Agenda econômica de Fernando Haddad está nas mãos do presidente da Câmara dos Deputados
BRASÍLIA (Reuters) - O avanço da agenda econômica do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, este ano vai depender ainda mais do ritmo a ser ditado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disseram à Reuters fontes do governo e do Congresso, após a eleição de uma deputada bolsonarista para o comando da importante Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa
Após semanas de impasse e numa derrota para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a deputada Caroline de Toni (PL-SC), aliada de primeira hora do ex-presidente Jair Bolsonaro, foi eleita presidente da CCJ na quarta-feira. Essa comissão, que em 2023 foi presidida pelo petista Rui Falcão (SP), é por onde regimentalmente têm de tramitar todos os projetos que chegam à Casa.
Uma fonte do Ministério da Fazenda admitiu, em tom de preocupação, que há falhas na articulação política do governo, citando o caso da eleição para o comando da CCJ e de outras comissões da Câmara, e avaliou que isso abre margem para o surgimento de pautas-bomba no Congresso.
Nesta mesma semana, ressaltou a fonte, uma comissão do Senado aprovou em caráter terminativo -- o que permite que o projeto siga diretamente para a Câmara sem passar pelo plenário do Senado -- uma proposta que prevê isenção de tributos de 4 bilhões de reais para empresas do ramo de fertilizantes, sem contestação de governistas.
Outros temas estão sendo monitorados para evitar problemas semelhantes, disse a fonte.
Nesse cenário, ao menos na Câmara, a dependência da atuação de Lira para deslanchar as propostas governistas vai ser ainda maior com uma CCJ oposicionista, afirmaram fontes do governo e da Câmara. Em 2023, Lira já ditou o ritmo das aprovações do novo marco fiscal, da reforma tributária e da MP das subvenções, por exemplo, em negociações complicadas com o governo.
PREOCUPAÇÃO BILIONÁRIA
Em busca de zerar o déficit primário em 2024, Haddad tem como maior preocupação no momento encontrar uma solução para avançar com as propostas de reoneração da folha salarial de 17 setores da economia e a rediscussão do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse).
Inicialmente o governo tentou acabar, por meio de medida provisória, com a desoneração da folha e com o Perse, mas, diante da resistência do Congresso, o Executivo recuou e fará o debate por projetos de lei -- o da reoneração já está na Câmara e o programa para eventos deverá ser enviado em breve, com a Fazenda aceitando manter benefícios de forma mais focada.
A Fazenda defendeu que a renúncia de arrecadação com o Perse seja limitada a 8 bilhões de reais em 2024, nível mais baixo que o de anos anteriores, mas admite que o impacto poderá ser maior quando a proposta tramitar entre os parlamentares. Já a perda tributária com a desoneração este ano é de ao menos 12 bilhões de reais.
A fonte da Fazenda disse que o governo terá de aceitar um “meio termo” nos dois temas para aprovar as medidas, o que deve forçar a pasta a propor novas medidas compensatórias e provavelmente abrir novos atritos políticos com o Congresso. Ela afirmou ainda considerar improvável o avanço da reforma do imposto de renda neste ano e que está mais confiante na aprovação da agenda microeconômica de Haddad que teria menos polêmicas.
De maneira geral, os projetos da reoneração, do Perse e as outras oito propostas que fazem parte da agenda microeconômica, como a que prevê um novo regime para socorrer instituições financeiras e aprimoramento das regras da Lei de Falências, terão de passar pela CCJ da Câmara, assim como a regulamentação da reforma tributária sobre o consumo. É nesse cenário que entra o presidente da Câmara.
Duas fontes ligadas a Lira disseram que ele está comprometido com o avanço da agenda de Haddad, também considerando as negociações do Perse e da reoneração como prioritárias no momento. Na terça, o ministro da Fazenda reuniu-se com o presidente da Câmara e líderes partidários para pedir apoio à pauta.
Uma das fontes disse que a CCJ poderia até tentar atrapalhar a pauta do governo, mas têm um limite. Segundo ela, se, por exemplo, a comissão tentar inviabilizar a votação de algum projeto em qualquer momento, o governo pode recorrer a Lira para levá-lo diretamente para votação no plenário após a aprovação de um requerimento de regime de urgência.
Esse expediente tem sido adotado por Lira desde a gestão Bolsonaro, reduzindo, em consequência, o poder das comissões. No plenário, cabe ao próprio presidente da Casa indicar o relator da proposta.
A fonte destacou ainda que, se Lira tiver de escolher entre uma pauta de costumes e uma econômica, vai priorizar a segunda.
"É evidente que não vai aprovar tudo como vem da Fazenda, mas o que for bom para economia vai passar", disse ela, para quem Lira está comprometido com o déficit zero, mas também espera esforço do governo para controlar os gastos públicos.
Essa fonte ainda alertou para o fato de que, apesar da boa vontade do presidente da Câmara, há pouco tempo para o avanço da agenda econômica em um ano de eleições municipais, que tradicionalmente esvaziam os trabalhos do Congresso. Essa fonte espera maior empenho da articulação política para tentar agilizar as votações até junho, sob pena de a agenda poder ficar para depois do pleito de outubro.
Outra fonte ligada a Lira destacou que a CCJ não vai atrapalhar a agenda do Executivo porque o que for prioritário deve tramitar em regime de urgência, o que reduz os prazos de tramitação. Mas ressaltou que isso tornará o governo ainda mais refém do centrão e do presidente da Câmara, que está em seu último ano de gestão e empenhado em fazer seu sucessor.
IRRELEVANTE
Para o deputado governista Lindbergh Farias (PT-RJ), um dos vice-líderes da maioria, a CCJ perdeu relevância para a agenda econômica desde o ano passado e toda a articulação tem sido feita em plenário com Lira e os líderes partidários.
"As comissões estão esvaziadas. No ano passado, o Haddad aprovou todas as medidas importantes sem passar pela CCJ", disse o parlamentar, que, ao contrário de 2023, decidiu este ano não participar da comissão.
Assim como no ano passado, o governo terá de lançar mão de expedientes como liberação de emendas parlamentares e restos a pagar para avançar nas negociações, de acordo com a fonte da Fazenda. Em 2023, Lula bateu recorde anual de liberação de emendas em relação à gestão Bolsonaro. Este ano, devido às eleições, há restrições em relação ao pagamento dessas verbas.
O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, minimizou as preocupações com a eleição de uma bolsonarista radical para a CCJ. "Se ano passado a gente soube lidar bem com a composição que tinha (das comissões)..., também vamos saber lidar muito bem este ano com a Câmara, acho que não vai trazer dificuldades para votação das agendas prioritárias do governo", disse ele, em entrevista à CNN Brasil.
O governo também viu eleito como presidente da Comissão de Educação Nikolas Ferreira (PL-MG), outro bolsonarista radical que foi o deputado federal mais votado no país em 2022.
A eleição para as comissões de Nikolas e de Caroline de Toni segue o princípio de que partidos com maiores bancadas têm direito a escolher primeiramente as comissões que desejam presidir. Uma fonte palaciana, contudo, disse que o PL quebrou um acordo verbal de que não iria indicar nomes radicais para o comando das comissões.
Procurada, Caroline de Toni não respondeu de imediato a um pedido de comentário. Em seu discurso na quarta após ter sido eleita, ela adotou tom moderado e disse que atuará de forma equilibrada.
"Encararei com muita responsabilidade essa posição institucional com uma gestão com transparência, equilíbrio, ouvindo todas as bancadas, respeitando o princípio de proporcionalidade que rege todo o regimento da Câmara dos deputados, o que deve se refletir na pauta da comissão", afirmou ela, que antecipou que buscará pautar matérias de costumes na CCJ, assuntos da sua plataforma eleitoral.
Fonte: Brasil 247 com Reuters
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