Valores morais, questões identitárias e habilidade de mobilização política também desempenham papel crucial na formação da opinião pública e na popularidade dos governos
A inflação está sob controle, o desemprego atinge o menor nível desde 2014 e o Produto Interno Bruto (PIB) está crescendo além das expectativas do mercado. Porém, a popularidade do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está em declínio.
Desde que o estrategista americano James Carville popularizou a frase “É a economia, estúpido” na campanha presidencial de Bill Clinton, em 1992, a importância da economia na política tem sido um mantra. No entanto, hoje, tanto dentro quanto fora do Brasil, essa máxima começa a ser questionada, embora a economia ainda desempenhe um papel crucial.
Segundo cientistas políticos e diretores de institutos de pesquisa, em um cenário de polarização consolidada, valores morais e questões identitárias se juntam à economia como temas fundamentais na formação da opinião pública. Em resumo, parece que o pensamento de Carville está passando por uma adaptação: a economia ainda importa, estúpido, mas não é mais suficiente por si só.
Felipe Nunes, diretor da Quaest Consultoria e Pesquisa, afirma que essa nova dinâmica reflete uma opinião pública cada vez mais polarizada, onde cada lado tem convicções firmes e está fechado para ouvir o outro.
Ele destaca que, embora o debate econômico tenha sido predominante no passado, agora há uma disputa por narrativas que vai além da esfera econômica, abrangendo questões de valores e identidade.
Nas pesquisas da Quaest, a avaliação positiva do governo Lula caiu de 40% em fevereiro de 2023 para 35% no mesmo mês deste ano, enquanto a avaliação negativa aumentou de 20% para 34%. Os levantamentos do Ipec também mostram uma queda na popularidade do governo, com diminuição na aprovação e um aumento na desaprovação.
Apesar dos indicadores econômicos positivos, como inflação controlada, baixo desemprego e crescimento do PIB, os especialistas apontam que a percepção da população sobre a economia pode não estar alinhada com esses números. Márcia Cavallari, CEO do Ipec, destaca que a melhora na economia pode demorar a se refletir no cotidiano das pessoas, especialmente nas camadas de renda mais baixa.
Além disso, há uma oposição política mais ativa e eficaz, especialmente por parte do bolsonarismo, que tem conseguido mobilizar seus apoiadores em torno de pautas conservadoras e identitárias.
Josué Medeiros, professor da UFRJ, observa que o governo precisa lidar com essa oposição mais combativa e aprender a responder de forma eficiente às narrativas que são difundidas pela oposição.
Portanto, embora a economia continue sendo um fator importante na política, ela não é mais o único determinante. Valores morais, questões identitárias e a habilidade de mobilização política também desempenham um papel crucial na formação da opinião pública e na popularidade dos governos.
— Não é mais suficiente apenas a economia para gerar resultados políticos. É preciso disputar narrativas, compreender a guerra cultural num mundo de redes sociais e de formação de bolhas — avalia o cientista político Felipe Nunes, diretor da Quaest Consultoria e Pesquisa e autor, junto com o jornalista Thomas Traumann, do livro “Biografia do Abismo”, que analisa a polarização na sociedade brasileira.
Essa nova lógica, afirma Nunes, evidencia uma opinião pública “calcificada”, palavra escolhida no livro para ilustrar como a sociedade está dividida, com cada lado convicto do que acredita e fechado a ouvir o outro.
— A sociedade brasileira sempre foi conservadora, e continua sendo. Um governo de esquerda, então, tem desafios — aponta o diretor da Quaest, que também é professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). — Quando o debate era só econômico, conseguia superar pelas entregas voltadas para o bem-estar social. Quando isso deixa de ser o único determinante e entra a pauta de valores, o governo tem que debater temas não necessariamente favoráveis a ele na opinião pública, como o aborto.
Nas pesquisas da Quaest, o governo Lula passou de 40% de avaliação positiva em fevereiro de 2023 para 35% no mesmo mês deste ano; a negativa saltou de 20% para 34%. Nos levantamentos do Ipec, queda de 41% para 33% no índice de “ótimo ou bom” e crescimento de 24% para 32% no de “ruim ou péssimo”, quando comparados os meses de março de um ano para outro.
Os indicadores econômicos, por sua vez, têm registrado inflação abaixo de 5% na comparação com os 12 meses anteriores, taxa de desocupação em 7,4% e um PIB que cresceu 2,9% no ano passado, na contramão das expectativas de menos de 1% divulgadas pelo mercado no início do governo.
Outra interpretação para o descompasso versa sobre nuances da melhora da economia, destacam os especialistas. O PIB do ano passado, por exemplo, teve desempenho melhor nos dois primeiros trimestres, quando a avaliação do governo também estava superior. Pesa ainda a demora para dados econômicos despontarem como algo palpável para a população, analisa a CEO do Ipec, Márcia Cavallari.
— Uma coisa são os indicadores oficiais, outra é a percepção da opinião pública. A percepção às vezes demora a chegar —diz. — A economia pode estar melhorando, mas talvez a população ainda não tenha sentido isso no bolso. Até porque, quando vemos os segmentos em que Lula mais caiu, destaca-se o de renda mais baixa.
Adepto dessa leitura, o governo fez na última quinta-feira uma reunião em que o presidente reuniu ministros para discutir como reduzir os preços dos alimentos.
Cavallari, no entanto, também enfatiza que as outras pautas de fora da alçada econômica têm recebido mais atenção no Brasil e no mundo:
— Essa questão de pautas mais conservadoras também pega, está ficando mais forte nos últimos tempos. O que determina a aprovação é um misto de economia, segurança, pauta de costumes.
Um dado inédito das pesquisas Quaest, compartilhado agora com o Globo, dá sustentação à leitura do governo, apesar de os especialistas acreditarem que isso por si só não é o suficiente. Em dezembro do ano passado, 47% dos entrevistados acreditavam que o poder de compra do brasileiro era “menor do que antes”. No levantamento de fevereiro, o percentual saltou para 65%.
Na outra ponta, 33% avaliavam em dezembro que o poder de compra era maior; agora, apenas 20% pensam assim. Os números ilustram como indicadores positivos na economia nem sempre se convertem a curto prazo em impacto real para a população.
Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o cientista político Josué Medeiros enxerga uma oposição distinta daquela a que os governos anteriores de Lula estavam acostumados, o que configura um desafio.
O bolsonarismo, diz, retomou o poder de mobilização perdido nos meses seguintes ao 8 de janeiro. Uma vez recuperada a capacidade de articulação, voltou a navegar por águas que lhes são convenientes, sobretudo na pauta de valores.
— As frases de Lula sobre Israel até servem de munição, mas de forma isolada não tem nada nas pesquisas que mostre diretamente que elas fizeram cair a popularidade. Mas há, além delas, um conjunto de fatores, como as fake news sobre Marajó, a nota técnica do Ministério da Saúde sobre aborto, debate sobre inflação. Precisamos sair de tópicos isolados e ver o processo — afirma o coordenador do Observatório Político e Eleitoral (Opel) e do Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (Nudeb).
A lógica de que políticas públicas vão naturalmente se converter em melhora na popularidade, aponta Medeiros, não se sustenta mais. E o bolsonarismo disputa de forma mais eficiente as narrativas na base da sociedade.
— Quando retomam a capacidade de pautar a oposição e de se mobilizar, isso não encontra resposta do governo. Política é esporte de contato e só tem um lado que está dando carrinho, indo para a dividida, disputando a jogada.
Márcia Cavallari ressalta que a existência de uma oposição dura é algo com que o governo precisa aprender a lidar.
— Fizemos a pergunta sobre a dificuldade com o Congresso, por ter uma oposição mais ferrenha, e a percepção das pessoas é de que vai ser mais difícil governar. O governo vai ter que lidar com isso para cumprir o que prometeu, atender expectativas, colher resultados — observa a CEO do Ipec.
Nos Estados Unidos, onde o presidente Joe Biden tentará a reeleição em novembro, o cenário é parecido. O governo do democrata reduziu a inflação do patamar de 9,1%, raro na história americana, para 3,1% em pouco mais de um ano. O desemprego também está abaixo de 4%. Mesmo assim, a candidatura do republicano Donald Trump, afeita às pautas da extrema direita global, tem chances reais de sair vencedora.
Fonte: Agenda do Poder com informações de O Globo.
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