamos o mundo por lentes africanas.
Isso nos leva a
incorporar a perspectiva do continente à nossa atuação global, como estamos
fazendo na presidência no G20.
Juntamente com a
União Africana, que participa pela primeira vez como membro pleno do grupo,
temos alertado sobre o problema do endividamento.
O que vemos hoje é
uma absurda exportação líquida de recursos dos países mais pobres para os
países mais ricos.
Não há como investir
em educação, saúde ou adaptação à mudança do clima se parte expressiva do
orçamento é consumido pelo serviço da dívida.
O grupo de trabalho
sobre arquitetura financeira do G20 promoverá, em junho, um debate com
especialistas africanos, cujos resultados levaremos para a reunião de ministros
das Finanças do G20.
Se os 3 mil
bilionários do planeta pagassem 2% de impostos sobre o rendimento das suas
fortunas, poderíamos gerar recursos suficientes para alimentar as 340 milhões
de pessoas que, segundo a FAO, enfrentam insegurança alimentar severa na
África.
Muitos países em
desenvolvimento já formularam políticas eficazes para erradicar a fome e a
pobreza.
Nosso objetivo, no
G20, é mobilizar recursos para ampliá-las e adaptá-las a outras realidades.
Por isso, convidamos
os países africanos a se somarem à nossa Aliança Global de Combate à Fome e à
Pobreza, que estará aberta a adesões a partir de julho.
Estamos determinados
a apoiar a África a desenvolver seu imenso potencial agrícola.
Aderimos,
recentemente, ao Compacto Lusófono do Banco Africano de Desenvolvimento, que
visa a apoiar empreendedores africanos e elevar sua capacidade produtiva.
Apesar de não sermos
historicamente responsáveis pela mudança do clima, precisamos lutar juntos pela
ampliação das metas de financiamento na COP de Baku e pela adoção de NDCs mais
ambiciosas na COP de Belém em 2025.
Em agosto passado, os
demais países amazônicos, ao lado da República Democrática do Congo e da
República do Congo, lançaram a declaração “Unidos por nossas Florestas”.
O Brasil está
trabalhando no desenho de um mecanismo – o Fundo Florestas Tropicais para
Sempre – para remunerar países em desenvolvimento que mantêm suas florestas em
pé.
Reiteramos nosso
convite para que mais países africanos se unam à declaração e considerem aderir
ao fundo.
Assim como no caso
das florestas, temos que abordar a questão da transição energética a partir dos
nossos interesses.
Sem agregar valor aos
recursos naturais, estaremos fadados a reeditar a relação de dependência entre
o Norte e o Sul.
A ordem internacional
requer instituições capazes de responder aos desafios da atualidade.
Em setembro, faremos
em Nova York uma reunião de ministros das Relações Exteriores do G20, aberta a
todos os membros da ONU, para lançar um “chamado à ação” pela reforma da
governança global.
Não faz sentido que a
América Latina e a África não tenham representação permanente em órgãos
importantes como o Conselho de Segurança.
Não podemos permitir
que esse tipo de anomalia também se torne a regra no tratamento da Inteligência
Artificial.
É necessário um
modelo de governança capaz de conter os riscos dessa tecnologia e facilitar o
acesso do Sul Global a esses benefícios.
Amigos e amigas,
Em fevereiro, tive a
honra de discursar na Cúpula da União Africana.
Levei a mensagem de
que o Brasil voltou a caminhar ao lado da África.
Minha missão de vida
sempre foi e é combater as desigualdades.
A América Latina e a
África têm de enfrentar as injustiças que, dentro e fora dos nossos países,
continuam reproduzindo lógicas excludentes.
Afinal, como disse o
nigeriano Chinua Achebe], se não gostamos de uma história, podemos escrever a
nossa própria história.
Por isso convido
todos vocês a fazer um brinde a nosso ilustre convidado e desejo um feliz dia
da África a todos e todas.
Muito obrigado.
Fonte: Brasil 247
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