Terrenos da costa, como praias e margens de rios e lagoas, são da União; aprovação da PEC permitirá que empresas e ocupantes particulares possam adquirir a posse
A proposta de emenda à Constituição (PEC) que transfere a propriedade dos terrenos do litoral brasileiro do domínio da Marinha para estados, municípios e proprietários privados voltou a ser discutida no Senado. Embora seja um debate nacional, a PEC já provoca reações dos poderes locais do Rio de Janeiro, que resistem às possíveis mudanças.
Sob relatoria do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), a proposta gera controvérsias. De um lado, o senador defende que a mudança é necessária para evitar prejuízos financeiros aos municípios. Por outro lado, ambientalistas alertam que a aprovação pode comprometer a biodiversidade, especialmente na Região dos Lagos e na Costa Verde do Rio. O deputado estadual Carlos Minc vê a medida como uma ameaça à natureza.
— Eu acho essa proposta inacreditável depois de tudo que vimos no Rio Grande do Sul. O que falta mais para cair a ficha das mudanças climáticas? Quando Bolsonaro estava no governo, ele falava que queria construir uma Cancún brasileira. Eles querem dar essas terras aos hoteleiros, cassinos e portos — diz Minc — Para fazer qualquer mudança nessas áreas do Rio é preciso um estudo de impacto para entender que não dá para destruir a biodiversidade. Eles estão de olho na especulação imobiliária em Angra, Paraty, Búzios, nesses locais de grande movimentação turística.
Diante deste cenário, Minc afirma que, caso a PEC seja aprovada, irá apresentar um projeto de lei para proteger as praias, restingas e manguezais do Rio:
— Nós não podemos deixar esse horror chegar ao Rio de Janeiro. Sendo assim, estou com este projeto de lei que define e delimita bem as áreas de preservação que não podem ser mexidas. Isso é importante porque depois não podem dizer que fizeram algo sem saber que ali era protegido.
A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) declarou que acompanha com atenção os debates e seus possíveis desdobramentos. Assim como Minc, a secretária municipal de Meio Ambiente, Eliana Cacique, considera a proposta um retrocesso. Ela destaca a importância da preservação dessas áreas ambientais e alega que a PEC “favorece a ocupação desordenada”.
— Essa PEC vem na contramão de tudo que os outros países estão fazendo. Nós precisamos entender que esses terrenos de marinha são aliados e diminuem a vulnerabilidade na zona costeira. A proposta só favorece a ocupação desordenada em áreas cheias de biodiversidade. É preciso entender que a União fica apenas com as áreas mais importantes, que não são ocupadas. Negociar isso é a venda do país, das regiões mais significativas. Infelizmente, o que a secretaria pode fazer é trabalhar o ordenamento costeiro, porém, a legislação precisa ser tratada com outra legislação — argumenta Cacique.
Atualmente, a Constituição prevê que terrenos da costa marítima brasileira, como praias, além de margens de rios e lagoas, são propriedade da União. Por isso, o acesso a esses locais é público, exceto nas áreas controladas pelas Forças Armadas. Contudo, a aprovação da PEC permitirá que empresas e outros ocupantes particulares possam adquirir a posse desses territórios.
O geógrafo marinho Eduardo Bulhões alerta que a proposta pode levar à privatização das praias:
— Esse é um cenário menos provável em Copacabana, mas é preocupante na Região dos Lagos porque várias praias têm acessos limitados por trilhas e é preciso passar por terrenos. Ali na Praia da Ferradurinha, em Búzios, ou na Praia Brava, em Arraial do Cabo, o dono pode simplesmente fechar o acesso e privatizar. Quem ganha com essa PEC são os proprietários de terrenos à beira-mar. Corre-se o risco de muitas praias se tornarem elitizadas — reflete Bulhões.
Josera Varela, professora da Faculdade de Oceanografia da UFRJ, explica que a privatização das terras pode resultar em políticas que atendam apenas aos interesses de determinados grupos:
— São duas questões importantes: uma se refere ao livre acesso às praias e a outra leva em conta a preservação. Com a passagem dessas áreas para a iniciativa privada ou para níveis mais locais de governo, os ambientes também se tornam mais vulneráveis a pressões políticas que podem levar ao atendimento de interesses de determinados grupos, que não necessariamente estão cientes das consequências de suas ações — aponta Varela — Com a atual subida do nível do mar e as mudanças climáticas que estão causando um aumento da frequência e intensidade das tempestades e ressacas, ecossistemas como dunas representam um importante estoque de areia para a posterior recomposição natural das praias.
Em nota, a Marinha do Brasil declarou que “essas áreas são pilares essenciais para a defesa da soberania nacional, o desenvolvimento econômico e a proteção do meio ambiente, tendo em vista a diversidade de ecossistemas, a importância das atividades econômicas relacionadas aos ambientes marinho e fluviolacustre, além da necessária proteção de 8.500 km de litoral, a partir do adequado preparo e emprego da MB na Amazônia Azul”.
Por fim, a Marinha “reitera que as dimensões continentais do Brasil e a complexidade de sua sociedade requerem um amplo debate em torno do tema, com a participação de toda a sociedade, a fim de garantir uma análise pormenorizada dos aspectos regionais que permitam um tratamento diferenciado e inclusivo, além do enfoque estratégico da soberania nacional”.
Fonte: agenda do Poder com informações de O Globo.
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