Secretaria de Política Econômica ressalta a ineficácia e o elevado custo fiscal da medida, prejudicando a execução de outras políticas públicas essenciais
A prorrogação irrestrita do modelo de desoneração da folha de
pagamentos presente na Lei nº
14.784/2023 , aprovada no Congresso Nacional no final do ano
passado, contraria o interesse público. É o que aponta a Secretaria de Política
Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda (MF) no estudo “Desoneração da Folha
de Pagamentos — Análise setorial da política prorrogada e proposta de revisão”,
divulgado nesta sexta-feira (26).
A disputa em torno da desoneração da folha de pagamentos
chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Cristiano Zanin suspendeu
pontos da legislação, na última quinta (25).
O estudo divulgado pela Fazenda, além de indicar que “o desenho
atual da política não é justificável em termos de eficácia, efetividade e
interesse público”, a SPE destaca que “a racionalização do benefício da folha
de pagamentos e a mudança de seu desenho é uma recomendação de política pública
que deve ser buscada pelos atores envolvidos no processo de policy-making do país”.
“Dado o elevado custo fiscal da medida, que implica menor
disponibilidade de recursos para outras políticas públicas essenciais, pode-se
concluir que a prorrogação irrestrita do modelo de desoneração presente na Lei
nº 14.784/2023, aprovada no Congresso Nacional, contraria o interesse público”,
enfatiza o material da SPE.
A Secretaria destaca os elevados valores de renúncia fiscal
gerados pela política de desoneração da folha de pagamentos, desde a
implantação do sistema, em 2012. O pico foi apurado em 2015 (R$ 25,2 bilhões),
ano em que o número de atividades desoneradas atingiu o máximo. Para 2024, a
Receita Federal estima que a política de desoneração da folha de pagamentos,
prorrogada pelo Congresso por meio da Lei nº 14.784/20023, terá um custo de R$
15,8 bilhões.
O estudo reforça a relevância do modelo proposto pelo
governo ao Congresso no final do ano passado, conforme teor da Medida Provisória nº 1.202/2023 ,
revisitado no Projeto de Lei nº 493/2024 . No
material, a SPE explica que o mecanismo sugerido pelo governo tem o objetivo de
promover uma transição gradual e sem rupturas para os setores que atualmente
mais usufruem do benefício, propondo uma reconfiguração do desenho dessa
política.
“O novo desenho, focalizado no primeiro salário mínimo de cada
empregado, pode ser pensado como um laboratório para uma política de
desoneração do custo laboral linear entre setores, mas que atenda a critérios
de progressividade, estimulando proporcionalmente mais, de forma indireta, os
setores que empregam mão de obra formal de salário-base e de jovens entrantes
no mercado de trabalho”, esclarece o material.
Análise - Segundo aponta a SPE, o atual sistema brasileiro de desoneração
da folha de pagamentos não encontra paralelo com nenhuma outra experiência
internacional bem-sucedida em termos de geração de empregos formais. O estudo
apurou dois modelos exitosos, mas diferentes do que hoje é aplicado no Brasil.
No cenário global, a primeira linha de desoneração da folha de
pagamentos que obteve sucesso, conforme apurou a Secretaria de Política
Econômica, envolve políticas que abrangem linearmente todos os setores, durante
período limitado. A segunda linha abrange políticas focalizadas em determinados
segmentos da população, como o de mão de obra menos qualificada ou o de jovens
entrantes no mercado de trabalho, com períodos de maior duração. “A política de
desoneração da folha no Brasil não segue nenhuma dessas evidências definidas na
literatura especializada como boas práticas”, destaca o estudo.
Não há, portanto, eficácia no atual modelo doméstico de
desoneração da folha, identificou a SPE. “As evidências encontradas sobre o
desempenho da política no Brasil, em termos de impactos socioeconômicos,
principalmente sobre o nível de emprego, salários e competitividade, não
sinalizam em consenso para um bom e adequado desempenho da política”, cita o
estudo.
Ineficácia - A SPE
realizou uma análise da dinâmica das atividades desoneradas em comparação às
não desoneradas. O resultado indica que o grupo amplo de atividades desoneradas
apresentou retração no número de vínculos e no rendimento agregado entre 2015 e
2021. Essa parcela, inclusive, registrou perda da participação no total de
emprego e de remuneração da economia ao longo do período de desoneração.
Por outro lado, a análise verificou que as atividades não
desoneradas expandiram o número de vínculos e a massa salarial. Ainda, as
atividades desoneradas não mostraram relevante diferença quanto à dinâmica do
rendimento médio comparativamente às atividades não desoneradas, uma vez que o
rendimento médio caiu para todas, informa a SPE.
“Apenas um grupo de setores desonerados pela política, que se
enquadram em 32 classes de atividades CNAE, apresentou dinâmica do emprego e
rendimento superior ao grupo de não desonerados. Este grupo abarca 32 classes
CNAE que estão desoneradas desde 2012, ao passo que 229 outras classes
desoneradas, estratificadas em outros três grupos de acordo com o período de
entrada e vigência da política, apresentaram dinâmica pior do que a do grupo de
não desoneradas”, cita a SPE.
“O melhor desempenho do grupo de atividades desoneradas
desde 2012 até 2021 parece estar mais associado a características da dinâmica
dos setores envolvidos e à conjuntura econômica, social e global do que ao
impacto específico e positivo da política, já que uma gama de outras atividades
desoneradas não apresentaram comportamento semelhante”, explica o estudo.
A conclusão é que a inclusão ampla e irrestrita de
produtos e atividades econômicas desonerados ao longo do período de vigência da
política de desoneração da folha de pagamentos não parece estar associada a
critérios técnicos e boas práticas fundamentadas nas modernas recomendações de
política industrial.
Falácia - O material da SPE traz à luz e esclarece que é inverídica a
afirmação de que a atual política de desoneração da folha de pagamentos
beneficiaria “17 setores que mais intensamente empregam mão de obra no País”.
Essa colocação é enganosa e distorce a realidade, alerta a Secretaria de
Política Econômica.
Dados comprovam que tal afirmação é inconsistente. A
versão mais recente da Lei, vigente desde o final de 2018, beneficia 43 classes
econômicas em classificação CNAE [ Classificação
Nacional das Atividades Econômicas ] e aproximadamente 2.638
produtos/mercadorias em classificação NCM [ Nomenclatura
Comum do Mercosul ].
“A partir de uma compatibilização setorial, este estudo
encontrou 143 classes econômicas (CNAE) atualmente beneficiadas. A agregação em
17 setores comumente veiculada não encontra fundamento em nenhuma classificação
setorial oficial”, adverte a SPE.
O acompanhamento das informações de emprego e rendimento
mostra que, em conjunto, as atividades desoneradas representavam 17% do número
de vínculos e 7% da massa salarial em 2021, tendo essas participações diminuído
ao longo da vigência da política, no agregado. Embora não sejam números
desprezíveis, a SPE alerta que não há respaldo para o rótulo de “17 setores que
mais intensamente empregam mão de obra”.
Histórico - A implantação do modelo de desoneração da folha remete ao ano de
2012, inicialmente abarcando 32 classes CNAE. Ao longo do tempo, houve entradas
e saídas de atividades beneficiadas por essa política, que atingiu seu ápice em
termos de renúncia em 2015.
O modelo atual reflete situação fixada ao final de 2018,
quando ocorreu a última alteração legislativa relativa às atividades atendidas
( Lei nº 13.670/2018 ). Sob
esse guarda-chuva, 43 classes em classificação CNAE e aproximadamente 2.638
produtos/mercadorias em classificação NCM são beneficiadas pela desoneração da
folha desde o final de 2018.
Originalmente, a Lei nº 13.670/2018 estabeleceu
que a desoneração da folha de salários deveria acabar em 31 de dezembro de
2020. Posteriormente, esse prazo foi estendido até o final de 2021 ( Lei nº 14.020/2020 ) e, depois, foi
novamente prorrogado ( Lei nº
14.288/2021), com o encerramento dessa política previsto para o
final de 2023.
O Congresso, no entanto, optou por prorrogar mais uma vez
(até 2027) o modelo de desoneração da folha que vigora desde o final de 2018.
Isso ocorreu a partir da aprovação, em 25 de outubro de 2023, do Projeto de Lei nº 334/2023 pelo
Senado Federal, resultando na Lei nº 14.784/2023, o que ensejou veto do Executivo por
inconstitucionalidade.
Foi nesse contexto que o governo encaminhou ao Congresso a proposição de uma nova política de desoneração
setorial , integrante de um conjunto de medidas focadas na
sustentabilidade fiscal. Os conceitos do novo modelo constam da Medida Provisória nº 1.202/2023 ,
revisitada no Projeto de Lei nº 493/2024 ,
atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados.
Solução - “O Projeto de Lei (PL) nº 493/24 buscou apresentar uma proposta
alternativa à judicialização da prorrogação da política de desoneração aprovada
pelo Congresso Nacional, buscando endereçar sua inconstitucionalidade e
incompatibilidade orçamentária, além de tentar mitigar os problemas de mérito
econômico e social associados à política”, cita o estudo.
A SPE explica que a inconstitucionalidade da Lei nº
14.784/2023 está associada à proibição, a partir da Reforma da Previdência, do
custeamento da Previdência Social por meio da instituição de contribuição
substitutiva sobre a folha de salários. Essa falha ocorre ainda que pela
prorrogação do prazo de vigência de contribuição instituída anteriormente à
Emenda, diante da necessidade de assegurar o equilíbrio no custeio da
seguridade social.
Tal incompatibilidade orçamentária se refere ao impacto –
não orçado – de R$ 15,8 bilhões para 2024. Conforme esclarece a SPE, esse fator
torna a política de desoneração da folha incompatível com a Lei Orçamentária de
2024 ( Lei nº 14.822/ 2024 , que estima a
receita e fixa a despesa da União para o exercício financeiro de 2024),
aprovada pelo Congresso Nacional. Esses fatores ensejaram o governo a ingressar
com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) para apreciação no Supremo
Tribunal Federal.
Segundo aponta o estudo, o novo sistema proposto pelo
Executivo busca minimizar as distorções em relação ao que já estabelece a
política anterior, mantendo determinado nível de desoneração para setores em
que há atualmente maior relevância do uso do benefício. Além disso, apresenta
mecanismo gradual de redução do benefício para que as empresas tenham tempo
para se ajustar ao novo sistema.
Fonte: Brasil 247
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