Em ação no STF, entidade contesta decisão da corte que atribui ao veículo a responsabilidade por declaração de entrevistado
Agência Brasil - A
Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) apresentou recurso
contra a tese jurídica do Supremo Tribunal Federal (STF) segundo a qual os
veículos de imprensa são responsáveis no caso de declarações de entrevistados
que imputem falsamente crimes a terceiros.
Pelo entendimento, alcançado em novembro por maioria de 9
a 2, se um entrevistado acusar falsamente outra pessoa, a publicação poderá ser
condenada a pagar indenização a quem foi alvo da acusação falsa.
Segundo a tese aprovada, a responsabilização da publicação
poderá ser feita se ficar comprovado que, no momento da publicação da
entrevista, já existiam “indícios concretos” sobre a falsidade da imputação do
crime e se “o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da
veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”.
Os ministros também estabeleceram ser possível a “remoção
de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes,
caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais”.
À época do julgamento, jornalistas e entidades de imprensa como
a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Abraji criticaram a redação da tese
final, cujos termos, considerados pelas entidades amplos e vagos, dariam margem
para ataques à liberdade de imprensa e ao direto constitucional de acesso à
informação.
O acórdão (decisão colegiada) com o texto final da tese
foi publicado pelo Supremo em 8 de março, e a Abraji apresentou embargos de
declaração sete dias depois, visando a esclarecer os termos do julgamento.
Argumentos
No recurso, a associação diz se tratar de “matéria sensível à
democracia” e que a tese estabelecida pelo Supremo possui “generalidade
incabível”. A entidade alega que, na parte em que autoriza a remoção de
conteúdo, o Supremo foi muito além de acusações falsas em entrevistas, que era
o debate do processo, e acabou por autorizar uma remoção muito mais ampla de
conteúdo.
Isso porque a tese autoriza a remoção de qualquer “informação
comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas”. Os advogados
da Abraji destacam que somente no caso da calúnia há imputação falsa de crime,
sendo que as hipóteses de injúria, difamação e mentira envolvem outros tipos de
análise e conteúdo.
Outro ponto frágil, de acordo com a entidade, é que o Supremo
não deixou claro que a autorização para remoção de conteúdo se referiria
somente às declarações falsas de entrevistados, e não a qualquer conteúdo do
próprio jornal.
“Tal como redigida, abre-se a possibilidade para, nas
instâncias inferiores, o escopo interpretativo das hipóteses de
responsabilização da imprensa ir além dos limites da discussão realizada,
trazendo retrocessos para as poucas garantias já estabelecidas”, diz o recurso.
A Abraji sugere que a tese deixe de mencionar a possibilidade de
remoção de conteúdo, tema que alega não ter sido discutido no julgamento. Além
disso, a decisão deveria deixar mais claro que a responsabilização de
publicações somente poderia ser feita em caso de imputação falsa de crime por
entrevistado, especificamente.
Riscos adicionais, sustentaram os advogados, estariam
presentes na segunda parte da tese estabelecida pelo Supremo, por não ter
elencado especificamente quais seriam os “indícios concretos” que comprovariam
a falsidade das declarações do entrevistado. Tampouco se explica quais
procedimentos do jornal ou do jornalista seriam suficientes para preencher “o
dever de cuidado” ao checar as declarações do entrevistado, afirma o recurso.
Dessa maneira, ficaria a critério subjetivo dos magistrados de
primeira instância definir quais atitudes configurariam violação ao “dever de
cuidado” no trabalho jornalístico. Num país como o Brasil, com diversos casos
de censura judicial e ataques à imprensa e aos jornalistas, tal abertura “pode
ser extremamente perigosa”, diz a petição.
A mudança no texto final seria necessária para impedir que
juízes de instâncias inferiores deem à tese “eventual interpretação
inconstitucional que possa se encaixar na amplitude das expressões utilizadas”,
diz o embargo da Abraji, assinado pelos advogados Pierpaolo Bottini, Igor
Tamasaukas e Beatriz Canotilho Logarezzi.
O recurso foi acompanhado de uma nota técnica assinada por
outras seis entidades de imprensa, que reforçaram os argumentos da Abraji. São
elas: Federação Nacional de Jornalistas (FENAJ), Repórteres Sem Fronteiras
(RSF), Associação de Jornalismo Digital (AJOR), Instituto Palavra Aberta,
Instituto Vladimir Herzog e Tornavoz.
Barroso
À época do julgamento, o presidente do Supremo, ministro
Luis Roberto Barroso, publicou uma nota oficial e deu declarações negando que a
tese do supremo representasse risco à liberdade de imprensa e de expressão.
“O veículo não é responsável por declaração de
entrevistado a menos que tenha havido uma grosseira negligência relativamente à
apuração de um fato que fosse de conhecimento público”, declarou Barroso.
No recurso, a Abraji argumenta que a própria necessidade
de esclarecimento por parte do Supremo indica que a redação da tese tem
problemas. Tampouco expressões como “grosseira negligência” seriam
esclarecedoras para definir os critérios objetivos para responsabilização dos
veículos de imprensa, rebateram os advogados.
Processo
A decisão do Supremo foi baseada em ação na qual o
ex-deputado federal Ricardo Zarattini Filho processou o jornal Diário de
Pernambuco por danos morais, em função de uma reportagem publicada em 1995.
Na matéria jornalística, o político pernambucano
Wandenkolk Wanderley afirmou que Zarattini, morto em 2017, foi responsável pelo
atentado a bomba no aeroporto de Recife, em 1966, durante a ditadura militar.
Ao recorrer à Justiça, a defesa de Ricardo Zarattini disse
que Wandenkolk fez acusações falsas e a divulgação da entrevista gerou grave
dano à sua honra. Segundo ele, o jornal reproduziu afirmação falsa contra ele e
o apresentou à opinião pública como criminoso.
Fonte: Brasil 247 com Agência Brasil
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