sábado, 3 de fevereiro de 2024

Nas mãos do comércio ilegal, consumo de cigarros eletrônicos cresce 600% em seis anos no Brasil

 Segundo a Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), a regulamentação deste mercado movimentaria R$ 7,7 bilhões por ano

(Foto: Pixabay)

 Enquanto a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) debate em consulta pública a possível regulamentação do uso e comércio de cigarros eletrônicos no Brasil, o consumo dos chamados Dispositivos Eletrônicos de Fumar (DEFs) explode no país. De acordo com pesquisa realizada pelo instituto Ipec, entre julho e outubro de 2023, cerca de 2,9 milhões de brasileiros adultos admitiram ter usado cigarros eletrônicos nos últimos 30 dias. Em comparação com a primeira pesquisa sobre o tema, de 2018, o número de usuários teve um aumento de 600%. Praticamente a totalidade dos fumantes consome o produto sem informações nem controle sobre as substâncias contidas, já que o mercado de cigarros eletrônicos no Brasil se mantém proibido desde 2009.

A pesquisa Ipec mostrou também que os cigarros eletrônicos não são mais desconhecidos da população: 87% dos entrevistados disseram conhecer o produto. Além disso, 6,3 milhões de fumantes de cigarros tradicionais já experimentaram algum tipo de vape. Entre os estados, o Paraná é o que tem a maior incidência de consumidores no Brasil, subindo de 0,9% para 4,5% da população entre 2018 e 2023. Em seguida aparece Mato Grosso do Sul, com 4% de incidência, e Distrito Federal, com 3,7%. Segundo o Ipec, a pesquisa foi elaborada com 51.575 entrevistados, com idades entre 18 e 64 anos, residentes em áreas urbanas de municípios com 20 mil habitantes ou mais. A amostra representa 77% dos brasileiros e brasileiras com idade entre 18 a 64 anos.

O crescimento vertiginoso do consumo de vapes no Brasil aumenta a pressão sobre as autoridades por uma política pública mais efetiva sobre o tema, seja regulamentando os dispositivos e impondo regras rígidas, seja aumentando a repressão na medida do crescimento do consumo. Entre 2019 e 2023, as apreensões de cigarros eletrônicos contrabandeados dispararam de 23 mil unidades em 2019 para mais de 1,1 milhão em 2023, segundo dados da Receita Federal. Em valor estimado de mercadorias recolhidas, o aumento foi de R$ 1,9 milhão para R$ 53,4 milhões em cinco anos. Novamente, os estados do Paraná e Mato Grosso do Sul lideram. Junto com São Paulo, os três representam 84% das apreensões no país entre 2019 e outubro de 2023.

A dimensão da regulamentação dos cigarros eletrônicos também se reflete no aspecto econômico. Segundo estudo da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), estima-se que o mercado clandestino de cigarros eletrônicos no Brasil movimente aproximadamente R$ 7,7 bilhões anualmente. Deste montante, a arrecadação de impostos sobre importação giraria em torno de R$ 2,2 bilhões por ano, segundo o estudo. A entidade dos industriais prevê que a demanda por produtos desse tipo continue crescendo, atingindo a marca de 4,5 milhões de usuários no país até 2026. A possível regulamentação dos cigarros eletrônicos no Brasil poderia resultar em um aumento significativo na arrecadação governamental, estimado em R$ 2,2 bilhões anuais, de acordo com o estudo. Apesar da proibição atual, a Fiemg calcula que o país tenha aproximadamente 3,3 milhões de usuários desses dispositivos. No cenário hipotético de legalização, a mão de obra na cadeia produtiva criaria 115 mil empregos formais e informais, dos quais cerca de 55 mil na área da agricultura. O comércio atacadista e varejista seria o segundo setor mais beneficiado, com a perspectiva de criação de outros 14,4 mil empregos, segundo estudo da Fiemg.

No entanto, o tema divide opiniões. O Conselho Federal de Medicina (CFM) classifica os cigarros eletrônicos como “porta de entrada” do tabagismo e defende a manutenção da proibição. A entidade médica pede que o governo federal e o Congresso mantenham a legislação que proíbe os dispositivos eletrônicos para fumar; o reforço aos mecanismos de repressão e controle; e o desenvolvimento de campanhas de esclarecimento sobre potenciais riscos do uso do cigarro eletrônico. Por outro lado, o médico oncologista Edgard Mesquita Rodrigues Lima afirma que o debate sobre o assunto no Brasil tem sido marcado pela “superficialidade” e “falta de embasamento técnico e científico”. "Os estudos mostram que o cigarro eletrônico não é isento de riscos, mas é menos danoso do que o cigarro convencional e pode ser uma boa ferramenta para redução de danos para fumantes de cigarro a combustão", afirma o oncologista, em declaração à Folha de S. Paulo. "Sem a regulamentação, não conseguimos nem fazer estudos próprios no Brasil nem colocar em pauta essa discussão sobre a redução de danos e deixamos os consumidores dos produtos ilegais sem informação e expostos a riscos", completa o médico.

Cerca de 80 países regulamentaram o consumo de cigarros eletrônicos. A Suécia, por exemplo, considera os vapes como menos prejudiciais do que os cigarros convencionais e está prestes a atingir uma taxa de prevalência de tabagismo abaixo de 5% nos próximos meses, um nível que é menor do que o limiar estabelecido para oficialmente ser considerado "livre do tabagismo". Segundo o relatório da Health Diplomats, a estratégia adotada pela Suécia para minimizar os efeitos prejudiciais do tabagismo resultou na menor porcentagem de doenças relacionadas ao tabaco na União Europeia e uma incidência de câncer 41% menor em comparação com outros países europeus. No Reino Unido, a campanha “Trocar para parar” incentiva a troca dos cigarros tradicionais pelos eletrônicos. As leis britânicas determinam uma quantidade máxima de nicotina presente em cada cigarro eletrônico e como eles devem ser expostos nas lojas. Leia matéria do Brasil 247 sobre o assunto.

Informações mais claras nos EUA - Em reportagem publicada em janeiro deste ano, a revista estadunidense Time defendeu que o Cirurgião-geral dos Estados Unidos, órgão colegiado que é o principal porta-voz para questões de saúde pública no governo federal, publique um novo relatório sobre o tema do tabagismo, considerando a presença dos cigarros eletrônicos e seus impactos. Em 11 de janeiro de 1964, o órgão divulgou um relatório que dizia que fumar causa doenças e morte – e o governo deveria fazer algo a respeito. O documento é considerado um divisor de águas em política sobre o tabagismo: nas décadas que se seguiram, foram colocados rótulos de advertência nos maços de cigarros, os anúncios publicitários desses produtos foram proibidos, os governos aumentaram os impostos sobre o tabaco e impuseram novas restrições sobre os locais onde as pessoas podiam fumar.

A Time afirma que enquanto muitos adultos acreditam erroneamente que a vaporização é tão prejudicial quanto ou mais perigosa do que fumar cigarros convencionais, a Food and Drug Administration (FDA) e a maioria dos cientistas concordam que os cigarros eletrônicos são muito menos perigosos do que os cigarros tradicionais. No entanto, a falta de evidências de longo prazo é um obstáculo, já que os cigarros eletrônicos não existem há tempo suficiente para avaliar se os usuários desenvolverão problemas de saúde no longo prazo, como câncer de pulmão e doenças cardíacas. A revista destaca a redução significativa nas taxas de tabagismo nos Estados Unidos, atribuída em parte ao surgimento dos cigarros eletrônicos como alternativa ao tabaco tradicional. No entanto, a preocupação persiste quanto aos efeitos da vaporização em pessoas que nunca fumaram, especialmente entre os jovens. Os benefícios potenciais da vaporização incluiriam a redução na exposição a substâncias cancerígenas encontradas na fumaça do tabaco. Segundo a Time, estudos mostram que fumantes que mudam completamente para a vaporização experimentam melhorias na função pulmonar e na saúde em geral.

Como funcionam os vapes - Desde 2003, quando começaram a se popularizar, os cigarros eletrônicos passaram por diversas mudanças: produtos descartáveis ou de uso único; produtos recarregáveis com refis líquidos que podem conter substâncias como propileno glicol, glicerina, nicotina e flavorizantes, em sistema aberto ou fechado; produtos de tabaco aquecido, que possuem dispositivo eletrônico onde se acopla um refil com tabaco; sistema pods, que contém sais de nicotina e outras substâncias diluídas em líquido, dentre outros. Ao colocar o produto na boca e inalá-lo, o líquido inserido no cartucho é aquecido internamente e, depois da tragada, resulta no vapor. É importante destacar que vaporizadores e produtos de tabaco aquecido são produtos destinados a maiores de 18 anos, assim como o cigarro. Estes produtos não são isentos de riscos e, por isso mesmo, não devem ser utilizados por adolescentes.

Fonte: Brasil 247


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