Antonio Tavares foi morto durante bloqueio policial em uma estrada do Paraná, em 2000
Por Vitor Nuzzi, da RBA - A Corte
Interamericana de Direitos Humanos declarou o Estado brasileiro “responsável
internacionalmente” pela ação policial que resultou na morte de um trabalhador
rural e em ferimentos em 197 pessoas, em 2000, no Paraná. Na sentença,
anunciada na manhã desta quinta-feira (14), se responsabiliza o Estado pelo
“uso desproporcional” da força empregada pela Polícia Militar, além de falhas
processuais.
Tudo resultou “na violação dos direitos à vida, à
integridade pessoal, à liberdade de pensamento e expressão, de reunião, direito
à infância, de circulação e moradia, e garantias e proteção judicial”, conforme
destaca a Corte em sua sentença. Isso atingiu diretamente Tavares, sua família
e os demais trabalhadores.
Estigmatização e criminalização
Dessa forma, as entidades que acionaram o sistema
interamericano destacam que o Estado foi responsabilizado por omissão e por não
punir os envolvidos no assassinato. Por isso, teve de responder
internacionalmente “sobre o processo de estigmatização e criminalização das
pessoas que lutam pelo direito de acesso à terra”. E pelo “tratamento desigual”
do Judiciário em relação aos sem-terra.
Tavares estava com 38 anos. Era casado e tinha cinco
filhos. Era assentado no município de Candói e atuava no Sindicato dos
Trabalhadores Rurais.
Momento emblemático
O caso aconteceu em 2 de maio de 2000, em rodovia (BR-227)
na região de Campo Largo (PR). Os sem-terra, em torno de 1.500, seguiam em 50
ônibus a Curitiba, para um ato em defesa da reforma agrária. A ação policial,
com 150 agentes, resultou na morte de Tavares e deixou mais de 185 integrantes
do MST feridos.
Para o movimento, foi “um dos momentos mais emblemáticos
do processo de violência e de criminalização da luta pela terra”. O caso foi
arquivado pelo Judiciário, sem punições. Por isso, foi apresentado em 2004 à
Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por várias organizações:
Terra de Direitos, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Justiça Global, MST e Rede
Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap). Em 2021, chegou à Corte,
que realizou audiência no ano seguinte.
Reforma agrária e violência
O Brasil é hoje o país com maior número de casos em
tramitação na Corte. Todos são anteriores à atual gestão. Também já sofreu
várias condenações, relacionadas a casos políticos ou envolvendo movimentos
sociais.
“O caso Antonio Tavares permitirá à Corte Interamericana
não apenas analisar a relação entre a ausência de uma reforma agrária no Brasil
e a violência contra as trabalhadoras e trabalhadores rurais que lutam pela
terra, como o papel que vem cumprindo a Justiça Militar na manutenção de um
quadro de ausência quase completa de responsabilização de militares, em
especial policiais militares, por violações de direitos humanos já no período
democrático,” afirma Eduardo Baker, da Justiça Global.
“Temos a expectativa de que a decisão da CIDH contribua para
articularmos forças para pautar o Estado brasileiro na investigação e
responsabilização de quem pratica violências e violações de direitos humanos”,
diz Ayala Ferreira, da direção nacional e do Setor de Direitos Humanos do MST.
“E mais, apontar a necessidade dos governos em assumir o compromisso de
combater essas práticas com políticas concretas de solução dos conflitos, que é
retomar a reforma agrária e os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras do
campo.”
Desafio internacional
A coordenadora de incidência internacional da Terra de
Direitos, Camila Gomes, ressalta a importância das condenações do Estado
brasileiro pela Corte Interamericana. “Pois tratam dos maiores desafios que o
país enfrenta em matéria de direitos humanos e que, sem respostas por parte das
autoridades nacionais, precisou ser levado a um tribunal internacional. Além da
violência cometida por policiais militares a uma mobilização popular e a
completa impunidade desses crimes, o Brasil foi instado a responder internacionalmente
sobre o processo de estigmatização e criminalização das pessoas que lutam pelo
direito de acesso à terra.”
No mês passado, outro caso envolvendo um trabalhador rural
passou pelos juízes em San José, sede da Corte Interamericana. Eles analisavam
o caso de Manoel Luiz da Silva, morto em 1997, na Paraíba. Na ocasião, o Estado
brasileiro apresentou um pedido formal de desculpas.
O ataque de 2000 não foi um caso isolado, segundo o MST. E
se insere em um “contexto de intensa criminalização e perseguição aos
movimentos sociais de luta pela terra no Paraná, endossada pelo então
governador Jaime Lerner”. De acordo com os sem-terra, de 1994 a 2002 (período
dos dois mandatos de Lerner), ocorreram 502 prisões de trabalhadores rurais e
324 lesões corporais. Sete trabalhadores sofreram tortura e 47 foram ameaçados
de morte. Além disso, houve 31 tentativas de homicídio, 16 assassinatos e 134 despejos
violentos no estado.
Fonte: Brasil 247 com informações da RBA
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