terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Processo contra a Transparência Internacional mostra que ONG pretendia gerir R$ 2,3 bilhões do erário

 ONG enviou ao então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, um requerimento para organizar como esses valores deveriam ser destinados

Dias Toffoli (Foto: Carlos Moura/SCO/STF | Reprodução)

Conjur A íntegra do processo que envolve os acordos de leniência da Odebrecht (hoje Novonor) e da J&F e as relações entre as autodenominadas forças-tarefa do Ministério Público Federal e a ONG Transparência Internacional mostram que, embora não tenha recebido verba decorrente das ações, a TI participou ativamente das negociações e queria ter controle sobre o dinheiro, em especial o do acordo com a J&F.

A ONG preparou um plano de investimentos e ainda indicou que os dois primeiros pagamentos deveriam ser feitos em uma “conta controlada ou conta de garantia”. Todas as comunicações estão na íntegra do processo, cujo sigilo foi levantado nesta terça-feira (6/2) pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal.

Nos autos, consta que a TI e o MPF firmaram um “memorando de entendimento” para planejamento estratégico de combate à corrupção em 2014. O acordo envolve outra ONG, a Amarribo. Conforme foi noticiado pela revista eletrônica Consultor Jurídico, ela é gerida pelo empresário do ramo papeleiro Josmar Verillo e é chamada de “braço brasileiro” da TI.

Ex-CEO da Klabin, Verrillo foi, por cinco anos, conselheiro da Paper Excellence, empresa que está em litígio bilionário com a J&F desde 2018, ano em que o empresário assumiu o posto, segundo seu currículo.

No acordo de leniência firmado entre a empresa e as autoridades, em 2017, que teve participação direta da TI, ficou determinado, em uma cláusula sui generis, que R$ 2,3 bilhões da multa seriam gastos em “projetos sociais”. Em geral, os valores desse tipo de acordo são destinados aos órgãos públicos, fundações ou ao FDD (Fundo de Direitos Difusos).

No apêndice do acordo, constam 49 itens que, em tese, deveriam nortear o gasto desses mais de R$ 2 bilhões.

Presença permanente - Apesar de dizer que não tinha interesse nesses recursos, a TI enviou ao então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, um documento afirmando que está “em processo de reestabelecimento de uma presença permanente no país” e fazendo um requerimento para organizar como esses valores deveriam ser destinados.

“No âmbito do acordo de leniência da empresa J&F, que 50% do montante se destine a projetos sociais explícita e inequivocamente voltados à qualificação, proteção e promoção do controle social; Que os restantes 50% sejam destinados a iniciativas que promovam novas formas de ‘participação democrática, conscientização política, formação de novas lideranças e inclusão de minorias e grupos excluídos na política, com o propósito de mitigar ou compensar — ainda que parcialmente — os profundos danos que a corrupção causa ao sistema democrático”, diz o documento.

Em outro documento (os dois foram assinados pelo presidente da TI, José Ugaz), a ONG afirma que “colocou-se à disposição, em reuniões com as partes signatárias do acordo, para apoiar neste processo de estruturação e, posteriormente, de monitoramento do cumprimento das obrigações de financiamento social do acordo”.

A TI ainda pede que seja feito novo memorando garantindo que ela seja responsável pela aplicação desses recursos, com a definição de um “plano de investimentos” nessas organizações de combate à corrupção.

“Caso venha a ter papel ativo no desenho e monitoramento dos processos, a TI se absterá de pleitear tais recursos durante todo o período em que possa ter influência decisória. Igualmente, a TI atuará de maneira estritamente voluntária sem qualquer tipo cobrança de honorários ou taxas administrativas”, diz o texto.

O acordo foi feito em junho de 2017. Em agosto, ocorreu o pedido da TI. Em dezembro, o novo memorando foi firmado, no âmbito do acordo de leniência com a J&F. Um plano de investimentos, então, foi elaborado e acoplado ao processo. Diz o documento:

“A Transparência Internacional deverá, portanto, atuar: j) na proposição geral do sistema de governança; ii) na proposição geral de uma estratégia de investimento para a área temática de transparência e controle social da corrupção; iii) no acompanhamento inicial da implementação dos modelos de governança validados; e iv) no apoio ao monitoramento dos primeiros processos de desembolso do mantenedor.”

A própria TI cita o “ineditismo da proposta” e afirma que “o arcabouço sugerido deverá focar não apenas na composição institucional, mas também abranger os mecanismos de transferência dos recursos originários do acordo de leniência”.

Na retranca “Investimentos” do documento, a ONG recomenda “que os recursos dos dois primeiros desembolsos (dezembro de 2017 e junho de 2018) sejam mantidos em uma conta controlada ou conta de garantia (escrow/account), cujos rendimentos poderão inclusive auxiliar na estruturação inicial do sistema de governança”.

Lá e cá - Os documentos, agora públicos, corroboram as falas tornadas públicas na “operação spoofing”. Nos diálogos, há uma série de debates entre os procuradores sobre a atuação da TI. Além disso, há extensa conversa entre o diretor-executivo da ONG, Bruno Brandão, e o ex-procurador e deputado federal cassado Deltan Dallagnol.

Em uma das conversas, um procurador chamado Paulo (possivelmente Paulo Roberto Galvão de Carvalho), relata o receio de a TI de não receber as verbas.

“Não deixar o dinheiro se diluir. Carimbar → no nosso caso, o dinheiro virá de uma vez VER PROPOSTA. Por enquanto pedem para não ser compartilhada com Petrobras. TI tem receio de ficar fora da possibilidade de receber recursos Possibilidade de questionamento do modelo — na J&F há gente querendo dizer que o dinheiro deveria ser usado integralmente para ressarcimento ao erário — mas não afeta o nosso caso.”

Em outros diálogos apreendidos, Deltan tenta usar a TI como intermediária no recebimento de um prêmio, abastecer o fundo que ele pretendia criar em sociedade com a ONG e, em último caso, evitar o pagamento de impostos.

Deltan perguntou a Brandão em junho de 2017, quando o acordo com a J&F já havia sido assinado e a “lava jato” havia sido indicada ao Allard Prize: “Estou pensando se a TI não poderia receber no Canadá e transferir para cá, para fazer o fundo, ainda que desconte taxas ou o que for cabível. E vcs poderiam formar o fundo? Pode ser basicamente uma conta, formar uma comissão e abrir um edital para apresentação de projetos…”.

Fonte: Brasil 247 com informações do Conjur


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